O Renascimento do Pensamento Científico

ESCRITA POR: CAIO SIQUEIRA

O ano de 2020 marca o encerramento da segunda década do século XXI, mas o que, de fato, o deixará para sempre marcado nas páginas dos livros de história será a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), cujo o epicentro inicial foi a cidade de Wuhan, na China.

Devido ao seu alto grau de contágio, outros pacientes com o vírus (Sars-CoV-2) foram encontrados em mais alguns países asiáticos, até que em questão de semanas já haviam pessoas contaminadas em todos os continentes. No dia 11 de Março, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, declarou que a Covid-19 já se configurava como uma pandemia. 

Com o cenário montado e as peças se movimentando pelo tabuleiro, todas as esperanças da humanidade se voltaram para a ciência, nossa melhor ferramenta para enfrentar o que está diante de nós: uma partida mortal pela sobrevivência dos seres humanos contra o novo coronavírus. 

De acordo com o overhoster do Scicast, Fernando Malta, a pandemia da Covid-19, um dos maiores desafios globais que já enfrentamos (e o maior da nossa geração), está demonstrando claramente a importância da ciência.

“Achismos e dogmas são imediatamente confrontados pela realidade dos fatos e dos dados, separando o joio do trigo, os sofistas daqueles que, de fato, se guiam por evidências e métodos para suas conclusões e políticas públicas”, explica, acrescentando que é notável a recuperação de parte da credibilidade científica em um cenário em que a mesma vinha sendo constantemente contestada por ideologias políticas. 

“É emblemático porque, dentre outras coisas, a ciência se aproximou da população com respostas – não absolutas, pois senão não é ciência – sobre o espalhamento da doença, a necessidade de higienização, e a produção de curas ou vacinas”.

Esse cenário apontado por Malta seria impensável há cerca de um ano, época em que a organização britânica Wellcome Trust divulgou um estudo realizado pelo Instituto Gallup em 144 países, incluindo o Brasil, no qual foram feitas perguntas sobre ciência e tecnologia. 

Os dados da pesquisa apontaram que 73% dos brasileiros desconfiam da ciência, e que cerca de 23% considera que o que é produzido pela ciência não contribui muito como desenvolvimento socioeconômico do país. Em âmbito global, foi constatado que 72% das pessoas confiam nos cientistas.

Tais informações vão ao encontro e ilustram um cenário que vem ocorrendo no Brasil e em outros países ao longo dos últimos anos, uma crescente onda de ataques ao pensamento científico, que resultaram no aumento da descrença da sociedade para com a ciência, e no surgimento de grupos anticiência. Como é o caso dos terraplanistas, dos antivacinas e dos negadores do aquecimento global.

“O movimento antivacina resulta no aumento de doenças que antigamente estavam erradicadas, e que agora estão voltando com força total. Além ter a questão das pessoas naturalistas que não vacinam seus filhos”, diz a supervisora de enfermagem do Hospital Santa Virgínia, Eliana Constantino Souto Siqueira.

Nos últimos anos temos presenciado o reaparecimento de doenças já erradicadas, como os surtos de sarampo e febre amarela urbana, além da preocupação com um possível retorno de casos de poliomielite no Brasil.

Eliana alerta que a volta dessas doenças somada com a pandemia poderá saturar o sistema de saúde rapidamente. “Nós estamos vivendo um momento de pandemia no hospital, e se pararmos para pensar, atualmente o nosso sistema de saúde não comporta uma demanda muito grande, pois, principalmente a saúde pública, possui muitas carências que o governo não supre”.

Outro ponto destacado pela supervisora de enfermagem foi em relação ao preparo emocional necessário para enfrentar esse cenário pandêmico. “Nós, profissionais da saúde, precisamos estar com o psicológico muito bom, porque o medo e a insegurança chegam”, declara, acrescentando que enquanto outras profissões podem funcionar na modalidade home office, os profissionais da saúde precisam estar na linha de frente dessa batalha.

“Nós buscamos alertar a população, pois a situação é muito crítica, e ainda nem chegamos no pico. Os profissionais estão adoecendo, e a demanda não para de crescer, os hospitais vão entrar em colapso, não só a rede pública, mas também a rede privada”, adverte.

Pesquisa no Brasil

Os registros históricos expõem uma dura realidade sobre a nossa nação: é difícil fazer ciência no Brasil. Podemos pegar alguns casos de brasileiros brilhantes que não conseguiram dar prosseguimento em seus experimentos por falta de apoio popular e governamental. 

No livro “Padre Landell de Moura – Um Herói sem Glória” o jornalista Hamilton Almeida apresenta a história de um dos maiores cientistas nascidos em solo brasileiro, mas que devido à falta de incentivo do governo da época para dar prosseguimento aos seus estudos, acabou caindo no esquecimento coletivo.

No final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1893 e 1894, Padre Landell desenvolveu estudos e experimentos avançados sobre o que posteriormente ficaria conhecido como o rádio.  Mais avançados, inclusive, que os de Guglielmo Marconi, que mais tarde foi agraciado com o Prêmio Nobel da Física pela invenção do rádio. A premiação ocorreu em 1909.

Ao avançar algumas décadas, percebemos que a situação não melhorou muito, visto que desde o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), os cortes de verba nas agências financiadoras de pesquisa se tornaram cada vez mais rotineiros. Dessa forma, eles continuaram acontecendo durante o período de Michel Temer (MDB) na presidência, e se intensificaram desde a chegada de Jair Bolsonaro (sem partido).

Para a bacharelanda em Ciências Biológicas, Mayara Amaro, o atual cenário brasileiro em relação às perspectivas de mercado para estudantes de ciência são bem precárias.

“As alternativas são entrar em pesquisas por meio de iniciação científica ou voluntários, sendo a maioria não remunerado e em polos de difícil acesso. Ou você tem todos os fatores de destaque, ou se submete a correr atrás de pouco pra ter o mínimo que é uma experiência”, avalia a estudante.

Mayara conta como foi o processo de tomada de decisão para buscar uma graduação no meio científico. “Sempre tive uma paixão por ciência, que aumentou durante a escola. Fiz pesquisas sobre universidades e estudos recentes, tive um pouco de receio de entrar direto nessa área, porque o mercado não é dos melhores”.

Segundo a engenheira química com pós-doutorado em Oniris/INRA (França), Dra. Bianca Chieregato Maniglia, é importante ressaltar que dentro do próprio Brasil já existem grandes diferenças entre os Estados.

“São Paulo conta com órgão de fomento que investe fortemente e ativamente em pesquisas de excelência. Os demais estados até possuem agências similares, mas com grande diferença financeira de ação”, adverte Bianca, que complementa dizendo que os órgãos de fomento a nível nacional não tem praticado o ajuste dos valores das bolsas ao longo dos anos, se tornando, assim, defasados.

Bianca relata que durante o seu período de pós-doutorado na França percebeu uma maior admiração da população com as pesquisas, que na sua opinião está atrelada à maior divulgação e abertura desses projetos para o público. “Muitas pesquisas da academia estão vinculadas com indústrias grandes e pequenas. Portanto, a sociedade vê com clareza o que está sendo desenvolvido e o quanto isso traz um retorno para a vida do cidadão”, diz.

Tais informações vão de encontro ao pensamento de Fernando Malta a respeito da divulgação científica no Brasil. “A vida do homem urbano, hoje, em qualquer lugar do mundo, é pautada no progresso científico, ainda que a população não entenda isso, e esse, pra mim, é o problema”, expressa Malta, concluindo que nos acostumamos com a ciência e seus progressos sem ter a real noção de como ela funciona, como se fosse magia.

“O ponto principal é explicar a ciência e aproximá-la da população. Mostrar não a ciência como algo inatingível, mas como algo fabuloso, espetacular, que, de fato, te permite entender o mundo e as coisas que te rodeiam”, propõe.

Ciências Humanas 

Quando falamos sobre ciência, pesquisa ou método científico, uma grande parte das pessoas associa esse assunto apenas aos estudos em biologia, medicina, matemática, física, engenharia, química, entre outros. E acabam esquecendo do papel das ciências humanas na sociedade.

Esse imaginário coletivo fica bem exemplificado quando analisamos a fala do até então ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante a sua visita de apoio aos manifestantes a favor do presidente Bolsonaro, no dia 14 de junho. “Eu, como brasileiro, eu quero ter mais médico, mas enfermeiro, mais engenheiro, mais dentista. Eu não quero mais sociólogo, antropólogo, não quero mais filósofo com o meu dinheiro”, diz o ex-ministro, em vídeo publicado no Twitter.

O professor universitário doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Therence Santiago, explica que para entender a situação na qual as ciências humanas se encontram é necessário fazer um mergulho histórico.

“A mãe de toda a ciência é a filosofia, e o inaugurador da ciência de fato, de maneira mais criteriosa e organizada, foi Aristóteles. Ele acreditava que da filosofia deveriam emergir outras formas de se pensar a vida, por isso cada ciência deveria ter os seus respectivos métodos”, desenvolve Santiago, complementando que com o passar dos séculos, no período pós Idade Média e início da Idade Moderna, surgem duas levas de pensadores: os matemáticos, físicos e químicos; e os políticos e sociais.

Certamente, em algum momento da sua vida escolar, alguém te perguntou se você era da área das exatas ou da área das humanas. É muito comum nos depararmos com esse tipo de distinção, mas vale lembrar que mesmo esses pensadores matemáticos e políticos, tinham inclinações para várias áreas do pensamento científico, e a única diferença entre eles é a metodologia utilizada por cada área. 

Por isso Aristóteles propôs que cada ciência tivesse uma metodologia própria, pois seria injusto julgar a qualidade de um livro pela geometria das palavras ou construir uma cadeira pensando apenas na sua beleza, e esquecendo de fatores relacionados à sua estrutura e sustentação.

“Com o advento da Revolução Industrial no século XIX, se inicia uma busca muito mais intensa pela técnica e pela mecânica. É nesse momento em que a filosofia começa a perder campo na universidade, configurando em uma troca de mentalidade acadêmica, portanto, científica”, esclarece o professor.

Por fim, o Dr. Therence Santiago, conclui que a relação da sociedade com o tempo passa a mudar. “O mundo começa a acelerar, o tempo físico ainda é o mesmo, mas a relação que se tem com o tempo é outra. Os modos de ser do capital aceleram os padrões de se viver na sociedade”.

Motivos para esperança?!

Todo ano, desde a sua criação em 1927, uma pessoa recebe o reconhecimento de Personalidade do Ano pela revista norte-americana Time. Em 2019, a ativista ambiental, Greta Thunberg, recebeu tal honraria, inclusive, se tornando a pessoa mais jovem a conseguir esse feito.

E, de fato, em 2019 a ativista sueca, que na época tinha 16 anos, chamou a atenção do mundo ao debater assuntos ligados ao meio ambiente e o futuro da humanidade. Ela bateu de frente com líderes e potências globais, os alertando sobre a necessidade de mudanças na relação do homem com a natureza e foi alvo de ataques de alguns desses líderes, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.

O professor universitário doutor em Comunicação e Cultura Midiática, César Belardi, afirma ter um percepção bem interessante sobre a relação da ciência com as próximas gerações. 

“Se chegar um cara falando sobre terra plana, vocês vão jogar no Google, ver que é uma tremenda bobagem e deixar ele falando sozinho. E só vai restar a ele pensar a respeito e mudar de opinião ou se fechar em seu núcleo medonho, pois ninguém o levará a sério”, expõe o professor, destacando que um dos fatores que o leva a ter essa visão sobre as próximas gerações está atrelado à maturidade de acesso e articulação da informação.

No tocante à pandemia da Covid-19, Dr. Belardi ressalta a importância da responsabilidade social e da cooperação. “Recentemente ouvi a frase ‘Vou ficar em casa, porque eu não quero morrer e também não quero matar’. Essa frase é tão simples, mas possui uma força incrível”.

Dado o atual cenário pandêmico, e observando todos os elementos que compõem essa interdependência da sociedade com a ciência, é necessário mais do que nunca pensar nas nossas ações e em suas consequências, pensar tanto quanto Bobby Fischer pensava durante uma partida de xadrez, porque dessa vez é uma questão de vida ou morte.

Deixe uma resposta