“Você tem medo de quê?”: Parte 4

O confronto diante daquilo que nos causa medo começa no nosso íntimo. Lembre-se: só você é capaz de dizer o que lhe causa tanto medo. É certo que não somos capazes desse enfrentamento sem ajuda. Individualmente, podemos ficar à mercê dos piores estímulos, em um redemoinho infinito de notícias trágicas, boatos, desinformação, interesses escusos, presos nos nossos quartos escuros.

O que nos aflige, depois de tantos meses de reclusão e incertezas, é saber quando… e se… seremos capazes de retomar nossas vidas como eram “no antes” da pandemia. Buscamos informações que possam nos garantir essa esperança. O problema está em delegarmos a esse fator nossa razão de agir e pensar. É fato, muitos ainda esperam por isso e agem para tal, absolutamente inconsequentes. Como estímulo, apoiando essas ações displicentemente, algumas promessas de vacinas, tratamentos, imunizações e mais uma série de tantas outras chances de voltarmos no tempo fazem de uma segunda ou terceira onda de contágio um pesadelo insuportável ou, muito pior, um mero boato. Motivos para termos medo não faltam. “Medo” nas suas mais diversas formas e intensidades. Simplesmente por não pararmos para pensar, confrontar intimamente esses medos e suas causas.

Neste aparente caos esdrúxulo de ideias e provocações, há uma ordem, sim, e está na resposta que cada um de nós elaborou para a pergunta. Depois que eu mesmo respondi, passei algumas noites e dias procurando me entender. Não foi fácil, porque a resposta foi assustadora. Do que eu tenho medo? De mim mesmo…

O medo estava na dúvida sobre como eu reagiria a esses cenários extremados.

Não o medo de uma doença avassaladora, de ficar isolado, internado, ter minha vida colocada em risco. Ou que isso aconteça com alguém muito querido e próximo de mim. Da situação da pandemia avançar para um cenário cinematográfico ficcional apocalíptico. Nem mesmo de não ter mais meus recursos financeiros para me sustentar, meu emprego. Isso, também. O medo estava na incerteza, sobre em quem e no que depositar minha confiança, sobre a capacidade de saber avaliar cada uma das informações e posturas confusas que entravam na minha casa pela televisão e internet.

A solução que encontrei para lidar com minha resposta foi o salto de fé. Não terei controle sobre o cenário maior, se haverá ou não uma vacina nos próximos meses, se ela será confiável, se haverá refrigeração ou seringas para todas, se será gratuita independentemente do laboratório responsável. Não poderei sair pela janela de casa, com minha capa vermelha, para fazer a Terra girar no tempo para antes de 2020, bem antes! Também não poderei ajudar os pacientes e profissionais em hospitais por não ter esse atributo específico necessário. Ou sustentar financeiramente algumas famílias que perderam essa estabilidade. O que me restou foi a consciência dos próprios limites. Existe algo que nenhuma pandemia, isolamento ou ideologia são capazes de nos impedir de fazer: pensar! Elaborar, conversar, considerar, buscar informações em uma rede mundial que está na ponta dos nossos dedos, discutir – não confrontar para vencer uma discussão – para construir ideias positivas, que nos façam seguir adiante. Cada um, nos seus próprios limites.

Se meu ato heróico for o de ficar em casa, isolar-me, apoiar quem estiver com problemas para se encontrar nessa crise de superação, com um gesto de atenção e calma, informando e divulgando, com cuidado e seriedade, que assim seja. Minha capa vermelha será retalhada em dezenas de pedaços menores, presos com elásticos, para proteger o rosto de alguns poucos que poderiam se beneficiar com isso.

O medo é capaz de nos reverter para algo positivo. O melhor resultado ainda está em construção, para muitas pessoas que estão percebendo, com primor, que a mudança vem de dentro. Podem ser poucos. São aqueles que eliminam o discurso de ódio, as posturas radicais egoístas, que despendem seu tempo para ouvir e repudiar o desrespeito racista e fóbico, que não se entregam à covardia justificada por um vírus letal que foi potencializado no momento em que o desconhecimento, a manipulação e o oportunismo de alguns tomaram-no para si.

Podemos ser aqueles que farão o outro ter menos medo e mais esperança, na forma de uma palavra de conforto, atenção, apoio, independentemente da capa, armadura, martelo ou escudo que cada um de nós usa.

Basta sermos nós, cientes dos nossos limites, convivendo com nossos medos.

Não somos “Super”, somos humanos, na nossa melhor definição.

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