*Escrito por: Marcos Pitta e Gabriela Brack
O terceiro episódio dessa série de reportagens que discute o futuro do jornalismo dentro das diferentes mídias fala sobre a televisão. O aparelho que existe em 69,1 milhões de residências, de acordo com pesquisa do IBGE de 2020, com base nos dados de 2018, tem uma trajetória grande e impactante no Brasil.
Foi Assis Chateaubriand, que em 1950 chegou com um aparelho no país e, em 18 de setembro daquele ano, inaugurou a TV Tupi, primeiro canal de TV do Brasil. De lá para cá, muita coisa mudou. Antes, tudo preto e branco e poucas casas tinham o privilégio de contar com um aparelho tão sofisticado. Hoje, como citado acima, um número expressivo de lares possuem essa tecnologia, com imagens em alta definição, cores e até mesmo acesso a internet.
A televisão foi trilhando um caminho promissor ao longo desses 70 anos de história e ameaçou diretamente o prestígio que o rádio tinha até então. Quando se fala de jornalismo, especificamente, a televisão acabou fazendo com que muitos leitores do impresso e ouvintes das ondas sonoras migrassem para a imagem, um âncora ou dois, noticiando e apresentando imagens em movimento para narrar um fato.
Por mais que haja essa ameaça, o impresso e o rádio seguem até os dias atuais se reinventando, dia após dia, para não cair no esquecimento e contam com os artifícios da internet para se manterem vivos. É neste ponto que a televisão também se vê fragilizada.
A internet e seu avanço constante caminhavam sempre ao lado dos conteúdos que eram veiculados na televisão. Não faz muito tempo que o telespectador acompanhava uma informação pelo jornal de TV e, em seguida, era convidado a acessar a página da internet para ver muito mais. Agora, o caminho começa a ser inverso. As plataformas de streaming estão vislumbrando se transformar na nova televisão.
A confiabilidade ainda é maior no jornalismo de TV
Agora, a televisão cada vez mais se alia à “inimiga” para não perder o posto e, por mais que a internet tente e cresça, a tela ligada dentro das casas brasileiras ainda é a mídia mais confiável quando o assunto é notícia.
Quem confirma essa frase é uma pesquisa realizada em março de 2020 pelo IBGE, que questiona brasileiros sobre a confiabilidade em notícias relacionadas a pandemia de Covid-19. A resposta? Mais de 60% afirmaram confiar no que é veiculado na televisão. A internet, por sua vez, está em último lugar, perdendo para jornal impresso e rádio.
Para entender melhor como é a rotina de um profissional que atua com jornalismo de televisão, a ComTempo conversou com Túlio Amâncio, repórter em Uberlândia-MG, do ‘Balanço Geral’, programa da TV Paranaíba, afiliada à RecordTV.
Na entrevista, o jornalista coloca sua opinião no mesmo caminho dos brasileiros que afirmaram confiar mais nas notícias veiculadas na TV: “O acesso à mídia televisão, mesmo com a internet crescendo e já tomando muito espaço, é muito grande. Ela chega muito fácil a todos. É um fato muito importante que não podemos esquecer”, diz Amâncio sobre o motivo de as pessoas ainda apontarem o telejornalismo como mais confiável.
Ainda dentro desse assunto, o repórter discorre sobre um ponto que acredita ser interessante nesse dado da pesquisa do IBGE: “Quando você coloca um fato na TV, as pessoas confiam mais, porque acreditam que existe um trabalho por trás, uma apuração maior até chegar no âncora ou no repórter que vai dar a informação. Já na internet, há desconfiança quando se recebe uma notícia. Muitas vezes não há um trabalho profissional por trás, qualquer pessoa pode escrever um texto e proliferar essa mensagem. Acho que a confiabilidade na TV está muito ligada a isso”.
Como tudo começou…
A ComTempo quis saber do Túlio quando ele descobriu que queria ser jornalista e como foi sua trajetória até ele acabar na televisão, que é o nosso assunto de hoje. Curiosamente, o sonho dele era começar trabalhando com jornal impresso, mas foi o rádio que o apresentou as maravilhas da profissão: “Sempre quis ser jornalista. Desde criança eu via os correspondentes de guerra e já tinha vontade de fazer aquilo, mas era tudo muito distante de mim, pois eu não conhecia ninguém que era jornalista. Por isso, este sonho ficou guardado por um tempo”.
E tempo, todo mundo pode imaginar, por mais curto que seja, para quem está vivendo o fato parece uma eternidade. Túlio fez quatro semestres do curso de Geografia e desistiu. Depois, mais um semestre de Educação Física e, finalmente, decidiu ir atrás do jornalismo. “Comecei querendo trabalhar no impresso, sempre achei o máximo e gosto do papel, até hoje. Eu gosto de ler no papel”. Ironias do destino, ou não, ele nunca teve essa oportunidade profissionalmente: “Minha primeira experiência foi no rádio e me apaixonei pela mídia. Eu era produtor de um programa e a primeira vez que falei foi para apresentar a previsão do tempo. Eu tremia demais, foi uma experiência e tanto, eu ganhava R$ 400 neste trabalho”, lembra o jornalista.
Foi na sequência que ele teve a oportunidade de entrar na televisão, mas engana-se quem pensa que tudo começou na frente das câmeras. “Passei por um estágio na TV Paranaíba e, um belo dia, faltou uma equipe para cobrir uma coletiva de imprensa na delegacia de polícia civil e mandaram o estagiário e o menor aprendiz que era o cinegrafista que tinha no estúdio. Nós fomos e gostaram do material que apresentamos. A partir daí, perceberam que eu levava jeito para o vídeo. Acabei descobrindo que tinha mesmo. Depois de 11 meses de estágio, fui contratado para ser repórter”.
A rotina dentro da TV
Desde então, Túlio preencheu seu currículo com diversas matérias e reportagens para o vídeo, e a rotina de um jornalista de televisão não foge da turbulência que é o impresso e o rádio, como já foi apresentado nos dois episódios anteriores.
Túlio conta que, diferente de um jornalista de TV que atua na capital, para trabalhar com informação no interior você precisa saber fazer de tudo: “Os repórteres das capitais que noticiam para o Brasil inteiro são divididos normalmente pelas retrancas, um só faz política, o outro, só educação. No interior, no meu caso, tenho que saber fazer a reportagem do Balanço Geral que não tem um tema só, o programa engloba matérias de política, polícia, comportamento, só para exemplificar”.
A rotina dele dentro da televisão é chegar no ambiente de trabalho às 7h30: “Tenho duas pautas para ir atrás. Quando surge um factual tudo cai e eu foco só naquilo. Então, quando não há o factual eu faço duas pautas antes de entrar ao vivo, das 8h às 11h30. Às 11h40 eu me posiciono e faço links até às 13h50, normalmente faço umas oito entradas ao vivo. Dependendo do dia, tenho pautas para realizar no período da tarde também”.
Já que o jornalista entrou no assunto de alguns pontos diferentes entre atuar nas capitais e no interior, a ComTempo quis saber como é estar mais próximo de tudo atuando em cidades menores: “De certa forma você sente que é um jornalismo de mais resultado, porque estamos mais perto de quem a gente cobra, de quem tem o problema. Quando você faz jornalismo para o Brasil inteiro, é tudo muito mais amplo”.
Ele exemplifica citando uma apuração que certa vez deu um resultado imediato: “Na reportagem, levantamos a suspeita sobre uma espécie de ‘maquiagem’ nos boletins divulgados pelo município. Pouco tempo depois, o modo de divulgação mudou, então isso é exemplo que estamos mais perto de resolver o problema. É bacana encontrar a dona Maria que você ajudou a tapar o buraco na rua dela”.
Da TV para as redes sociais
Apesar de estar atuando diretamente com o jornalismo de televisão, Túlio não desclassifica as redes sociais, apesar de concordar que há muitas fake news e disseminação de conteúdo sem fundamento circulando nessa nova era: “A rede social é muito bacana, você consegue ter contato direto com quem te assiste”. A entrevista chegou neste ponto, porque o jornalista é bem ativo em seus perfis e costuma dialogar bastante com seus seguidores. Ele explica: “A TV tem questões que envolvem tempo e linha editorial, por exemplo, algumas coisas que eu, como pessoa, não posso interferir. Mas tenho minha rede social e se eu achar bacana levantar alguma questão, por quê não? Quando eu vejo que algum tema gera dúvida, acho válido chamar o pessoal para conversar e esclarecer. As pessoas estão compartilhando muita coisa sem fundamento, sem fonte, dizendo baboseira, e eu posso colaborar para que isso não aconteça. Me sinto na obrigação, pela minha profissão, de esclarecer e mostrar dados, fontes, apresentar detalhes de um especialista naquele assunto. A rede social abre o espaço para essa conversa”, finaliza.
Qual o futuro do jornalismo televisivo?
Chegando ao final de mais um episódio, finalmente a ComTempo quis saber do Túlio qual a visão dele sobre o futuro do jornalismo dentro da mídia televisiva.
Foram discutidos alguns argumentos de que o streaming chegou com tudo e que a televisão precisa se adaptar a isso, mas será que existe uma mudança clara dentro da TV?
“Já começou uma mudança”, diz o jornalista. “Eu vejo que a televisão tem duas opções: ou muda ou será engolida pela internet, e a própria TV já pensa sobre isso”.
Como exemplo, Túlio cita que as plataformas da Rede Globo estão fortes nessa convergência: “Fazer essa palavra ‘convergência’ sair do seu significado não é apenas pegar uma informação que passou no jornal e jogar na internet. É falar a linguagem da internet, e isso está sendo percebido”.
Para ele, a televisão vai resistir, mas o jeito de fazer jornalismo dentro dela vai mudar: “Acredito que serão mais entradas ao vivo. É o que vai prender o telespectador. A tendência do jornalismo do futuro é essa, bem como as revistas eletrônicas com reportagens especiais como o Domingo Espetacular [da RecordTV] e o Fantástico [da Globo], onde as pessoas sabem que vão encontrar algo longe do superficial e isso as leva para a frente da TV. Fora isso, os jornais tradicionais vão virar um ao vivo frenético e o streaming ganhando cada vez mais espaço, não há dúvida”.
No episódio seguinte, o penúltimo desta série especial, a ComTempo fala da mídia que todo mundo utiliza ou conhece quando o quesito é informação e rapidez: a internet.
Para isso, o bate papo é com a jornalista do Portal UOL, Luciana Quierati. Não perca, clique aqui!
Se você ainda não leu o episódio sobre o jornalismo impresso, clique aqui.
Para conferir o conteúdo sobre o futuro do jornalismo dentro do rádio, basta clicar aqui!
*
Marcos Pitta é jornalista e diretor de planejamento da ComTempo.
Gabriela Brack é jornalista e chefe de redação da ComTempo.
O episódio ainda contou com revisão de Mariana Valverde, jornalista e diretora web do projeto.
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.
Pingback: Episódio 2: o futuro do jornalismo no rádio - ComTempo