LIMITES: FICÇÃO OU REALIDADE? – Parte 2

A década de 1980 foi um terreno dos mais férteis para o início de uma plantação extensa o bastante para chegar até os dias atuais, com certas “mutações”, é bem verdade, que procuram imprimir mais veracidade, mais credibilidade, mais envolvimento, mais de tudo o que puder fazer com que o receptor mergulhe profundamente na história. Os modelos exauridos de Jason Voorhees, Freddy Krueger, Michael Myers e Leatherface abrem espaço para sociedades místicas e experimentos comportamentais. As lendas urbanas, antes personalizadas em cada uma dessas figuras (não devemos nos esquecer da malfadada “Loira do Banheiro”!), agora são muito mais conceituais, uma ideia que perambula à nossa volta, minando a confiança sobre nossa percepção da realidade.

É uma mudança significativa, se pensarmos no que a motivou. Particularmente, considero a realidade contemporânea muito mais cruel e aterradora do que as construídas nesses filmes. Basta observar a seriedade das produções: em um dado momento, lá pela enésima sequência, nem Freddy, nem Jason, se levavam muito a sério… Para essa geração, procurem lembrar das suas reações depois de um desses filmes de medo. Durante a sessão, eram sustos, alguns gritos, motivos para abraçar a menina ou o garoto ao seu lado, tudo uma grande diversão que acabaria em alguma daquelas lanchonetes que ainda eram novidade. Dificilmente você passaria dias pensando sobre “Poltergeist”… poderia passar algumas noites irrequieto (uma maneira educada de tratar) mas, dificilmente, levaria a um trauma irreversível. Se acontecesse, não seria apenas pelo filme, seria também pelo filme.

Uma pausa para memórias (bom aproveitar quando acontece!): Assisti ao “Exterminador do Futuro”, o primeiro e, essencialmente, único, quando estreou nos cinemas. Sim, isso foi na Pré-História… Fui ver em uma sala pequena, uma sessão bem intimista, em um cinema de shopping na Avenida Paulista (a única avenida que existe na cidade…). Fiquei lá no fundo, no meio, coisa de cinéfilo nerd, ainda no início de carreira, mas já cheio de manias. Percebi um grupo um pouquinho mais novo que eu, sentado no “gargarejo” e me chamou a atenção duas garotas muito agitadas. Sem problema, não estavam atrapalhando nada. Porém, lá pelo final, quando o caminhão explode (NÃO É SPOILER! TENHO GARANTIA PELO PRAZO DE VALIDADE DO FILME!) e o Exterminador se ergue, sem a pele do Schwarzza, só o esqueleto de metal, uma daquelas garotas se levantou e começou a gritar, aterrorizada: “Esse FDP não morre! PQP, esse FDP não morre! Não MOOOORREEEE!”

Espero que não tenham levado isso como piada. Foi assustador. Os amigos foram acudir a garota, o filme foi interrompido, funcionários do cinema vieram socorrer. A garota surtou, com todas as forças, e saiu amparada. O filme retomou, com uma desculpa bem boba do funcionário que quis fazer uma gracinha infeliz, em meio a comentários idiotas sobre aquela “menina doida, credo…”.

A única informação que consegui, depois, foi que a mãe veio buscá-la e saíram rapidamente, para evitar mais problemas (entendam, no lugar de problemas, “constrangimentos” para elas). Esse é um caso delicado, que não predomina. Arrisco dizer que poucos de nós passamos por isso, ou somos vítimas de reações parecidas. Ninguém está isento. Pode acontecer.

Mas, me pergunto, qual seria a reação dela a “Corra” ou “Midsommar”? Como ela responderia à nova versão de “It: A Coisa”? Qual seria o estrago causado pela última versão, até agora, de Freddy Krueger, explicitamente declarado um zelador de colégio pedófilo morto cruelmente pelos pais das vítimas?

Esses medos, essas ameaças, estão mais próximos de nós. Praticamente fazem parte do nosso cotidiano. Não que fosse impossível um serial killer como Jason ou Leatherface existirem. Algumas entrevistas com os criadores das franquias dão conta de “inspirações reais” para esses personagens. Se houver dúvidas a esse respeito, procure os fatos reais relacionados a Sharon Tate, reinventados por Tarantino em “Era Uma Vez Em… Hollywood”. Ou pesquise sobre “A Sangue Frio”…

Percebem como esse “mal”, essa ameaça tornou-se mais próximo e íntimo de nós. Pode estar em qualquer esquina, pode ser qualquer um. Tomou a forma da desconfiança, a insegurança. Muito pior do que isso é percebermos que seus efeitos se tornaram números e estatística

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