Pandemia de Covid-19 mostra-se cenário fértil para aumento de depressão e ansiedade

Escrito por: Laiza Castanhari

Isolamento social e medos fragilizam os indivíduos e impactam negativamente na saúde mental da população

A pandemia do novo coronavírus chegou coagindo mudanças abruptas na rotina e estilo de vida de pessoas do mundo inteiro. Não houve tempo de preparação psicológica para o novo cenário. Quando nos demos conta, muitos estavam se adaptando de diversas formas para transferir o trabalho para dentro de casa e enfrentar períodos de solidão, enquanto outros estavam colocando a saúde em risco, lidando com demissões e fragilidades financeiras. Incertezas, doença, mortes e preocupações econômicas tornaram-se foco 24 horas por dia, nos jornais, na vida de pessoas próximas ou em nossa própria casa.

Daniela Vitti Ribeiro da Silva é psicóloga com especialização em psicanálise. Ela explica que melancolia é um termo usado na psicanálise que possui bastante relação com o cenário da pandemia, marcado por diversas perdas. “A perda de um objeto aciona um processo de enlutamento. Aqui entendemos objeto como tudo aquilo com que nos relacionamos, como pessoas queridas, papéis sociais que desempenhamos, um emprego, etc. O luto não decorre apenas da morte de alguém, mas de todas as mudanças que vivemos. O estado melancólico, portanto, surge da dificuldade de abrir mão desses objetos e seguir em frente, buscar novas maneiras de ser e viver.”

O cenário da pandemia de Covid-19 conecta-se a fatores favoráveis para desencadear ou agravar transtornos mentais, como depressão e crises de pânico e ansiedade. “Esse período aumenta o risco de depressão por modificar muito a maneira de viver, trabalhar e se relacionar. São muitas as mudanças, portanto, perdas que precisam ser elaboradas”, explica a psicóloga.

“Eu queria reduzir a medicação, mas com a pandemia não consegui”

Adriana Roma tem 41 anos e sofre de transtorno de ansiedade. Ela conta que fez tratamento com psicólogo por oito anos e, atualmente, tem apenas acompanhamento psiquiátrico. Antes da pandemia, ela estava no processo de reduzir os ansiolíticos, porém, o planejamento foi interrompido. “A minha prescrição para 2020, a princípio, era fazer a transição e parar a medicação, porque eu já vinha num processo de reduzir, já estava conseguindo ter qualidade de vida e ficar estável. Mas com a chegada da pandemia e a acentuação das dificuldades econômicas…”.

Adriana é profissional autônoma e mora sozinha, dois aspectos que ela conta terem refletido negativamente na sua saúde mental durante a quarentena.  Ela realizava o trabalho em um escritório compartilhado e, com a chegada do isolamento social, migrou o trabalho para home office, perdeu clientes e teve de lidar com incertezas financeiras.

Morando sozinha há 10 anos, foi a primeira vez que Adriana se incomodou com o fato. “Essa ausência de socialização me fez dar outra dimensão do morar sozinha”. O corte abrupto do convívio social pesou na rotina, além da interrupção das visitas mensais à família, que vive em outra cidade. “Por fim, para processar melhor essa situação, acabei adotando um bichinho de estimação, uma coelhinha, e tem ajudado. De certa forma é uma companhia e muda o foco”, conta Adriana sobre a decisão de ter um pet.

Ir à academia e fazer exercícios físicos se tornou uma medida bem potente no tratamento contra a ansiedade. A interrupção desse hábito também impactou na saúde mental. “Depois, comecei a fazer só caminhada e aulas de yoga em casa. E o exercício, além da questão da movimentação do corpo, percebi que também tem um aspecto de socialização muito importante, e eu perdi isso.”

Adriana começou a perceber o transtorno de ansiedade por meio de diversas sinalizações, como noites de insônia, paralisia diante de novos desafios, perfeccionismo e falta de concentração em projetos importantes. “Em situações mais críticas eu já senti muita dor de estômago, vômitos, palpitação, dor no peito… cheguei a procurar ajuda médica achando que eu estava na beira de um infarto, mas era crise de ansiedade.”

Adriana passou a se informar melhor e descobriu que transtorno de ansiedade pode ter desdobramentos bem mais graves do que se imagina, como suicídio. “Eu soube de casos de pessoas ansiosas que se suicidaram. Eu achava, de uma forma muito errônea, que suicídio só acometia pessoas depressivas”, relata. “A ansiedade não deixa de ser uma forma de tentar se controlar, na medida em que você está sempre antecipando as situações e sofrendo por antecipação, é um mecanismo de controle. Se não fosse pelos tratamentos que procurei, a psicoterapia, a psiquiatra e mesmo práticas integrativas como yoga e meditação, eu não sei, sinceramente, não gosto nem de pensar o que seria de mim hoje.”

“A vida é justamente esse não-saber sobre as coisas”

Nathália Yohanna dos Santos, psicóloga e mestranda em psicanálise, atenta-se ao fato de que momentos de incertezas e imprevisibilidades, como o da pandemia, podem ser uma oportunidade para nos desapegarmos da necessidade de controle em situações que não podem ser controladas. “Muitas vezes queremos controlar tudo, saber de tudo, planejar tudo e esse momento veio para nos mostrar que a vida não segue o planner e que, para viver melhor, precisamos aprender a lidar com isso.”

Esse não-saber também permeia a sugestão de consumir informações e notícias de uma maneira consciente, em vez de querer ficar ligado 24 horas por dia sobre o que acontece no mundo. “É fato que não podemos fugir do mundo e é importante nos mantermos informados, porém, minha dica é que façamos isso de maneira saudável e possível para cada um. É bacana que se escolha um momento do seu dia para ficar a par das informações e, de preferência, que essa atualização seja feita longe da hora de dormir, uma vez que esse é o momento para o descanso, portanto, você não vai querer que determinados pensamentos permeiem todo o seu sono, certo?”.

“E claro, a minha recomendação para esse momento que está duas vezes mais difícil de lidar é a psicoterapia/análise. É muito importante que não negligenciemos nossa saúde mental, uma vez que ela anda de braços dados com o todo que nos constitui”, recomenda Nathália.

“Não tinha como expor minha dor pessoalmente nem contar com abraços”

Suzana Elia Azar tem 50 anos e trata a depressão desde os 20, unindo tratamento psicológico e medicamentos, nas fases mais críticas. “Eu melhoro e gradualmente vou retirando a medicação. Tento manter um acompanhamento psicológico. Eu fui aprendendo a lidar, saber o que é gatilho pra mim, o que não é gatilho, o que dá pra fazer.”

Ano passado Suzana retornou ao tratamento psicológico, depois de sete anos sem. A decisão veio após parar de fumar devido a um problema de saúde e se ver obrigada a buscar alternativas para lidar com crises de ansiedade, em vez de usar o cigarro como muleta emocional. Então, Suzana buscou um novo formato de tratamento: uma terapia em grupo para mulheres. “Isso me deu muita força até pra conseguir não voltar para o cigarro e aprender a lidar com a ansiedade de outra forma.”

Com a chegada da pandemia, as sessões foram suspensas e Suzana duvidou que conseguisse manter o emocional equilibrado sem precisar voltar ao cigarro. Após um tempo, porém, o grupo começou a se adaptar às sessões online. “Eu já faço home office há quatro anos, mas sou uma pessoa que gosto de sair, socializar, conversar, trocar ideia… e eu moro sozinha. Conforme foram passando os dias da quarentena eu comecei a perceber que seria mais longa do que esperava e, nesse caminho, eu tive perdas emocionais significativas que já seriam gatilhos em situações normais”, conta.

Desde o início da pandemia, Suzana precisou ativar forças emocionais ao passar pelo luto de três pessoas próximas, que faleceram por complicações de saúde e suicídio. Além da tristeza recorrente das perdas, Suzana lamenta o afeto negado pelo distanciamento social, o que torna a situação ainda mais desafiadora: “Sem poder abraçar as outras pessoas que também estavam sofrendo o luto, sem poder se despedir das pessoas… nessas horas os rituais são muitos importantes. Juntaram situações que já seriam gatilhos para crises depressivas e de ansiedade com o período de isolamento. Então, não tinha como conviver com outras pessoas, expor a minha dor presencialmente nem contar com abraços. Abraço é tão importante.” 

Pandemia e solidões coletivas

Cenários onde há maior solidão são potenciadores de depressão e outros transtornos mentais. Trocas sociais e vínculos afetivos são elementos essenciais para a saúde humana. “O isolamento social nos escancarou a importância do outro, não é mesmo?”, alerta a psicóloga Nathália. “Para lidar com essa situação de distanciamento, os artifícios virtuais são muito bem-vindos: chamadas de vídeo, telefone, mensagem… tudo que possa suprir, ainda que minimamente, essa incômoda ausência de presença. Estar perto de quem nos faz bem é um potente remédio nesses momentos complicados.”

Klyo Monteiro, cientista social e mestre em Sociologia, explica que o contexto de isolamento social reforça individualidades presentes na nossa sociedade, que agrava processos depressivos e outros transtornos. “Num contexto como o vivenciado hoje por todo o mundo, as pessoas perdem o princípio básico de formação e transformação, que é o convívio social, o processo de sociabilização e as relações sociais. A depressão, os problemas psíquicos, até mesmo o medo, a angústia e a ansiedade acabam sendo cada vez mais individualizados e menos vistos como problemas decorrentes de um processo social, de sociabilidade, ou da falta dela.”

O silenciamento de questões psicológicas faz com que indivíduos de uma mesma sociedade sintam-se ainda mais separados do todo. Muitas pessoas podem estar unidas pela mesma questão, como perdas e solidões, porém não se reconhecem, pensam estar desconectadas do mundo e se sentem desamparadas. “Quem sofre, não identifica claramente o que se passa e acaba sofrendo em silêncio, no isolamento do mundo externo; o que, além de prejudicial, ainda impõe a ideia de que seja um problema individual e não social”, pontua Klyo.

“A pandemia e o isolamento fazem com que essas questões tão importantes sejam fragilizadas. Unidas a outros percalços sociais como economia, desemprego, falta de educação, a péssima situação política, fazem com que essas pessoas percam o sentido de viver, entrem em colapsos, desenvolvam traumas, ansiedade e outros transtornos”, acrescenta.

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