O que você fez além do quadrado preto?

No dia 25 de maio de 2020, George Floyd, um homem negro estadunidense de 46 anos, foi cruelmente morto por asfixia, ao ter seu pescoço pressionado por 9 minutos e 29 segundos pelo joelho do polícial branco Derek Chauvin em ação policial. O ocorrido gerou muita revolta e indignação diante do racismo e do ato cruel contra Floyd, escancarando o racismo nos Estados Unidos e a violência policial. O caso teve repercussão mundial, e logo após a morte de George Floyd, diversas manifestações e protestos tomaram as ruas de várias cidades nos Estados Unidos, e posteriormente em vários países, incluindo no Brasil. 

As manifestações também ganharam força no Brasil pois dias antes da morte de Floyd, João Pedro Mattos Silva, um adolescente negro de 14 anos, morreu ao ser atinjido dentro de casa por uma bala durante uma ação policial. O Brasil é um país onde o racismo estrutural está presente em todas as esferas da nossa sociedade e a violência policial é uma realidade na vida de muitas pessoas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro.

No dia 2 de junho de 2020 o feed do Instagram foi tomado por postagens com quadrados pretos. O que ficou conhecido como “Blackout Tuesday” foi uma ação virtual em que muitos usuários da rede social deixaram de postar as suas fotos como de costume e demonstraram seu apoio às manifestações pedindo justiça por George Floyd e contra o racismo, através da postagem de um quadrado preto. A ação gerou diversos debates.

Eu, um homem branco, compartilhei o quadrado preto no Instagram. Muitos dos meus amigos, colegas e conhecidos brancos também o fizeram. O debate sobre a questão dos quadrados, e com razão, não demorou a surgir nas redes. Ser antirracista é muito mais do que postar um quadrado preto nas redes sociais. É muito mais que um posicionamento pontual e sem muito esforço.

Pouco mais de um ano depois, após diversos outros inaceitáveis e revoltantes casos de racismo e violência policial no Brasil e no mundo – e não posso deixar de mencionar a morte de Kathlen de Oliveira Romeu, uma mulher negra grávida de 24 anos, que foi baleada em confronto na comunidade de Lins no último dia 8 -, nós brancos precisamos refletir e nos comprometer com a questão: o que fizemos além de postar um quadrado preto?

Ecoo aqui algumas das perguntas que surgiram nas redes sociais neste último ano e lhe convido à reflexão: Como você usou suas redes sociais para apoiar causas antirracistas? Como você usou suas redes para denunciar o racismo? Quantos livros, textos e artigos você leu sobre desigualdade racial e racismo? Quantas palestras, lives, vídeos, documentários, reportagens e filmes sobre a questão você assistiu? Quantos ativistas, políticos, artistas, escritores, influenciadores, empreendedores, etc, você segue nas redes sociais?

Você refletiu sobre o racismo? Você refletiu sobre a branquitude e sobre o privilégio de ser branco? Você refletiu sobre as injustiças, desigualdades, violências e opressões no nosso país, e sobre como elas atingem a população negra a todo momento? Você refletiu e mudou sua visão de mundo? Você refletiu e mudou suas ações?

Como nos mostram diversas escritoras e pensadoras feministas negras, e aqui destaco bell hooks, Angela Davis, Lélia Gonzalez, Patricia Hill Collins, Djamila Ribeiro, dentre outras, ser antirracista não é apenas posicionar-se pontualmente. Ser antirracista é ter uma postura diária antirracista. Que inclui aprendizado, reflexão, escuta, mudança de postura, posicionamento e denúncia. É reconhecer que ser branco é ter privilégios e que é beneficiar-se, querendo ou não, da estrutura racista enraizada nas relações sociais do nosso país. É reconhecer que existem dores que nós brancos não sentimos, que existem situações que nós brancos não passamos e que existem realidades que nós brancos não vivenciamos. A filósofa e escritora Djamila Ribeiro faz uma importante afirmação sobre essa questão em seu livro “O pequeno manual antirracista” (2019), dizendo: “Devemos lembrar que esse não é um debate individual, mas estrutural: a posição social do privilégio vem marcada pela violência, mesmo que determinado sujeito não seja deliberadamente violento” (p. 33).

Em seu livro “White fragility: why it’s so hard for white people to talk about racism” (2018) (no Brasil lançado em 2020 com o título “Não basta não ser racista: sejamos antirracistas”) a acadêmica e educadora Robin DiAngelo, uma mulher branca, faz uma importante problematização sobre o que chama de “binário bom/mau” – (mau/racista e bom/não racista). Segundo DiAngelo (2018):

“O binário bom/mau certamente obscurece a natureza estrutural do racismo e torna difícil para nós ver ou entender. Igualmente problemático é o impacto de tal visão de mundo em nossas ações. Se, como uma pessoa branca, conceituo o racismo como um binário e me coloco do lado “não racista”, que ação adicional é exigida de mim? Nenhuma ação é necessária, porque não sou racista. Portanto, o racismo não é meu problema; isso não me diz respeito e não há mais nada que eu precise fazer. Essa visão de mundo garante que não vou desenvolver minhas habilidades em pensar criticamente sobre o racismo ou usar minha posição para desafiar a desigualdade” (p. 73, tradução minha).

Nós, pessoas brancas, precisamos ir além no nosso comprometimento e nos tornarmos antirracistas em nossas falas, ações, aprendizados, questionamentos e escolhas. Não faltam excelentes materiais acadêmicos acessíveis para compreendermos a história, as relações sociais, o racismo e as desigualdades que nos cercam. Precisamos ler pensadoras e pensadores negros e refletir sobre o nosso país e sobre o nosso dever, enquanto brancos, em questionar os nossos privilégios e em contribuir para acabar com o racismo, a desigualdade, a violência e opressão racial em todas as esferas da nossa sociedade. Você já refletiu sobre o que você fez além de postar o quadrado preto?

REFERÊNCIAS:

CARTA CAPITAL. Movimentos convocam ato no RJ em protesto por João Pedro e George Floyd. 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/movimentos-convocam-ato-no-rj-em-protesto-por-joao-pedro-e-george-floyd/. Acesso em: 14 jun. 2021.

_______________. Projétil que matou João Pedro tem o mesmo calibre de armas apreendidas com policiais. 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/projetil-que-matou-joao-pedro-tem-o-mesmo-calibre-de-armas-apreendidas-com-policiais/?utm_source=leiamais. Acesso em: 14 jun. 2021.

CARVALHO, Pietra. Instagram às escuras: o que você precisa saber sobre o “Blackout Tuesday”. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/2020/06/02/instagram-as-escuras-o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-blackout-tuesday. Acesso em: 14 jun. 2021.

DIANGELO, Robin. White fragility: why it’s so hard for white people to talk about racism. Boston: Beacon Press, 2018.

FOLHA DE SÃO PAULO. Grávida morre após ser baleada em tiroteio no Rio de Janeiro. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/06/gravida-morre-apos-ser-baleada-em-tiroteio-no-rio-de-janeiro.shtml. Acesso em: 14 jun. 2021.

G1. George Floyd: um ano depois, EUA relembram assassinato que desencadeou protestos pelo mundo. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/05/25/george-floyd-um-ano-depois-eua-relembram-assassinato-que-desencadeou-protestos-pelo-mundo.ghtml. Acesso em: 14 jun. 2021.

MOSSBURG, Cheri; GALLAGHER, Julie; YAN, Holly. Caso George Floyd: 7º dia de protestos tem tumulto perto da Casa Branca. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/06/02/caso-george-floyd-eua-tem-setimo-dia-de-protestos-em-cidades-de-todo-o-pais. Acesso em: 14 jun. 2021.

RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

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