Axé ou amém: O avesso da intolerância religiosa é o conhecimento

Rita Bocato

Em tempos de forte intolerância religiosa em que paira no ar toques de desamor e falta de empatia, é de suma importância a disseminação de informação e conhecimento para que os horizontes se ampliem a fim de amenizar as ondas de destruição de tudo o que vem do outro.

O intento em olhar para o próximo com carinho ainda pode salvar o mundo do desamor. Pode parecer papo furado ou algo clichê vindo de alguém que carrega consigo uma bagagem cristã. O intuito desse artigo é sim falar sobre religião, mas uma religião que é cruelmente atacada desde a sua gênese no Brasil do século XX.

Fui convidada pela Kimberly, jornalista incrível e minha cara amiga, a escrever sobre a Umbanda. Essa religião de matriz afro é meu objeto de estudo desde finais de 2016 e a estudo a fim de, com passos de formiguinha, expandir os horizontes de quem é curioso e tem o coração aberto para entender o universo dessa fé que é tão atacada.

A Umbanda carrega em sua história uma grande riqueza cultural e possui inúmeros rituais que carregam nuances de diversas práticas religiosas anteriores a ela. O umbandista e escritor Alexandre Cumino diz que a palavra Umbanda significa “grandeza, força, poder”.

É mais aceito no meio umbandista que a religião nasceu na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1908 pela intercessão do médium Zélio Fernandino de Moraes. A história pessoal do médium carioca é por si só interessante, porém é assunto para mais de um artigo, o foco aqui é a religião umbandista, sua formação e riqueza cultural.

Não é a toa que a Umbanda nasceu no Brasil, pois é a síntese da bela mistura cultural de nosso país, a religião traz como base elementos de quatro grandes manifestações religiosas: o catolicismo, o espiritismo fundado pelo francês Alan Kardec, o Candomblé africano e a religiosidade das comunidades indígenas brasileiras.

É difícil mencionar com exatidão cada elemento herdado das manifestações religiosas, porém é possível identificar alguns, como a crença na reencarnação, a ideia da existência de carma e da evolução espiritual em um plano astral. Com a religiosidade indígena a Umbanda aprendeu o trato com as ervas, as defumações, o uso de cachimbos para incorporação de algumas entidades e os banhos com ervas.

Do catolicismo vem o sincretismo entre santos e orixás, alguns orixás são representados por santos católicos, como Iansã (Santa Bárbara), Oxum (Nossa Senhora Aparecida), Ogum (São Jorge) e Iemanjá (Nossa Senhora das Candeias). Além de algumas orações que são feitas antes das giras começarem, mas esse elemento varia de terreiro para terreiro. Essa representação sincrética se dá como forma de resistência da religião umbandista no meio preconceituoso onde nasceu, pois, para o culto aos orixás sobreviver, foi preciso projetá-los em representações de santos brancos e europeus.

O Candomblé deu a base do culto aos orixás, o uso dos atabaques, algumas músicas (chamadas de pontos cantados) e certas nuances rituais. Porém a Umbanda branqueou algumas práticas candomblecistas como forma de sobreviver ao preconceito, os umbandistas preocuparam-se em documentar a história da formação da religião, preocupação essa que não existe no Candomblé, dado ao forte traço da tradição oral e hereditária que o marca.

É difícil escrever 111 anos de história em 3.500 caracteres, mas fica registrado aqui o desejo de ressignificar conhecimentos, ampliar horizontes e enaltecer a cultura religiosa do Brasil. Axé para quem é de Axé, Amém para quem é de amém! Saravá, caros leitores!

(Rita Bocato, professora e historiadora que estuda História das Religiões)

 

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