Entrevista de: Marcos Pitta
Inclusão, tá ai uma palavra com significado importante e que, atualmente, é raro encontrar quem preza pela sua significância no contexto social. Mais que prezar, é preciso falar sobre isso, mostrar sua necessidade.
Empatia. Se colocar no lugar do outro, não ser egoísta e não pensar que seus problemas são únicos. Nesta entrevista, Márcia Moreno como é conhecida preza, e muito, por essas duas palavras. Aos 59 anos, ela é formada em Direito, teve uma infância um tanto curiosa e, sentindo às necessidades e a escassez da informação para a terceira idade, criou um canal no YouTube e nele, resolveu falar sobre este assunto e todo tipo de inclusão.
Márcia é mais do que ela mesma, é a margem da sociedade sendo representada e ouvida. Márcia é alegria, é vitalidade, é companheira, mulher, negra, mãe, youtuber e como o mundo para ela não tem fim e nem limites, ingressou na faculdade de Produção Audiovisual, vai ganhar mais um canudo de ensino superior completo. Quer mais? Tem! Fica de olho na entrevista abaixo.
ComTempo – Onde e quando você nasceu?
Marcia Moreno – Meu nome é Márcia Emília de Souza, mas, sou conhecida pelo nome artístico: Márcia Moreno, sobrenome que meu falecido avô materno trouxe de Múrcia – Espanha. Nasci em Campinas, interior de São Paulo, em 20/10/1960, numa noite quente de primavera e, se não fosse pra causar, eu nem teria vindo a este mundo de meu Deus!
ComTempo – Como foi sua infância?
Márcia – Nasci branquinha da Silva, com cabelos muito claros e sobrancelhas que pareciam fios de algodão. Meu pai, Paulo de Souza, descendente de africanos, ficou cabreiro, mas, foi às Lojas Riachuelo no Centro de Campinas e comprou-me um monte de roupas de bolinhas e eu fui ficando parecida com ele. Posso estar enganada, mas, acho que fui a filha que mais teve a ver com meu pai. Eu e meus irmãos nascemos e crescemos longe dos parentes, por isso, adotamos parentes por afinidade e ganhamos a maravilhosa avó Ana Araújo.
Algumas crianças riam dos meus cabelos, mas, a professora do Primário, Dona Ana Luíza elogiava os imensos laços brancos de fita de seda que minha mãe colocava do lado esquerdo das minhas têmporas. As tiaras coloridas, compradas na feira de domingo, eram cheias de flores (risos).
Minha infância foi muito feliz, cheia de amigos e de brincadeiras na rua. Brincávamos de Pega-Pega, de Esconde-Esconde, de bolinhas de gude… Confeccionávamos nossos brinquedos, roupas para as bonecas, pipas coloridas e as capuxetas de jornal. Inventávamos brincadeiras e nunca brincávamos.
Apenas uma família da vizinhança tinha telefone e, uma outra, tinha televisor. Aos sábados íamos à casa do Seu Zé Comprido assistir algum programa de música, o sucesso era a Jovem Guarda e eu acreditava que me casaria com algum cantor (risos).
ComTempo – Onde você estudou?
Márcia – Cursei o primário, ginásio e colégio em Campinas, naquele tempo, a escola estadual era conceituada. Fiz muitos amigos. Sempre me destaquei como uma aluna exemplar. Gosto de estudar até hoje. Fiz amizades que ainda preservo.
ComTempo – E sua formação acadêmica, como foi?
Márcia – Sonhei em cursar Odontologia, depois pensei em Fonoaudiologia, pois tinha um custo menor, no entanto, ambas não condiziam com meus padrões econômicos. Já casada e com dois filhos pequenos, optei pela graduação no curso de Direito e, para concretizar meu desejo precisava de um salário melhor. Prestei concurso público federal e fui empossada em 1988.
No ano seguinte, foi detectado um tumor na minha supra-renal. Passei por uma cirurgia muito invasiva e, a partir daquele fato, decidi que não podia esperar mais para fazer a sonhada faculdade. Em 1991 ingressei na graduação de Direito na cidade de Bragança Paulista-SP. O curso era de 4 anos. Formei-me em 1994.
ComTempo – Você tem filhos?
Márcia – Tenho dois filhos maravilhosos. Amo ser mãe. Tenho dois gatos e uma gata e eles também são meus filhos. O papel de mãe é o que mais me dá prazer na vida, é o que me dá essência!
ComTempo – Como é seu dia a dia?
Márcia – Cuidar dos filhos, dos gatos e dos amigos me dá prazer. Gosto de estar atenta às necessidades das pessoas, desde que isso não me leve ao fogão. Não gosto de cozinhar. Já gostei, mas, acho que enjoei. Estou aposentada e me dedico ao meu canal no YouTube. Sou bastante ocupada com pesquisas para as pautas.
Tenho formação técnica em Arte Dramática pelo Senac e sempre estou envolvida com algo relacionado ao teatro ou ao cinema, participando e ajudando ou apenas apreciando a arte. Sou artista plástica e, sempre que posso, envolvo-me com telas, tintas, massas e tecidos. Não gosto de trabalhos domésticos. Sou lúdica. (risos).
ComTempo – Você está fazendo uma nova graduação. Por que decidiu entrar na faculdade novamente?
Márcia – Estou cursando a faculdade de Produção Audiovisual na Universidade Barão de Mauá, onde tive a felicidade de conhecer o Marcos Pitta, editor desta revista, que me convidou a falar. A necessidade desse curso deu-se após a criação de meu canal no YouTube que fala sobre Terceira Idade, Idosos e Inclusão Social de maneira geral. O canal chama-se ‘Resolvi Falar’ e sua periodicidade é quinzenal.
ComTempo – Quem lhe ajuda a produzir o canal?
Márcia – O canal nasceu da dor e do medo ao confrontar-me com a velhice do meu amado pai. A doença que não tem cura traz o medo da morte e isso me impulsionou a procurar pessoas que quisessem me ajudar a falar sobre o processo de envelhecimento, mostrando também as alegrias de se viver mais e com qualidade.
Não dou conta de cuidar do meu canal sem a colaboração de outras pessoas. Uma das figuras fundamentais é o videomaker Thiago de Caux, amigo dos palcos e da vida. Ele me dá ideias sobre conteúdos, filma e edita meus vídeos. É um excelente profissional e é imprescindível para que o canal tenha vida, juntamente com os entrevistados. Pessoas me pedem pra falar e outras sugerem temas. Muitas ideias nascem de minhas observações do dia a dia dos idosos.
ComTempo – Como você pensa nas pautas e nos entrevistados para o canal?
Márcia – Como senti na pele as necessidades que meu pai tinha ao se tornar portador da Doença de Alzheimer e também com as tristezas e dificuldades de cuidar dele e de mim durante esse tempo complicado, fui observando as necessidades e, é daí, que surgem os temas para as entrevistas, mas, muita coisa vem de observar o lado bom da velhice. Não quero falar apenas de doenças e de tristezas. Falo sobre namoro, sexualidade e sobre muitas coisas boas.
Muitos dos entrevistados são pessoas indicadas por amigos ou por outros entrevistados que viram amigos ou também pessoas que acabo conhecendo por acaso, em alguma fila ou em alguma palestra. Se a pessoa me conta o que ela faz, eu já tento colocá-la em alguma entrevista. Algumas delas fico conhecendo, de fato, no dia da entrevista, após alguns contatos telefônicos. Eu quase não falo sozinha, busco pares que queiram falar e tem muito mais gente do que eu imaginava.
ComTempo – Qual a importância do canal para os mais velhos e para a sociedade como todo?
Márcia – A população idosa tem aumentado vertiginosamente no mundo todo, graças aos avanços da medicina e do saneamento básico e muitos, inclusive são arrimo de família. Envelhecer, na América Latina, ainda é uma novidade. Minha geração não conviveu com pessoas idosas porque eles não viviam tanto e quando viviam, eram muitas vezes colocados à margem da sociedade.
O canal quer mostrar que o idoso, embora muitas vezes tenham algumas limitações, precisa ser tratado com respeito e precisa ser incluso no dia a dia. As famílias, hoje, têm menos filhos e, em compensação, estão tendo mais idosos. Isso faz com que seja necessário quebrar as paredes que separam as gerações, porque chegará o dia em que haverá apenas um neto para cuidar dos pais e dos quatro avós. Precisamos falar sobre envelhecimento. Não dá mais pra fugir do assunto.
ComTempo – Como eu lido com a tecnologia?
Márcia – Tento me manter por dentro da tecnologia, embora não seja muito fácil. Não gosto muito de ficar perguntando, de incomodar os outros, por isso, estou sempre envolvida em cursos. Tem cursos maravilhosos de todos os tipos. Tendo em vista o conteúdo do meu canal, faço cursos também sobre envelhecimento e já dei duas palestras sobre Sexualidade das Idosas na Terceira Idade.
ComTempo – Você acha que a tecnologia afasta às pessoas?
Márcia – A tecnologia ajuda muito em nosso dia a dia. Ganhamos tempo ao usarmos os aplicativos que estão disponíveis. Chega de pegar filas em bancos ou até mesmo de irmos a mercados. Tudo facilitou nossa vida. O que não podemos permitir é que a tecnologia nos separe dos amigos e da família. Se usarmos com sabedoria, a tecnologia só tem a nos acrescentar. Atualmente, se a pessoa tiver um celular e internet, ela conseguirá saber o que se passa no mundo todo e, muitas vezes, em tempo real. Dá pra conhecer lugares e pessoas. Dá pra viajar sem sair de casa. É uma maravilha! A tecnologia pode unir pessoas, basta saber usá-la.
ComTempo – Você já sofreu algum tipo de preconceito?
Márcia – Por ser mulher, passei por poucos preconceitos, mesmo assim, cada vez que eu conseguia galgar algum degrau, havia alguma insinuação de como eu teria conseguido, tinha sempre alguma pessoa maldosa. Talvez por eu ter conseguido estudar um pouco mais do que é acessível às mulheres negras, passei por menos preconceitos sob alguns aspectos, mas, muitas vezes não sou atendida em lojas ou sou seguida por seguranças ou o vendedor ou a vendedora me indicam o lugar onde está o que procuro sem sequer oferecerem ajuda.
Eu saio da loja, não compro, não volto e conto para meus amigos como é a loja. É no comércio onde mais sinto a discriminação e é muito mais pela minha pele do que pela minha sexualidade. Minha mãe me preparou bem para agir e reagir quando eu fosse vítima de racismo. Durmo com um olho fechado e com o outro aberto e com respostas finas sempre na ponta da língua, mas, com muita classe e elegância!
ComTempo – Qual o segredo para ser ativa e feliz?
Márcia – Tenho uma energia muito boa e sinto isso em minhas veias. Tenho uma inquietação que me leva a fazer muitas coisas e a conhecer pessoas. Cada novidade me energiza e transmitir isso aos outros é muito importante. Tenho filhos maravilhosos, muitos amigos, meus gatos, muita vontade de viver e de ajudar e é isso que me faz feliz.
ComTempo – Márcia Moreno por Márcia Moreno?
Márcia – Generosa e feliz. Principal qualidade é a gratidão. Não tolera ingratidão. Gosta de pessoas que a fazem rir. É muito enérgica com relação a erros. Normalmente é humorada, mas, quando fica azeda…
ComTempo – Para quem se interessou por sua história e por seu canal, quais os meios para lhe encontrar e prestigiarem o Resolvi Falar?
Márcia – O canal no YouTube é: https://www.youtube.com/watch?v=D-V3zAiQiJ8
No facebook: facebook/canalresolvifalar. Me encontram também pelo instagram no @marcia.resolvifalar ou por e-mail: [email protected]
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.