Histórias de mulheres que não são vistas

Éverton Anunciação

São 4 horas da manhã, horário em que Conceição Xoma, 44 anos, levanta-se para começar a aprontar-se para ir ao trabalho. Em 40 minutos ela escova os dentes, toma banho, arruma a mochila que contém seu uniforme e se embeleza antes de ir para o ponto de ônibus. Vinte minutos antes das 5 horas ela se desloca de casa. Caminha cerca de quinze minutos a pé até o ponto de partida. Às 5 horas já está dentro do coletivo e como é um dos primeiros trajetos da linha, consegue ir sentada.

Às 6 horas Conceição começa as primeiras atividades: limpa o pátio do Restaurante Universitário (RU) e, em seguida, os contêineres que funcionam como salas administrativas. Ela trabalha em uma empresa terceirizada que presta serviços de limpeza para Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Conceição é única mulher de quatro irmãos, saiu de casa aos 17 anos com o namorado para tentar uma vida melhor em Cuiabá. Chegando à cidade, o primeiro emprego que conseguiu foi trabalhar em um mercado a qual limpava e fazia o café.

Segundo uma pesquisa realizada em 2017 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ocupa o ranking dos países que mais empregam pessoas no mercado doméstico com cerca de 7 milhões de trabalhadores inseridos nesse setor. A maioria é do sexo feminino, negra e com baixa escolaridade. Nesta categoria estão inseridos os profissionais como, camareira, doméstica, mordomo, governanta, babá, jardineira, copeira, motorista, cuidador de idoso, caseiro e etc.

Também vive esse fato a atendente de buffet, Marluce Cruz, 33 anos. Ela se levanta todos os dias às 5h30, prepara café da manhã para os quatro filhos e acorda um a um para ir à escola. “Lá em casa tem apenas um banheiro, então todos devem se levantar bem cedo para tomar banho e começar a se arrumar. As minhas duas filhas estudam de manhã. A mais velha, eu acompanho até o ponto para pegar o ‘escolar’, e a outra espera no ponto em frente de casa, o ônibus de linha, graças a Deus. Quando retorno já arrumo o pequeno [Michel] para levar à creche a qual fica o dia todo. E, Alan, quando saio de casa, vai comigo para pegar o ônibus e ir para o projeto”, relata Cruz.

Marluce é outra guerreira entrevistada pela ComTempo.

Marluce viaja de segunda a sábado 18 quilômetros para chegar ao seu trabalho. E todos os dias servem os estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Ana do Espírito Santo, 40 anos, também está inserida no mercado doméstico e sofre com a rotina exaustiva do dia a dia. Levanta às 5h30, apronta-se e segue para o ponto que é perto da casa dela, em uma das avenidas principais de Várzea Grande, cidade circunvizinha da capital de Mato Grosso, Cuiabá. Em pé, aguarda ansiosamente para embarcar. Ela espera aproximadamente uma hora para conseguir entrar no primeiro ônibus.

Após sua entrada tem que enfrentar a superlotação e a dificuldade de se locomover. Mas mesmo enfrentando tudo isso, continua com sorriso no rosto e disposta a labuta do dia.

Ana trabalha há cinco anos na casa de uma família em Cuiabá cerca de 1h40 da sua casa. Sua função é lavar, passar, cozinhar e limpar. Há seis anos ela trabalha como doméstica. Entrou para esse mercado devido à necessidade de sustentar a família após se separar do marido. “Mesmo ele [ex-marido] estando junto não ajudava em casa, após a separação fiz o papel de pai e mãe para os meus filhos e tive que sustentá-los” relata.

Já Liane Reis, 32, conta que começou a lidar desde os 10 anos de idade, pois via a necessidade de ajudar os pais com as despesas da casa. A mãe trabalhava como doméstica e o pai como “chapeiro”. Ao contar, ela se emociona ao relembrar da infância, pois teve dias em que não tinha o que comer, por isso procurou um emprego desde cedo.

Liane não se envergonha em contar detalhes que passou junto a sua família. “Minhas três irmãs mais velhas viram o casamento como uma forma de sair da miséria, algumas se deram bem e outras não. Apanharam muito e sofreram muito na vida” conta.

Reis é de uma família de doze irmãos, sendo ela a caçula. Conta como era a rotina de doméstica. “Trabalhei três anos em uma casa das 6h da manhã às 5h da tarde. Na época eu ganhava trinta reais por mês. Mas esse dinheiro fazia grande diferença em casa, era o dinheiro do gás. Minha mãe dizia que eu deveria garantir pelo menos do gás porque ela já havia criado até essa idade e tinha que retribuir […] fiquei dois anos sem estudar” relembra.

Segundo dados divulgados em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE) o mercado de trabalho brasileiro revela que 998 mil menores são submetidos a trabalho ilegal nos país. Sendo que 190 mil são crianças com até 13 anos de idade que não poderiam trabalhar de maneira nenhuma.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), 1,8 milhão de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos trabalhavam no Brasil em 2016 com carga horária média semanal de 25 horas.

Todos os dias mulheres como Conceição, Marluce, Ana e Liane enfrentam a luta diária para trazer o sustento para as suas famílias.

Além do cansaço do dia a dia, elas também sofrem pelo não reconhecimento daquilo que fazem, são menosprezadas pelas pessoas que ocupam o espaço, ignoradas, vivem na informalidade e recebem baixos salários.

 Além disso, os serviços prestados não condizem com as condições de trabalho e algumas são alvos de desconfiança do patrão. Como é o caso de Ana que se sentiu constrangida no trabalho. “Lá onde trabalho sempre some as coisas, mas a filha da patroa disse que a irmã dela é acostumada a pegar algo e não avisa. Então a corda só arrebenta para o lado mais fraco. Eles não chegaram a me acusar de nada, mas fica jogando ponto […] já fiquei mais de um mês sem ir com bolsa porque fiquei constrangida” afirma.

Mesmo após os direitos conquistados em 2013, 70% das trabalhadoras domésticas continuam na informalidade. Em 2015, após ser obrigatório o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as domésticas sem carteira assinada passaram de 4,2 milhões para 4,4 milhões, segundo dados do IBGE.

Em Mato Grosso, o Sindicato Estadual de Empregados Domésticos e Similares do Estado encontra-se desativado e não tem explicação o porquê do fechamento, segundo a Central Única de Trabalhadores de Mato Grosso.

O trabalhador que faz parte desse setor perde muito por não haver representatividade. A maioria deles não tem ciência dos seus direitos trabalhistas e em muitos casos quando são demitidos não sabem quais procedimentos tomar. O Sindicato é responsável por auxiliar o trabalhador na busca por melhores condições de trabalho.

Hoje, as domésticas têm outras possibilidades de recorrer aos seus direitos trabalhistas e por melhores condições de trabalho. Como por exemplo, o aplicativo Laudelina que tem por objetivo divulgar os novos direitos trabalhistas, além da criação de uma rede entre as trabalhadoras domésticas e seus sindicatos.

No aplicativo é possível encontrar um manual sobre direitos das domésticas, calculadoras de salário, benefícios e rescisão contratual, lista de instituições de proteção de diferentes cidades do Brasil; e rede de contatos de trabalhadoras de uma mesma região, possibilitando a troca e o fortalecimento dessa classe.

Por falta de conhecimento os trabalhadores desse setor não tem ciência do aplicativo e nunca chegaram a usar. Todas essas mulheres, apesar de gostarem do que fazem têm sonhos, pretendem lutar para que consigam coisas melhores. E por isso, elas buscam diariamente o melhor para suas famílias e para elas.

Conceição Xoma tem o sonho de ter a casa finalizada. “Eu tenho uma casa feita de madeirite e não de material. Minha casa tem três peças. Começamos a construir uma casa de material e não terminamos”, relata.

Liane Reis tem o desejo de se formar em Direito. Tendo em vista que é a primeira da família a ingressar em um curso de ensino superior, sente-se honrada pela oportunidade. “Quero me formar, ser literata em Direito Civil. Esse sonho veio desde infância. Uma vez, brincando, a professora me disse que seria uma advogada e, isso impregnou na minha cabeça”, afirma.

Já Marluce Cruz pensa no conforto dos filhos, ter uma casa própria e ser gastrônoma. “Penso muito no bem estar dos meus filhos e depois em mim. Quero ter a minha casa própria. Mas tenho o desejo de cursar advocacia, libras ou gastronomia. Tenho muitas curiosidades nessas áreas”, disse.

Ana também se preocupa em dar uma vida melhor para os filhos e sonha em fazer enfermagem ou ser cuidadora de idosos. “Considero uma pessoa paciente, por isso, gosto de enfermagem e cuidador de idosos. Acho que daria bem nessa área. Mas, antes, dar um conforto melhor para meus filhos”, finaliza.

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