Escrito por: Marcos Pitta e Gabriela Brack
Foi há mais de duzentos anos que nasceu, no Brasil, a imprensa. Só para contextualizar essa primeira fase, a colônia portuguesa que aqui vivia ingressou na era Gutenberg a partir de 1808, quando aconteceu a instalação da Impressão Régia. Esse marco foi em maio daquele ano e, quatro meses depois, a coroa resolveu publicar o primeiro jornal da América Portuguesa que levava o nome de Gazeta do Rio de Janeiro.
Foi assim que começou a se noticiar, formalmente, por um papel chamado jornal e que resiste até hoje.
Que fique claro que as formas de comunicação não entram nessa discussão, pois sabemos que há milênios o homem consegue interagir com o outro, seja em desenhos, sinais e outras tantas maneiras. A discussão aqui, no entanto, é falar sobre informação e como ela se desenvolve dentro das mídias.
Com o jornalismo impresso começou assim. É possível imaginar que, quando essa inovação aconteceu, a realeza não pensava na modernização desse método de informação e nem sequer imaginavam que séculos depois, qualquer pessoa poderia ter acesso à notícia direto na palma da mão, através de um aparelho chamado celular.
Fato é que, do impresso ao digital, a informação está sempre ali, hoje com distribuições diferentes e uma linguagem mais moldada. Afinal, para cada plataforma se utiliza um método para escrever, o impresso, por exemplo, pede um linguajar mais apurado, culto e, às vezes, requintado. A internet já não cobra isso, é mais ágil e dinâmica. Mas, tudo é conteúdo, tudo é informação.
Quem define bem este conceito é o jornalista Caio Junqueira, que topou a entrevista que abre essa série especial sobre o futuro do jornalismo nas diferentes mídias e, por conta de sua experiência com jornal impresso, bateu um papo com a ComTempo e pontuou bastante sobre tudo estar focado na produção de conteúdo em si, e não necessariamente onde aquela informação será colocada.
Junqueira, atualmente, é âncora do Expresso CNN, do canal pago CNN Brasil, mas antes de assumir este posto, passou por uma revista digital, a Crusoé, e iniciou sua carreira no jornalismo impresso.
Além disso, ele é advogado e a paixão pela comunicação surgiu quando ainda estudava Direito: “Tranquei o curso e fui morar na Inglaterra, e foi neste período que tive uma luz de que minha área era a comunicação social. Voltei e terminei a faculdade, mas já pensando em fazer jornalismo”.
E assim Caio fez. Em seguida, ele entrou no mercado de trabalho através do programa de trainee da Folha de São Paulo: “Comecei direto no impresso mesmo. Através do trainee, você vai pingando dentro da Folha, em diversos setores. Eu, por exemplo, passei pela Folha Online e, em 2005 mergulhei mesmo no universo impresso, quando fui para o Valor Econômico”, conta.
O cotidiano de quem trabalha com jornalismo é árduo e, não é diferente com o impresso. Caio explica, durante a entrevista, que existem muitas rotinas para o profissional desta área e que ele mesmo experimentou diversas: “Quando eu era repórter de impresso, no começo, atuava com política em São Paulo, fazia mais reportagens especiais, tinha muito mais tempo para apurar e escrever. Não era o contato direto com o hard news. Em 2010 fui transferido para Brasília e, a partir daí, comecei a cobrir o Congresso Nacional. Entrei em outra fase, mais pautada pelo hard news, eu era setorista da Câmara dos Deputados pelo Valor Econômico”.
Junqueira conta que, nesta época, chegava todo dia pela manhã na Câmara e procurava sempre seguir a agenda que existia lá, pois nesses casos específicos existe uma rotina padrão: “Eu tentava, no entanto, cobrir temas fora daquele ambiente, mas que fossem assuntos correlatos. Então, vira e mexe, eu cobria reuniões de partidos e Palácio do Planalto, por exemplo, mas ser repórter em Brasília é isso, você cobre o seu setor e recorrentemente faz outras coisas, às vezes você tem um furo e precisa ir atrás”, explica.
Em outro momento da carreira, mas ainda no impresso, Caio tornou-se chefe de reportagem do Estadão em Brasília, durante o período de 2013 a 2018 e ele classifica essa rotina como outra completamente diferente da que explicou anteriormente: “Neste caso, eu tinha outros repórteres de política, eu agia mais como pauteiro, orientava os demais jornalistas. Eu não estava mais em contato direto com as fontes, não tinha mais contato com a escrita, era muito mais um trabalho de orientador”, diz Junqueira que complementa dizendo ter voltado a atuar como repórter em 2018, quando integrou a equipe da Revista Crusoé: “Ali eu tinha os destaques da semana e ia atrás daquelas notícias. Já hoje, na televisão, eu tenho muita autonomia para escolher os assuntos que eu quero tratar, evidentemente são os assuntos do dia e ninguém me pede isso pela manhã, eu já sei o que preciso fazer”, completa.
Experiências
Esse primeiro episódio não traz a entrevista com Caio Junqueira à toa, ele é um profissional multifacetado, começou no impresso, encarou o digital quando esteve na Crusoé e agora está na CNN que é uma emissora de notícias, onde ele faz televisão e aparece ao vivo para milhares de brasileiros todas as noites. Exatamente por isso, uma das perguntas foi especificamente sobre essa transição de plataformas, e a maneira como ele encara tudo isso é prática: “Tudo no meu trabalho é produção de conteúdo. Se ele vai para a TV, rádio ou impresso, não tem tanta importância na hora de produzir. Claro que muda alguma coisa, mas eu apuro, escrevo e o texto que eu bato é mais ou menos o que eu vou falar na tv, e depois mando para o digital e a adaptação maior que sinto na televisão é um pouco com a linguagem, com o visual, porque eu, como repórter de jornal impresso, não tomava alguns cuidados como estar bem arrumado, estar com o cabelo feito, roupa adequada e etc. Mas, o conteúdo em si, para mim, não muda”.
Como bom jornalista que é, além de informar ele também precisa se munir de informações, e a ComTempo perguntou como isso acontece: “Eu leio jornal todo dia, não saio da cama sem ler. Às vezes leio no dia anterior, quando alguns veículos atualizam suas edições no final da noite. Minha fonte principal de informação são os jornais e alguns sites. O básico são os jornais, e eu não saio da cama sem consumir os principais: Folha, Estadão, Valor e O Globo. O twitter também e, a partir da leitura, vou conversando com as pessoas todos os dias. Eu falo com 10, 15, 20 pessoas por dia, depende muito, e aí vou me abastecendo e quando acontece algum assunto, sei onde tenho que buscar por ele”.
O jornalista conta que às vezes recebe informações que não são para aquele momento específico: “Você não vai usar naquele dia, mas sim daqui uma semana. Acontece também de o profissional receber informações que vão ficar na fase da apuração por um ou dois meses. Documentos sigilosos, por exemplo, às vezes não vão sair no mesmo dia”, exemplifica.
Outra questão que envolve a experiência de Caio com o impresso é o comparativo com a realização de uma entrevista, por exemplo. O jornalista revela que “no impresso consegue-se fazer uma entrevista de uma hora, uma hora e meia. Depois, é possível sentar e escrever com calma, editar e entregar um material mais bem trabalhado. Na TV você vai fazer uma entrevista menor, de 10/15 minutos, às vezes 20, com quatro ou cinco perguntas. No impresso você consegue fazer cerca de 15 perguntas”, conta o profissional, que complementa sua análise: “ Na televisão é possível captar o quente da entrevista, focar no visual, na reação da pessoa com a sua pergunta. Não significa que o impresso seja pior ou melhor para entrevistar, tanto um quanto o outro têm seus prós e contras, têm suas especificidades. No jornal impresso, uma entrevista é mais trabalhada, o repórter vai conseguir editar, organizar a entrevista de forma cronológica, por exemplo. Agora, quando se está na televisão, ainda mais no ao vivo, como é meu caso agora, os benefícios é que a gente consegue pegar a emoção do entrevistado, o inesperado, vai ser um hard news, pois a pessoa vai estar falando naquele dia, porque aconteceu algum fato importante e por isso ele está comentando o assunto”.
Confiabilidade e futuro
Realizada em março de 2020, bem no início da pandemia do novo coronavírus, uma pesquisa do Datafolha divulgou que os brasileiros confiam mais em programas jornalísticos de televisão (61%) e em jornais impressos (56%) quando buscam informações sobre a pandemia. Esse dado é interessante, levando em consideração que cada vez mais pessoas estão conectadas à internet e, por conta disso, têm acesso a sites de notícias, por exemplo, que representam apenas 38% da confiabilidade apurada pela pesquisa.
Para Caio, essa força do impresso ainda tem explicação: “É uma mídia mais tradicional. Nós temos mais de 100 anos de jornalismo impresso. Dentro desses veículos, os repórteres, pelo menos na minha área, conheço a maioria e sei de suas rotinas, portanto, imagino que o processo de produção do impresso torna a confiabilidade dele maior, não que as pessoas saibam disso, mas é um fator que agrega nesse resultado da pesquisa, por exemplo. O processo de produção do impresso é muito crível, as chances de erros são menores, elas acontecem, mas são menores”, explica.
Sobre o futuro do jornalismo impresso, mote desse episódio, Junqueira reforça mais uma vez sua opinião sobre tudo ser produção de conteúdo: “Saber disso é o norte de todas as plataformas. Hoje, se ainda tem resquício de papel, e o papel vai acabar, a produção de conteúdo, o método de produção de conteúdo para impresso vai ser o mesmo do digital, que é o mesmo da TV, que é o mesmo do rádio”, e para concluir seu raciocínio, o jornalista diz que o impresso tende a acabar, mas que o que é produzido nele pode ser transformado para o digital: “Eu não vejo a diferença das plataformas, acho que tudo é produção de conteúdo, ele é o principal. Onde você vai despejar, vai depender da relevância do que foi produzido, se você vai colocar isso no rádio, na televisão, no papel ou no digital, envolvem questões mercadológicas, onde a operação financeira vai ser melhor, mais rentável, mas, basicamente, o nosso trabalho é produzir conteúdo”, finaliza.
No episódio seguinte, você mergulha no universo do rádio e como o Elias Santos analisa essa mídia e o seu futuro. Clique aqui e leia agora mesmo o segundo capítulo dessa série de reportagens.
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Marcos Pitta é jornalista e diretor de planejamento da ComTempo.
Gabriela Brack é jornalista e chefe de redação da ComTempo.
O episódio ainda contou com revisão de Mariana Valverde, jornalista e diretora web do projeto.
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.
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