*Escrito por: Marcos Pitta e Gabriela Brack
No episódio anterior, essa série de reportagens sobre o futuro do jornalismo nas mídias trouxe a discussão sobre o jornal impresso e como ele está resistindo até hoje. Se você ainda não leu, pode clicar aqui e conferir o episódio que abre essa série justamente no mês em que se comemora o Dia do Jornalista.
Agora, dando continuidade às mídias, chegou a vez do rádio que, assim como o impresso, fez história, e carrega consigo, até hoje, fãs enraizados e que se recusam a se informar de outras maneiras a não ser com o pé do ouvido na beira do auto-falante, ou até mesmo no trânsito pelo som do carro.
Afinal, não tem como abandonar, de uma hora para outra, aquele amigo que por tanto tempo nos informou e nos revelou acontecimentos do dia a dia. É claro que uma nova geração já está instalada no mundo e, junto com ela, tende a vir um esquecimento do rádio e do próprio impresso. Mas há quem ainda desfrute de uma juventude ouvindo rádio, se informando por essa mídia e que tem um carinho especial por ela.
Para os mais jovens, pode parecer coisa do passado e até retrógrado encontrar alguém que ainda ouça notícias pelo rádio, mas quando procuramos sinônimos de resistência, certamente, o radiojornalismo aparece como opção.
Desde sua primeira transmissão oficial no Brasil, em 7 de setembro de 1922, o rádio mostrou seu potencial e, até hoje, mesmo parecendo enfraquecido, consegue mostrar sua força. Quem confirma essa teoria é o Datafolha, em pesquisa realizada em abril de 2020, que perguntou aos brasileiros em qual mídia eles mais confiam na hora de se informar em relação a pandemia de coronavírus.
O rádio, protagonista do episódio de hoje, ficou em terceiro lugar, com 46% dos entrevistados apontando confiar totalmente nas informações divulgadas nesta mídia. Em primeiro lugar aparecem os jornais de TV, com 54% e, em segundo lugar, os jornais impressos, com 51%.
Em pleno 2021, com uma pandemia ainda em curso, e uma expansão gigante da internet a cada dia, mesmo assim, a informação continua tendo maior credibilidade e confiança nos veículos tradicionais.
Além da pesquisa do Datafolha, a ComTempo conversou com um profissional que começou sua trajetória no rádio, em 1995. Elias Santos é radialista e jornalista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais e foi nosso alicerce na construção deste episódio que te ajuda a vislumbrar o que acontece atualmente e qual pode ser o futuro do jornalismo dentro do rádio.
Vamos lá?
O começo de tudo e para onde o rádio vai…
Foi Roquette Pinto quem apresentou o primeiro jornal de rádio no Brasil, e sabe como ele aconteceu? Através da leitura de um jornal impresso, na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, lá em 1922. Passados alguns anos e mais transmissões em outras cidades, o rádio foi se adaptando e tendo seus equipamentos aperfeiçoados, até que surgiu o Repórter Esso, um dos maiores mitos da história do rádio no Brasil. Outro grande marco foi a realização da Hora do Brasil, noticiário oficial com propagandas do governo que existe até hoje, porém com um nome diferente, A Voz do Brasil. Daí em diante, nasceram emissoras e mais emissoras de rádio. São cerca de 9 mil espalhadas pelo Brasil, de acordo com o Ministério das Comunicações.
Para Elias Santos, o entrevistado deste episódio, as pessoas voltaram a ouvir rádio: “Houve um acréscimo de 20% na audiência durante a pandemia, ou seja, as pessoas voltaram a ouvir justamente para terem mais informações sobre a pandemia”. O profissional também reforçou que a mídia sofre sim uma concorrência: “Assim como a televisão também sofre, é a rede social. Mas, ainda hoje, o rádio continua sendo uma fonte de informação importante”.
Sobre a potência desta mídia, Elias afirma que sim, há uma grande preferência até hoje pelo radiojornalismo e levanta uma questão interessante: “Pode ser que o rádio não esteja potente em sua versão raiz, no aparelho, mas a marca, o nome da rádio está forte nas redes sociais. Temos, por exemplo, a BBC de Londres, como um exemplo até internacional, que continua sendo uma fonte de informação muito respeitada e que expandiu seu universo para a internet. Então, a busca de informação através do rádio continua, seja no próprio rádio ou no celular, por exemplo”.
Ao falar sobre a confiabilidade, apesar da pesquisa que já citamos no começo deste episódio, onde o rádio aparece em terceiro lugar como veículo mais confiável pelos brasileiros para se informar, o jornalista faz uma análise: “Acredito que falta sempre uma visão mais crítica do público, principalmente o mais velho, que foi criado em uma época onde não tinha tanta opção de informação. É preciso questionar um pouco mais as notícias que chegam até a gente, seja no rádio ou na rede social. Hoje, existe informação de tudo quanto é jeito e falta um pouco de educação para a comunicação”, revela o profissional que continua sua teoria dizendo que é preciso “formar ouvintes, comunicadores, internautas mais críticos em relação à própria comunicação, pois somente assim vai ser possível fazer um rádio com mais qualidade, mais bem apurado, e isso só será possível a partir da educação em comunicação que poderia começar já no ensino médio, com os jovens”, finaliza.
Essa teoria proposta pelo Elias é um caso a ser considerado por todos, afinal, a educação é a base de tudo, seja ela apostada no currículo básico ou em áreas mais segmentadas como a educação voltada para a comunicação. O rádio, de acordo com a pesquisa do Datafolha, também sai na frente dos concorrentes quando os entrevistados responderam que não confiam nas informações.
Neste quesito, o rádio está no topo mesmo, em primeiro lugar. Ao responderem que não confiam no veículo para se informar sobre a pandemia, apenas 11% disseram não acreditar no que é veiculado nesta mídia. A televisão teve 12% de brasileiros dizendo não confiar, e os jornais impressos 14%.
“A rotina é intensa”
Apesar de todo histórico desta mídia, engana-se quem pensa que trabalhar com rádio é fácil. Afinal, lidar com a informação exige cautela, dedicação e muita, mas muita responsabilidade, e Elias conta suas percepções sobre essa mídia na qual construiu sua carreira: “Comecei no rádio em 1995, fazia um programa na madrugada que se chamava ‘Acordados na Noite’, na Rádio Inconfidência em Minas Gerais. Era um trabalho quase que voluntário, tentávamos vender anúncios para ter um retorno financeiro, mas nunca conseguimos. Até que passado 1 ano, decidi parar. Foi quando a rádio me contratou e fez o mesmo com outras pessoas”.
O radialista continua a entrevista falando de como o dia a dia de quem atua dentro do radiojornalismo é intensa: “O rádio é vivo, muito vivo, a rotina exige que você o faça todos os dias com muita dedicação. Costumo classificar o rádio como quente, você pode até tentar fazer um ou outro programa gravado, mas o rádio está ali, naquele momento, acontecendo, vivendo o calor das emoções e das notícias na hora em que elas acontecem. Todo jornalista sabe que a notícia não escolhe hora e nem dia para acontecer e esse é outro ponto que o rádio traz: assim como outras mídias, não existe dia certo. Já teve dias em que eu iria parar cedo e fui até mais tarde, final de semana quase não existe, principalmente se você atua no rádio e cobre esportes. Futebol não pára, acontece o ano todo, apenas no final de dezembro e começo de janeiro que conseguimos respirar. É muito desgastante, precisa ser feito com amor, é para quem gosta mesmo”, finaliza Elias.
O que esperar do futuro do rádio? Nós já estamos nele?
Você já entrou no seu carro, pegou a estrada e conectou o seu celular no rádio para escutar um podcast? Já lavou a louça do almoço ou do jantar ouvindo as principais notícias contadas por aquele veículo impresso, televisivo ou até mesmo totalmente online diretamente em áudio, saindo dos alto-falantes do seu celular?
Se a resposta foi sim, prazer, você está vivendo o futuro do rádio!
Apesar de existirem milhares de estações de rádio espalhadas pelo Brasil, as mídias que distribuem informação estão, cada vez mais, se unindo. O podcast é o novo rádio e em uma reportagem da Revista Istoé, publicada em agosto de 2020, trazia em seu título ‘A Era do Podcast’. As linhas que construíram a notícia contaram que o Brasil foi considerado o país do podcast, pelo segundo ano consecutivo em 2020, ou seja, os brasileiros só perdem para os americanos no consumo deste tipo de programa.
E tem muito podcast espalhado por aí, independente do gênero, tem para todos os gostos: entretenimento, cultura, esporte, sobre profissão, educação, inovação, tecnologia, crimes, notícias e até mesmo aqueles programas que te ensinam a aprender outro idioma. O jeito de ouvir é diferente daquele aparelho grande que fica acomodado num canto da casa. Normalmente as pessoas escutam pelo celular, pelas plataformas de áudio, mas não dá para negar que o modelo é totalmente baseado no rádio.
O foco é o conteúdo, é ouvir a notícia, interpretá-la sem ver a cara de quem está informando. O podcast cresceu e muitos profissionais voltaram a produzir rádio sem nem se dar conta disso, assim como muitos usuários voltaram a ouvir rádio ou estão lidando com isso pela primeira vez. A diferença, se é que podemos chamar assim, é que agora o programa já está gravado, é mais íntimo do ouvinte, está mais conversado e até mais dinâmico.
No Fone de Ouvido, podcast da ComTempo, você pode conferir análises mais aprofundadas sobre um tema que está em pleno acontecimento ou que já passou, mas deixa ecos gigantes na sociedade. Lembra da tragédia de Brumadinho, em 2019? Nós fomos atrás de um dos sobreviventes e ele contou os momentos de pânico que passou, sem brincadeira, debaixo da lama.
Sexo parece tabu para você? A ComTempo sabe como esse assunto é complicado de ser tratado, seja dentro de casa, entre amigos, na escola. Por isso, o Fone de Ouvido preparou um especial de quatro programas sobre o assunto. Tem a discussão sobre educação sexual, prazer feminino, IST’s e sexo na terceira idade, tudo tratado de forma clara, objetiva e prática para o ouvinte se sentir dentro do assunto, parte daquela narrativa. Confira estes e outros episódios clicando aqui.
O nosso entrevistado deste episódio, Elias Santos, também comentou sobre isso, o futuro do rádio já está acontecendo: “Não temos bola de cristal, mas posso apontar através de estudos feitos, principalmente em relação ao passado, que os dispositivos vão mudando e vão chegando novos. No entanto, um dispositivo não elimina o outro, mas o modifica. Então, hoje, tenho notado bastante essa mudança, principalmente neste período de isolamento social, e tenho visto o rádio mais conversado, o jornalismo no rádio era muito formal, porque era baseado nas premissas do Repórter Esso, do radiojornalismo dos anos 40, 50 e 60. Hoje, procura-se trazer um pouco mais de conversa na hora de dar a informação, criar mais intimidade entre os âncoras, a forma de cumprimentar, eles contam detalhes da sua vida que muitas vezes o ouvinte não sabe. Muitos trabalham, agora, de dentro de casa, então a gente acaba sabendo se tem filho, se tem marido, se tem esposa, a gente entra um pouco mais na vida dos jornalistas. Esse paradigma do jornalismo formal está sendo quebrado e acredito que o desafio vai continuar sendo quebrar essas barreiras da formalidade”, finaliza.
É bastante rica a passagem do jornalismo pelo rádio, né? E mesmo que este episódio ousasse trazer todos os profissionais que amam e atuam nesta mídia, não conseguiríamos contar tudo, mas esse recorte já nos dá um direcionamento muito certeiro de como a evolução está acontecendo e de como se informar através das ondas sonoras ainda é atual. O futuro reserva ainda mais preciosidades para essa mídia, independente do dispositivo pelo qual a informação chegará até você. Quer saber como a televisão também vem se transformando ao longo dos anos, se rendendo à tecnologia e traçando caminhos que o próprio rádio está percorrendo?
Não perca nosso próximo episódio. Clique aqui e leia agora mesmo!
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Marcos Pitta é jornalista e diretor de planejamento da ComTempo.
Gabriela Brack é jornalista e chefe de redação da ComTempo.
O episódio ainda contou com revisão de Mariana Valverde, jornalista e diretora web do projeto.
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.
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