Acolhido pela música

Entrevista de: José Piutti

Aos 24 anos, o sorocabano Khalil Magno Menegolo decolou para a Europa. O motivo? Gravar seu primeiro CD. Influenciado por grandes nomes da música popular brasileira, teve Ale Siqueira como produtor de sua primeira obra – o responsável pelo disco “Do Cóccix Até o Pescoço”, de Elza Soares. Porém, se engana quem pensa que a trajetória foi moleza. Após se encontrar com a música e defini-la como profissão, Khalil fez dela sua arte e não apenas ganha pão. Vagões do metrô, linhas de ônibus, barzinhos e sarais acolheram o jovem, que passou a divulgar o trabalho dele nas redes sociais, onde viralizou. Sobre encontros, dificuldades, alegrias, futuro, contou a ComTempo a sua história.

ComTempo – A música sempre esteve presente na sua vida?

Khalil Magno – Meus pais se conheceram na faculdade. Minha mãe veio do norte para estudar psicologia e meu pai de São Paulo. Eu nasci com eles já formados, atuando como psicólogos. Eles sempre ouviram muito MPB, né? Meu pai ouviu muito rock progressivo, minha mãe já ficou mais na música brasileira mesmo. Então, bebi bastante dessa fonte. Meu pai não era muito tropicalista, era mais da bossa, boarquiano, o que acabou me levando para essa ponte rítmica, com Gil e Gal e todas as coisas que são mais minha cara hoje. Mas nem sempre gostei, viu? Quando criança, dizia que era música de velho. Eu ouvia Furacão 2000, hoje ainda ouço, mas quando criança era só. Agora eu toco tudo o que eu falava que era uma porcaria e que tocava no carro do meu pai.

ComTempo – E como os laços entre vocês se estreitaram?

Khalil – Comecei a tocar violão por influência de tios, que também tocam, lá no Pará. Minha primeira experiência com o violão foi aos 13 anos e minha primeira música veio aos 14, mas a primeira, memorável, aos 16, das antigas que eu posso recuperar, que não são tão divergentes do que eu penso e gosto de tocar em termos de som hoje em dia.

ComTempo – Como foi a decisão de fazer da música sua profissão?

Khalil -Foi aos 16 que eu percebi que era isso o que eu queria fazer mesmo. Foi a primeira vez que eu toquei em um lugar que não na minha casa, ou uma roda numa praça, que foi em um sarau. Percebi que eu não sabia fazer nada além disso e que era isso que me dava prazer e o resto eu não faria de coração. Então, comecei a me encaminhar para levar minha vida profissional nesse sentido.  Comecei a tocar em bares aos 18/19 anos e posso falar que comecei a viver da música quando conheci a arte de rua.

ComTempo – Como você chegou a arte de rua?

Khalil – Em 2015 houve uma ocupação num espaço que, antigamente, servia como um local de vendas de laranjas, repassado para a prefeitura de Sorocaba pela prefeitura de São Paulo, com a condição de fazer um local de arte e cultura para a população. O local foi negligenciado, ficou cheio de mato e ninguém ligava.  Essa ocupação foi feita por artistas, que ocuparam o espaço e fizeram um trabalho que o Estado não fez, como alfabetização para adultos, vários shows de diversos tipos de arte. Lá, uns amigos meus começaram a ter contato com a arte de rua, mas eles eram músicos e pensaram: Puxa, como fazer arte de rua com música em Sorocaba? Vamos para o busão. Depois, me falaram: Puxa Khalil! Dá bom. Bora! Eu comecei a acompanha-los e passei a ver outro valor na arte de rua, além do dinheiro recebido, que é o fato de você ocupar um transporte público, onde muitas pessoas que vivem em uma rotina que não sobra tempo pra nada, muito menos pra cultura, já que ela não está na rotina. Me senti muito mais feliz, o que começou a me incentivar a muitas outras coisas como artista, de postar minhas músicas na internet e isso foi um divisor de águas, às músicas começaram a ter mais repercussão.

ComTempo – Qual foi sua primeira música de sucesso?

Khalil – A primeira música que teve repercussão mesmo foi a ‘Ele não’, na semana eleitoral. Só que fui ameaçado e ela estava viralizando muito rapidamente de forma que me assustou. Não sei nem o que seria da minha vida se não tivesse tirado ela do ar. Alguns outros perfis respostaram, já sem o meu nome, inclusive rolou uma confusão de acharem que era do Caetano Veloso. Chegou nele, ele negou autoria. A segunda música que teve repercussão mesmo e eu pude colher os frutos foi a ‘Quem é Deus?’, justamente a que me levou para um convite para gravar um CD.

ComTempo – Que tipo de ameaças você sofreu?

Khalil -Não acho que seja relevante dizer detalhes, mas recebi uma série de mensagens muito violentas, desejando minha morte, descrevendo coisas bem pesadas. Na rua, um dia, estava tocando Chico Buarque e me arremessaram uma garrafa, mas não entendi que era pra mim e, a garrafa varou, acabou nem me acertando. Mas fiquei assustado. Poxa, estamos lidando com uma coisa perigosa mesmo, pensei. Daí eu tirei ela do ar.

ComTempo –  Como foi o convite para a gravação de um CD em Portugal?

Khalil – Um fotografo e empresário chamado Sérgio Guerra, que é recifense mas mora em Portugal, conheceu minha música e me convidou pra gravar o CD. Ele contratou um produtor maravilhoso, que é o Ale Siqueira, que fez “Do Cóccix Até o Pescoço”, da Elza Soares, já trabalhou com Betânia e Caetano, então obvio que eu aceitei, né? Foi uma correria lascada, porque eu não tinha nem RG, regularizei minhas questões documentais para poder viajar.

ComTempo – Como foi viajar para outro país, gravar seu primeiro álbum?

Khalil -Honestamente, primeiro eu fiquei nervoso pra caramba. Dei uma pirada, fui mega ansioso. No caminho, fiz amizade com uma mulher no avião e não foi uma amizade bobinha, assim, será que chove em Portugal?  A gente conversou sobre coisas bem profundas porque ela tinha acabado de perder o marido com câncer e estava indo pra Portugal por conta disso, para esfriar a cabeça e, assim como eu, estava sem muita grana, havia ganhado a passagem de uma maneira meio louca. Então a gente se identificou demais. Quando cheguei, me senti mais calmo e muito bem durante às gravações, porque eles [Ale Siqueira e o Guerra] são bem malucos e a gente ficou em casa, relaxado, não fiquei tenso não. Ele me dava várias dicas, mas nada foi obrigatório, eram apenas sugestões, eu que batia o martelo final e eles respeitaram muito isso! Foi legal, foi ótimo.

ComTempo – Antes de passar por tudo isso, você abandonou os estudos?

Khalil – Sim. Eu tive um descontentamento muito grande com o método de ensino. Eu acho que ele não avalia a inteligência em si, avalia muito mais sua vontade e de se moldar, engolir sapo e de se sujeitar. Ele é, na verdade, um treino para formar massa de manobra. Falo do ensino público porque é onde estudei. O método é extremamente quadrado, eles não dão atenção para a individualidade dos alunos e é a escola que devia se adequar ao aluno e não ao contrário. É impossível você querer avaliar todo mundo com o mesmo método, as pessoas botam muita fé de que o sistema está certinho, então se você não se adequa a ele, é você que está errado. Na escola eu era visto como o burro, idiota, porque eu só tirava nota ruim, só dormia. Mas não foi só essa questão que me fez largar a escola.

ComTempo – Essa decisão foi significativa? Te trouxe algum prejuízo?

Khalil – O conhecimento que eu busquei, que me trouxe a bagagem que tenho hoje, não foi na escola que eu encontrei. Foi trocando ideia, observando, mas eu acho perigoso esse discurso. Não sei se é uma boa incentivar as pessoas a deixarem a escola. Eu sou uma pessoa que está dentro de recortes sociais de privilégio, talvez se eu fosse uma outra pessoa, esse teria sido um diferencial para me ferrar. Na verdade, no meu caso foi bom porque eu toco, meu trabalho é arte e tem várias questões. Eu não acho que seria a mesma coisa se eu fosse outra pessoa. No meu caso foi muito significativo sim, fez toda diferença.

ComTempo – Quais os planos para o futuro?

Khalil – Meus planos para o futuro são continuar tocando e o resto eu vejo. Eu gosto muito disso e não tem como fugir. Nenhuma outra forma de trabalho acho que me deixa feliz, e nenhuma outra forma eu sei fazer, já tentei trabalhar como vendedor uma vez e foi um desastre. Vou trabalhar com música sim e vamos ver o que vai ser depois do lançamento do CD, que deve sair no começo de 2020.

ComTempo – Qual dica você dá para quem quer viver do potencial que possui?

Khalil – Seja você. Embora isso pareça clichê, é a máxima de um conselho bom em qualquer sentido. Ser fiel na sua essência, deixar as coisas fluírem e acontecerem, não colocar a mente antes do coração, porque a arte é uma coisa espiritual e é muito fácil ela virar algo quadrado, mecânico, é muito fácil a vaidade contaminar, é muito fácil até nossas pretensões contaminarem. Na hora de fazer arte, seja artista mesmo. Faça de maneira espiritual, como se você fosse um canal de algo que nem é seu entendeu? E tentar conciliar isso com o extremo oposto disso, que é tenta vender. Então é muito difícil, mas… é isso.  É não deixar que uma coisa mate a outra. É conseguir ser artista e viver bem sem se corromper.

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