José Piutti
Filho de Valmira e José, Joel Silva veio ao mundo em 23 de novembro de 1965, em Itaú de Minas, pequena cidade do sul de Minas Gerais. Com seus três irmãos, dois meninos e uma menina, teve infância parecida com a de muitos brasileiros: estudou em escola pública, enfrentou dificuldades e não se preocupava em olhar para o futuro. “Quando nasci, tínhamos uma situação financeira boa. Mas, meu pai passou por problemas financeiros, o que nos fez abrir mão de muitas coisas.”
Aos 11 anos teve seu primeiro contato com a fotografia: Uma foto feita por um amigo da família, em frente à sua casa, em preto e branco. A caminho da escola, encantava-se com as imagens estampadas nas capas de jornais nas bancas que passava. Folheava-os tentando entender como aquelas fotos haviam chegado ali. “Aos onze anos, era isso. Olhar, tentar entender, sem almejar nada.”
Suas primeiras tentativas em fotografar foram feitas em uma Kodak emprestada, daquelas em que era necessário levar a câmera toda para fazer a revelação, o que o fez nunca ter visto o resultado. Devido ao trabalho de seu pai, mecânico, mudou-se diversas vezes de cidade, Ipatinga e Belo Horizonte foram alguns de seus destinos. Aos 21 anos, foi a vez de Franca, e aos 24, Ribeirão Preto (ambas no interior de São Paulo). Nesta última, iniciou curso de Fotografia na escola de Artes Bauhaus, quando decidiu que fotografar seria sua profissão.
Em 1992, decidiu fazer a cobertura do jogo do Brasil contra a Croácia, em solo ribeirão pretano. “Havia comprado uma câmera barata, vagabundinha. E ai, queria fotografar este jogo, mas não consegui entrar, fui barrado pelo fiscal da CBF, Confederação Brasileira de Futebol, que me alertou sobre a necessidade de estar credenciado a algum veículo de comunicação”, lembra.
Isso o encorajou a bater na porta da Folha de S. Paulo, onde foi convidado a sair em busca de pautas para vender ao jornal. “Sai à procura de notícias. A gente resgata fatos da rua, enxergo as notícias como elemento gratuito. Mas você não chega na primeira esquina e dá de cara com a notícia”, explica.
Durante uma semana vagou em busca de acontecimentos marcantes, sem sucesso. Até que em 14 de maio de 1994, um vendaval atingiu Ribeirão Preto, afetando cinco mil imóveis, deixando 60% do município sem energia elétrica e mais de 600 pessoas desabrigadas. Silva fretou um avião e fotografou o estado de calamidade da cidade, decretado pelo governo estadual. Entregou as fotos à editora da Folha que pagou pelo freela e pelo avião. Depois, uma vaga para fotógrafo surgiu e Joel foi contratado.
Sua primeira grande cobertura aconteceu em 1998, durante a Copa do Mundo da França. “No final do Mundial, fiz um registro histórico: Ronaldo trombando com Valdez. O Goleiro passando por cima do Ronaldinho e ele caindo. Tenho o negativo até hoje. É uma imagem histórica.”
Pouco antes do Mundial de 98, no qual a França venceu em casa, Silva começou a trabalhar com serviços populares, tendo contatos com a violência urbana, quando surgiu investigação sobre drogas. “Aí surgiu a Colômbia, seguimos todo o trajeto das substâncias e, em 2000, fui ao país acampar com as FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, tendo seu primeiro contato com a zona de guerra.
Silva relata que uma cobertura deste porte é limitada: “Não é tudo que pode ser fotografado num acampamento. Tive acesso aos seus treinamentos, conheci o comandante das FARC, Raul Reyes, morto na fronteira com a Bolívia, e durante a guerrilha, entendemos bem à ideologia dos revolucionários”.
Em 2009 recebeu nova missão: cobrir o golpe militar em Honduras, onde o exército aprisionou o presidente Manuel Zelaya e o enviou ao exílio. “Ao chegar no país, eles estavam em toque de recolher. A parte que apoiava Zelaya botava fogo em carros, era um cenário de desastre máximo, como todo país em revolução. O que marcou foi uma menina que morreu com gás lacrimogêneo. Fiz seu enterro.”
Em 2010, Silva enfrentou a zona de guerra em território nacional, sendo escalado para cobertura da reintegração de posse no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, onde encontrou novos desafios. “Trabalhar em geografia com morros, como na favela, é uma zona altamente perigosa porque você não sabe de onde vem os tiros. Costumo dizer que as coberturas nos morros do Rio são as mais perigosas do mundo, a localização não facilita, e os traficantes não respeitam a imprensa”, conta Silva, que relata: “Os bandidos estavam de olho e sabiam onde nós estávamos. Certa vez, estava perto de um policial e os bandidos invadiram a frequência dos rádios, dizendo que iriam nos acertar e eu seria o primeiro a morrer. O policial pediu para manter a calma, que eram apenas ameaças. Você não sabe de onde tá sendo observado e pode morrer sem saber”.
A carreira do fotojornalista é marcada, também, por coberturas em zonas de conflitos no oriente médio. Esteve na Guerra da Síria e na revolta da primavera Árabe, na Líbia. Cobriu o massacre no Cairo, capital do Egito, que vitimou mais de 800 pessoas em um único dia. “Coberturas assim são sempre tensas pela decisão que você tem que tomar. Às vezes é a certa, às vezes, errada. A cada dez minutos você tem que tomar uma decisão e essa decisão significa sua vida.”
Em 2015, saiu como andarilho pelas rodovias do Brasil. Foram 35 dias e 8 mil km rodados – de Chuí, RS, a Piranhas, AL. “O jornalismo passa por um momento de reavaliação profissional e eu ofereci ao jornal sair do Chuí para andar de carona como um desafio para ver a sociedade de uma outra forma. Isso foi relatado em meu blog.
O que os 35 dias caminhando pelo Brasil lhe ensinaram?
Joel Silva: Valores. Quando você desprende-se deles, sua visão muda completamente. Quando vive apenas de comer e dormir, passa a olhar para a sociedade de outra maneira. Não é errado buscar uma casa confortável, as pessoas estão ficando ansiosas e isso é uma coisa ruim. É preciso ter o suficiente para viver de forma confortável. Tudo além disso é excesso e acaba virando um peso. Precisamos rever nossos valores, é o que posso deixar de dica dessa experiência
E sua relação com a morte?
Joel Silva: Comecei a ter contato com a morte nos serviços populares. Depois, foi tornando-se algo frequente, como no Massacre em Cairo. Lá, os manifestantes começaram protestar e o exército os repeliu com tiros, matando mais de 800 pessoas. Fomos até a mesquita onde estavam sendo colocados os corpos. Cheirava a sangue e os familiares apontavam para as manchas nos lençóis que cobriam os corpos. Todas na região da cabeça.
Já esteve frente a frente com ela?
Joel Silva: Várias vezes. Uma bomba explodiu do meu lado; tomei tiro de raspão no Cairo; tive que fugir da Líbia perseguido pelos soldados, pois sabíamos que seríamos pegos, então, fugimos por 17 horas numa van até a capital do Egito. Foi o maior momento de tensão que já tive na vida. Houveram vários momentos onde estive de frente com a morte, e isso é tenso, mexe com a gente. Sobre o tiro, na hora não pensei em nada, só fui refletir depois que voltei do oriente médio. Encaro isso como acidente da profissão, foi só de raspão e estou vivo.
ComTempo: Como não envolver-se?
Joel Silva: É impossível. Sem envolvimento, não há participação na história. Quando você submerge no porão de uma sociedade para trazer ao mundo aquilo que ela não consegue ver, você também é contaminado.
ComTempo: Como sua família reagiu ao saber que iria para zona de guerra?
Joel Silva: Ele são tranquilos. Sabem que tenho cuidado, tenho muito medo – o que ajuda na cobertura – e entendem que é minha profissão. Se acontecesse algo, é porque tinha que acontecer.
Restam traumas?
Joel Silva: Sim. Quando se vai pra zona de guerra, não volta o mesmo. O famoso estresse pós traumático. Não sou a mesma pessoa de quando iniciei na fotografia. O Joel de 1994 não é o mesmo Joel de 2018. Onde há o que há de mais podre, sujo da sociedade, é impossível sair ileso.
O que o Joel de 2018 diria pro Joel de 1994?
Se hoje eu fizesse uma ligação pro Joel de 1994, diria para que continue fazendo aquilo que ele realmente gosta de fazer. Poderia ter morrido no meio do caminho? Sim!
Se tivesse acontecido, sei que teria tomado todas as medidas possíveis para não acontecer. Agora, estou dando uma entrevista para a ComTempo, então, que siga em frente. O medo é a âncora de todo mundo.
É possível ter fé no próximo?
Joel Silva: Sim. A amargura faz parte da vida, mas não podemos entregar-se a ela e dizer que a sociedade está perdida. Ainda há gestos humanos que nos fazem acreditar no próximo.
Confira essa e outras matérias diagramadas na segunda edição da Revista ComTempo.
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