Automedicação para fins estéticos: um perigo para além do corpo

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Por: Aline Antunes

Não somente o nosso organismo pode sofrer consequências, mas também o nosso psicológico pode ser afetado com essa prática

Muitos de nós já procuramos, por conta própria, uma melhora de forma imediata para qualquer tipo de problema de saúde, e isso é uma coisa cada vez mais recorrente. Uma pesquisa feita pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), divulgada em 2019, revela que 77% dos brasileiros têm o hábito de se automedicar. Os dados são alarmantes e a prática ainda mais, pois não existem apenas os casos em que a pessoa procura o alívio de uma dor, e sim também aquelas pessoas que acreditam que alguns remédios para tratamentos clínicos podem trazer benefícios estéticos para o seu corpo.

“O perigo no uso indiscriminado de medicamentos para uma finalidade estética, é que diversas funções fisiológicas podem ser alteradas e trazer alguma resposta, seja a curto ou longo prazo. Mesmo aqueles de uso tópico, como pomadas, cremes e géis, precisam de um acompanhamento, pois podem causar algum dano inesperado, ou até mesmo ter o seu efeito inativado com o uso de outro produto, gerando uma ineficácia do tratamento”, explica o farmacêutico e docente da Faculdade IDE (Instituto de Desenvolvimento Educacional), Diego Guedes. 

Um exemplo de comprimido usado da forma errada e perigosa é o laxante, “sob a falsa perspectiva de emagrecer, uma vez que diminui o tempo do alimento em contato com o intestino, impossibilitando, assim, a absorção da carga calórica do alimento. Contudo, os nutrientes necessários à manutenção das nossas funções fisiológicas também não são absorvidos, levando muitas vezes o paciente a um quadro de desnutrição severa e o surgimento de condições clínicas decorrentes da falta de vitaminas e minerais”, esclarece o profissional de farmácia. 

Diego explica ainda que existem medicamentos que podem trazer efeitos colaterais clinicamente úteis, mas que precisam de prescrição e acompanhamento profissional para que os benefícios sejam justiçados e o paciente não corra nenhum tipo de risco. Usar qualquer tipo de fármaco sem que se tenha orientação de um médico ou do próprio farmacêutico pode ser perigoso para o organismo e os efeitos podem ser colhidos ao longo do tempo. 

Mas o que faz alguém tentar se automedicar para fins estéticos?

Existe uma pressão na sociedade que faz com que as pessoas busquem pelo corpo considerado perfeito e achem que para serem aceitas precisam se enquadrar nesse modelo. O resultado disso pode fazer com que algumas pessoas busquem no medicamento um auxílio para chegar a esse objetivo.

“Pessoas que podem, ao longo da sua formação como sujeito, ter alguma dificuldade com a sua autoimagem, autoestima, reconhecimento de si, do seu corpo e da personalidade junto com a ideia de que ‘para eu ser reconhecido eu preciso ter as coisas e ter um corpo nos padrões de beleza’ podem, sim, recorrer à automedicação”, explica o psicólogo Paulo Aguiar. 

Quando a prática acaba dando errado, isso pode influenciar psicologicamente. Segundo Paulo, se uma pessoa adoece por conta da automedicação surgem sentimentos de tristeza, culpa e o sofrimento pelo problema de saúde, fazendo com que a pessoa tenha consequências negativas que afetam a sua forma de estar no mundo e pensar. 

“O que é mais importante é a gente pensar na perspectiva anterior. O que é que levou o sujeito a se automedicar por conta de uma exigência estética? Essa é a grande questão para que possamos construir intervenções e eu penso que há uma relação muito grande com o modelo de sociedade que a gente escolheu, onde a lógica capitalista que nos leva a ter uma exacerbação do ter, isso afeta nosso corpo e nosso psiquismo, e leva as pessoas a encontrarem um padrão estético que pode acarretar grandes consequências em busca desse padrão”, explica o profissional de psicologia. 

A vida social de uma pessoa que sofreu consequências negativas ao procurar no fármaco a solução para ter o corpo dos sonhos pode ser afetada, pois para Paulo essa prática é justamente para tentar ser aceito e reconhecido socialmente. “É importante proporcionar para as pessoas, desde a infância, a ideia de que cada um é como é, que elas vão se constituindo enquanto sujeito ao longo da vida, e de que obedecer a padrões estéticos nem sempre é importante, porque todos nós somos diferentes. Essa pressão estética vai nos tornar indiferenciáveis e essa é que é a grande história, pois ninguém é igual a ninguém e a grande questão da vida é justamente a gente poder olhar para o outro, ver a diferença e se reconhecer a partir dessas diferenças”, atenta. 

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