Cem mil razões para não esquecer

A ONG Rio de Paz, filiada ao Depto. de Informação Pública da ONU, realizou ato simbólico em 8 de agosto, no Rio de Janeiro, em memória aos 100 mil brasileiros mortos pela pandemia. Foto: ALEXANDRE BRUM/ESTADÃO CONTEÚDO

Foto: ALEXANDRE BRUM/ESTADÃO CONTEÚDO

Por: JOSÉ ANTONIO MARTINS FERREIRA

No dia 8 de agosto o Brasil chegou à marca de 100 mil mortos por Covid. Nem na última grande pandemia que a humanidade enfrentou, a de gripe espanhola (1918 – 1920), que dizimou 50 milhões no mundo e, 35 mil aqui, a tragédia foi tamanha. Nos cinco meses de pandemia em 2020 o desgoverno brasileiro, através de uma gestão consciente do que fez e faz, nesse que é, sem dúvida, o maior desastre sanitário da nossa história, nos levou a superar em três vezes o número de mortos em dois anos de gripe espanhola.

Explicações se somam para demonstrar a tragédia moral e ética emanada por Brasília e irradiada. Nem cem mil explicações são capazes de justificar tamanho despreparo para o poder. Remédios milagrosos surgiram, de cloroquina a gás ozônio no reto para quem já cansou de tomar no reto. As frases de pesar do presidente, inclusive, parecem ter saído de um cataclismo retal. “Isto é uma gripezinha”, “não sou coveiro”, “vamos todos morrer um dia”, “e daí? ”, “cobre do seu governador”, “não precisa entrar em pânico”, “a vida tem que continuar”. 

Me parece que todo o desastre se resume a poder. Diferente de outros países que fizeram quarentenas decentes, testes em massa e até lockdown, aqui, como nos Estados Unidos, a pandemia foi vista com os olhos na disputa pelo poder. Na terra do Trump, a economia em declínio ruiu as bases de sustentação de sua campanha à reeleição, que eram calçadas no bom desempenho econômico dos últimos anos. Isto criou uma equação sem solução imediata, porque, como resolver uma catástrofe com características de longo prazo com uma eleição logo ali? Nisto, lá se vão mais de 160 mil americanos. 

Aqui, as análises políticas ficaram presas às inovações desastrosas dos governantes. Abre ali, fecha aqui. Quarentena com maioria nas ruas, lockdown e feira livre. Inovações, que de tão inovadoras, nenhum outro país aderiu. No Estado de São Paulo há um arco-íris para distinguir os estágios da doença nas regiões administrativas, como se fosse um país que fechou as fronteiras. 

Na verdade, se fez de tudo para mascarar a prática genocida da imunização de rebanho ante um vírus desconhecido, altamente contagioso e letal.

A história brasileira não vai sofrer com a borracha dos donos do poder. Os equívocos deles nesta pandemia serão lembrados. Além da inoperância peculiar que norteia políticos e a máquina pública, esse ano tem eleições municipais. Elas são de suma importância para aplainar o caminho para as próximas eleições gerais.

A ânsia pelo poder é, sim, a principal raiz do atual descalabro promovido pela classe política que tem como saldo 100 mil mortos. Ainda que tenhamos visto um ou outro vislumbre de boa gestão na pandemia, todas ruíram diante do horizonte das eleições. O imediatismo cega. Salvar vidas? Até a página dois. Será que precisamos salvar tantos já que o povo sofre de lapsos de memória? 

Enfim, cem mil razões para não esquecermos do real caráter da nossa classe política.

Nota da redação: Até sexta-feira (14), já eram mais de 105 mil pessoas mortas por Covid-19 no Brasil. As razões para não esquecer só aumentam.

José Antonio é graduado em Ciências Sociais pela Unesp, e pós-graduado em Jornalismo e em Cinema e Direção.

Foto: A ONG Rio de Paz, filiada ao Depto. de Informação Pública da ONU, realizou ato simbólico em 8 de agosto, no Rio de Janeiro, em memória aos 100 mil brasileiros mortos pela pandemia.

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