Por Jadd Gava
Caro leitor, você já ouviu falar de trabalho infantojuvenil nas novas mídias sociais digitais? Ouso dizer que a sua resposta foi negativa. E por que esse assunto é pouco discutido?
Inicialmente, tem-se ainda o estigma de que o influenciador digital, criador de conteúdo para mídias sociais, não é encarado de fato como um profissional. Então, trazer essa discussão para o trabalho infantojuvenil é mais raro ainda.
Seguindo essa premissa e compreendendo uma visão histórica básica do trabalho e toda a sua evolução durante o tempo, atrelado ao desenvolvimento científico e tecnológico até chegar nos dias de hoje, podemos dizer que a tecnologia atual permitiu a reinvenção do homem em diversos aspectos, incluindo o do trabalho. Onde antes se tinha o trabalho braçal como valor máximo, hoje uma das profissões mais almejadas é a do digital influencer.
E por que essa nova profissão é tão almejada?
Ora, temos diversos fatores: seja pelo glamour de ser uma pessoa famosa nas novas mídias digitais; pelo fato de que qualquer pessoa pode se tornar influente na internet; seja pelo leque de opções de áreas de atuação: indústria de jogos, maquiagem, fitness, político, conteúdo voltado para o público infantil, etc. Bem como a quantidade exorbitante de dinheiro que se pode ganhar em pouco tempo.
Como foi dito, qualquer um, hoje, pode se tornar um grande influenciador. E saiba que, atualmente, os maiores influencers do mundo, com os maiores números de acessos e com mais engajamento, são os influenciadores infantojuvenis.
Segundo dados retirados do próprio YouTube, é possível observar que um dos produtores de conteúdo mais novos e mais bem-sucedidos no mundo é uma criança de 8 anos de idade, que fatura, em média, R$ 41,3 milhões por ano, e possui mais de 25,4 milhões de inscritos, com o canal chamado “Ryan’s World”. Com o total de 39.626.685.869 visualizações (dados coletados em fevereiro de 2020), o jovem Ryan Guan, nascido no Texas, Estados Unidos, produz vídeos diariamente, sobre análise de brinquedos novos, servindo como garoto propaganda de diversas marcas famosas como Sony e Nintendo, estimulando seus milhões de seguidores, em sua grande parte menores de idade, à prática do consumismo.
Entretanto, uma das grandes problemáticas que trago aqui é de como regulamentar o trabalho infantojuvenil, na vastidão do ambiente cibernético. Ora, existem inúmeros aplicativos de entretenimento como YouTube, Instagram, TikTok e Twitch, que possuem diversos produtores de conteúdo que são menores de idade.
Sabendo que não existe no Direito nenhuma norma que regulamente a profissão de “digital influencer” ou “criador de conteúdo”, como vamos proteger essas crianças e adolescentes que chegam a trabalhar mais de 12 horas por dia fazendo live streams?
Outro ponto que levanto, também, é a questão da fiscalização desse labor infantojuvenil. Vários aplicativos de entretenimento surgem a todo o momento, em uma velocidade muito maior do que o nosso Judiciário pode acompanhar.
Um famoso e recente caso de suspeita de exploração infantil digital aconteceu no Brasil, é o do canal “Bel para meninas”. Bel é uma youtuber mirim de 13 anos de idade que possui 20 milhões de inscritos em seu canal do Youtube. Bel é agenciada pelos próprios pais, que após denúncias realizadas ao Ministério Público, foi aberta uma investigação de que os pais da criança a abusavam psicologicamente de diversas formas.
Importante frisar que o canal da Bel é apenas um entre os milhares de outros canais no YouTube que possuem um influenciador mirim. Esse caso teve grande repercussão, já que o canal da Bel é um dos maiores voltados para o público infantojuvenil. Mas e os canais com 100 mil inscritos? Com menos visibilidade? Vamos esperar que alguém perceba que a exploração ou abuso está acontecendo e denuncie?
A especialista em direito de entretenimento Flávia Monteiro, defende que cabe exclusivamente aos pais tanto a decisão sobre a profissionalização precoce no meio artístico, quanto a avaliação da capacidade física e mental dos seus filhos e também ressalta a importância da atuação do Ministério Público.
Entretanto, retorno em umas das problemáticas trazidas aqui: os pais, de fato, sabem o que é melhor para os seus filhos na internet? Eles possuem noção de como funciona e de como acontece? E todo o glamour envolvido com a fama e o dinheiro?
Outro questionamento importante a se fazer é a superexposição que as novas mídias proporcionam, o quanto isso afeta no desenvolvimento da criança e do adolescente. Hoje em dia a cultura do cancelamento é algo que assola a internet, um ciberbullying maciço que pode acarretar o fim da carreira na internet, bem como graves danos psicológicos.
Em âmbito internacional, temos a Convenção Sobre o Cibercrime, que é considerado o principal tratado internacional sobre delitos praticados na rede. No Brasil, temos o Marco Civil da Internet, mas é evidente a carência para a regulamentação da “profissão influenciador”.
A falta de estrutura adequada e específica que atue na identificação e punição dos indivíduos e empresas que exploram o trabalho infantil na internet também é um problema. Não há investimentos nessa área e nem interesse do poder público.
Termino este artigo não trazendo soluções milagrosas para os questionamentos aqui levantados. Trago reflexões. Enquanto sociedade, temos que encarar que o mundo não é mais o mesmo, que ele está evoluindo de uma maneira nunca antes vista, o que traz à tona a necessidade de colocar outros elementos como prioridade, como por exemplo o trabalho infantojuvenil nas mídias sociais digitais. E que nós, integrantes dessa sociedade, devemos repensar a maneira de como proteger os direitos humanos básicos frente a esse grande agente modificador de valores e preceitos que é a internet.
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.