Douglas Matricarde
Não que antes vivíamos num paraíso, mas o Golpe de 1964 promoveu um período de falso progresso, censura e muita repressão no Brasil, tendo como principais alvos os LGBTs, além de estudantes, artistas, negros, militantes e pensadores que eram frequentemente associados à vadiagem e malandragem. As perseguições feitas aos que se opunham ou aos que não faziam parte do padrão estabelecido foram incalculáveis e deixaram resquícios no país até os dias de hoje. Em 1987, instaurou-se em São Paulo uma operação policial que pretendia localizar e prender travestis que se prostituíam nas ruas da cidade. Essa caça às bruxas moderna ficou conhecida por Operação Tarântula e – apesar de ter sido suspensa pouco tempo depois – vários relatos de travestis sendo assassinadas “misteriosamente” a tiros continuam sem explicação até hoje.
Quando o HIV explodiu no mundo nas décadas de 1970 e 1980, ele logo foi ligado a população LGBT, sobretudo aos homens gays. Muito se discutia sobre o vírus, inclusive sobre ele ser exclusivamente relacionado ao ato sexual entre dois homens, o que gerou uma nova onda de fobia contra homossexuais. O grande número de perdas enfraqueceu movimentos de gênero no mundo todo, porém uma centelha de vitória foi conquistada no dia 17 de maio de 1990 quando a Organização Mundial da Saúde retirou oficialmente o termo Homossexualismo da lista de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, perdendo o sufixo -ismo, se tornando homossexualidade (um traço de personalidade), como sempre deveria ter sido. Esse vento histórico é o motivo do dia de hoje ser internacionalmente reconhecido como o Dia Contra a Homofobia abrangendo não só aos gays, mas a todos e todas que pertencem à sigla LGBTQIA+.
Por mais que isso possa parecer um motivo para se aliviar, um incômodo é necessário. A população LGBT não está equiparada à população heterossexual, assim como os negros não estão com os brancos e as mulheres não estão com os homens. Ainda hoje, 70 países consideram relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo, crime, sendo que 6 deles, têm como punição a pena de morte. Mulheres lésbicas continuam sofrendo “estupros corretivos” numa tentativa bárbara de reverter sua orientação sexual. Na Chechênia, relatos de perseguição e tortura contra LGBTs crescem anualmente. No Brasil, as travestis sofrem uma exclusão do mercado de trabalho que chega aos 90% e sua expectativa de vida é de 35 anos de idade, pois sim, mesmo com números subjugados, somos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.
Para além de todas essas atrocidades sócio-político-culturais, precisamos ter uma atenção redobrada com nós mesmos e policiar nossos preconceitos internos na tentativa de desconstruir não só LGBTfobias estruturais, mas também racismos e misoginias cotidianas. A educação, formal ou informal, talvez seja uma das únicas saídas para que esses números alarmantes diminuam. A Educação interage, conversa, escuta e vota melhor. Ainda nos dias de hoje algumas siglas apagam outras e, mesmo que nem todos sejam militantes, todos tem a obrigação de respeitar, ainda que sem compreender. Nunca teremos uma revolução social enquanto não tivermos uma equivalência racial e de gênero e isso nos mostra que a luta deve ser cotidiana e para muito além do 17 de maio.
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