Em Minas Gerais, com quase 10 anos de existência, a Tenda de Umbanda Oriental Senhores de Aruanda é um dos terreiros que representam a tradição da Umbanda Esotérica no país.
Por: Caio Barroso
Umbanda. Uma marca importante da cultura religiosa brasileira. Em 1980, o número de adeptos correspondia a cerca de 0,6%, segundo pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas); dados que caíram ao longo dos anos e, por último, corresponde a 0,3% dos brasileiros.
Tão diversa quanto os seus fiéis, a fé e a vontade mantêm viva uma tradição antiguíssima que foi iniciada pelo médium Zélio Fernandino de Morais, em 15 de novembro de 1908, guiado pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas; e hoje abarca diferentes formas de manifestações que utilizam de conhecimentos de diferentes povos para a realização de rituais. É sobre uma destas raízes que vou retratar nesta reportagem: a Umbanda Esotérica.
Em junho, tive a oportunidade de registrar uma gira que aconteceu na Tenda de Umbanda Oriental Senhores de Aruanda (TUOSA), que no ano que vem completa 10 anos de trabalho de assistência espiritual e social, no município de Esmeraldas, região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
19 de junho de 2021, Esmeraldas – Minas Gerais
“Lá no cruzeiro das almas, há uma cruz de guiné, quem lhe deu esse direito, foi a lei de Michael”. Assim começa uma gira na Tenda de Umbanda Oriental Senhores de Aruanda, após o Sacerdote (Pai-de-Santé) Alcides Silva tocar a sineta, e os médiuns da corrente se posicionarem de frente para o Congá.
Este ponto é como um mantra, uma oração ensinada por guias espirituais há muitos anos, uma música que sutiliza as energias do ambiente, e que eleva o estado de concentração de quem escuta.
Não há atabaques na Umbanda Esotérica; os pontos são verdadeiras preces cantadas que expressam a fé, a mística, a magia da ritualística umbandista.
O espaço, onde acontecem os rituais, é forrado de areia de rio e resgata um ensinamento antigo trazido pelo precursor da Umbanda Esotérica no Brasil, Matta e Silva, o Mestre Yapacani, que utilizava em sua tenda areia da praia. Perguntei ao Pai-de-Santé Alcides o porquê do uso desses (e de outros) elementos naturais nos rituais e ele explicou que estamos mergulhados no planeta que é a própria natureza em si. “Perdemos a conexão com nossos irmãos que habitam os outros reinos da natureza e como já dissemos anteriormente, que a Umbanda vem reviver antigos ensinamentos, isto inclui a capacidade de intercâmbio e reconexão com a natureza da qual fazemos parte”.
O resgate a que Pai Alcides se refere são os ensinos antigos do Aumbandam, que representam o “Conjunto das Leis de Deus”. “Os fundamentos da Umbanda Esotérica foram trazidos a nós pela entidade que se denominou Pai Guiné da Angola através do seu medianeiro W. W. da Matta e Silva que escreveu nove obras, as quais acreditamos, certamente, estarem longe de serem assimilados em sua totalidade pela nossa era atual”.
A gira segue seu ritual com a defumação. Alcides se volta para o Congá e, com as mãos erguidas, entoa um ponto que se acredita ter a força de reunir os elementos naturais e entidades capazes de realizar a limpeza energética. “Determinados elementos fixam e emitem energias, outros neutralizam, como também há outros que dinamizam”, explica ele.
E, neste momento, foi possível ver o sacerdote pegar de uma lata uma mistura de ervas para execução do ritual, e por uma questão de respeito aos ensinamentos, alguns abertos apenas para os membros do terreiro, não me foi permitido descrever o que é.
O momento impressiona. Pai Alcides iniciou o cântico e, num dado momento, estala seus dedos autorizando que o restante do grupo o acompanhe cantando, e logo em seguida o punhado de ervas secas na mão é jogado no braseiro de barro, transformando-se em uma fumaça densa e de aroma intenso. Acontece de uma maneira tão cadenciada que é perceptível a organização e a sutileza daquele ritual.
A Umbanda Esotérica é a parte interna iniciática. E numa reflexão, Alcides diz que ela “propõe-se a ressurgir, a reativar no Brasil a verdadeira ciência teurgica (espécie de magia fundada em relação com os espíritos celestes). Aquela que seleciona valores, seleciona mediunidade, que realmente ensina os mistérios e as práticas da Kabalah ario-egípcia”.
E após a limpeza dos médiuns pela defumação, foi a vez de passar pela areia as mulheres e os homens que foram em busca do auxílio espiritual. E assim finalizou a primeira parte da gira. Que seguiu com uma nova preleção de Pai Alcides.
Neste momento ele se ocupou em explicar um outro rito de limpeza que todos passariam, e que tinha como fundamento evocar as entidades de guarda do terreiro: os Exús e Pombas Giras.
“A palavra Exú era assim fonetizada pelos africanos que aqui chegaram, mas essa palavra tem a sua origem no Abanheenga, a língua falada pelos homens da Raça Vermelha e a fonetizavam como Essuiá, que significa guardião ou, num sentido mais profundo, O Guardião do Lado Oposto”. Estas entidades espirituais são marginalizadas pelo senso popular e, por este motivo, é de costume na TUO Senhores de Aruanda explicar qual a real natureza do trabalho que elas realizam. O objetivo é desmistificar e mostrar que são “espíritos que, quando requisitados, apenas executam as leis Divinas”, explica Alcides.
Mas neste rito, chamado de Ponto de Fogo, apenas o sacerdote atua, sem que ele ou outros médiuns estejam incorporados por estas entidades. Munido de alguns elementos, ele realiza o trabalho que tem o objetivo de fazer uma limpeza de forma mais intensa, ou como Alcides explicou, “acontece a retirada dos cascões energéticos (energias densas) presentes no nosso corpo”.
Finalizado este ritual, a gira seguiu para os atendimentos.
“A fumaça do cachimbo do vovô, cruza no ar só não vê quem não quer”
Neste dia foi gira de pretos-velhos, entidades que têm como função mais direta, preservar a integridade mágico-vibratória do planeta e dos seus habitantes, das hordas do submundo astral e de seus ataques.
Numa ponta o sacerdote com mão encostada no Congá e na outra ponta a sacerdotisa. É chegada a hora de evocar os pretos-velhos e pretas-velhas para os trabalhos da noite. E sob a melodia do ponto “vem de tão longe de Aruanda, do além-mar”, a entidade que atua por intermédio de Pai Alcides, o Pai Arruda, chega e permite a chegada dos demais guias.
De forma muito tranquila os velhinhos se manifestam e, calmamente, acendem seus cachimbos e cigarros de palha. Estas entidades (e outras também) não utilizam o fumo para suprir seus vícios e nem para que alimente vícios nos médiuns. O fumo possui propriedades que, combinado com outros elementos da ritualística, permitem a limpeza espiritual, entre outras funções, que não é possível revelar aqui.
Nesta oportunidade também passei por um atendimento, com o objetivo de reequilibrar minha mente e pedir auxílio no desenvolvimento de alguns projetos. E aqui dou o meu testemunho sobre como me senti mais leve após conversar com Vô Congo, entidade que, dentre outras, atua naquele terreiro.
Há quem não acredite, mas no mínimo as palavras tiveram força em mim e me deram mais ânimo para seguir em frente. “Toma essa vela e acende na hora que as coisas estiverem mais difíceis”, disse Vô Congo ao final do atendimento, após segurar com força uma velinha branca e fazer parecer que aquele objeto seria meu meio de me ligar direto com ele.
Enquanto os atendimentos aconteciam, pontos eram cantados pelos filhos que não estavam incorporados. Disseram que neste momento os pontos auxiliam a sustentar os tratamentos que estão sendo realizados.
Foi rápido. Devido a pandemia, o número de atendimentos foi drasticamente reduzido, mas foi o suficiente para que os trabalhos acontecessem.
“Corre gira que Exú chegou”
Finalizados os atendimentos com os pretos-velhos, os trabalhos finalizaram com um rito direcionado aos guardiões: Exús e Pombas Giras.
Estas entidades, conforme é pregado, são serventia de caboclos, pretos-velhos e crianças e, ao contrário do que muitos podem acreditar, não fazem mal. Não faria sentido que viessem ao Terreiro para fazerem o mal depois que entidades como pretos-velhos, caboclos e crianças fizeram o bem.
Pai Alcides explicou que nem sempre os guardiões baixam no terreiro e que, desta vez, apenas realizariam um ritual para finalizar os trabalhos. “Quando é necessário eles se fazem presentes, atuando pela mediunidade dos médiuns e realizam os atendimentos”, disse Alcides.
Chegando ao fim da gira, novamente os médiuns se voltam para o Congá e, de joelhos, escutam o sacerdote realizar uma oração final agradecendo pelas bençãos recebidas naquela noite. E encerram cantando o ponto “Adeus Umbanda, adeus terreiro, vamos com Deus e Ogum guerreiro”.
Ao pesquisar e fazer este recorte sobre a Umbanda Esotérica, vi que ainda há muitos personagens importantes – filhos, frequentadores e praticantes de outros terreiros -, que vivem pela Umbanda, mas que não têm voz para compartilhar suas experiências. E aqui, humildemente, além de jornalista, mas também como Sacerdote da Tenda de Umbanda Oriental Senhores das Matas que também sou, abrimos um pequeno espaço para quem puder e quiser compartilhar seus saberes.
Axé!
Que bacana a reportagem ! Estou compartilhando com meus alunos!
Quero participar de uma.sessao