Quem difama os feminismos ou não sabe do que está falando, ou teme a “potência feminista”¹. Para mim, não há uma terceira opção. Ou desconhece as ideias, as lutas, os debates, os ativismos, os esforços de conscientização, as pesquisas e produções acadêmicas, ou teme tudo isso. E por que teme tudo isso?
Os debates, as críticas e as lutas feministas, em sua perspectiva mais interseccional, têm como objetivo o fim das violências e desigualdades estruturais e interligadas, de gênero, raça, classe, hetero-cis-normatividade, dentre outros marcadores. As feministas, e aqui destaco as perspectivas dos feminismos negro e decolonial, dão nome às violências e desigualdades que afetam diretamente e a todo momento, milhões de pessoas no nosso país, e que muitas, mas não todas, estampam as manchetes dos jornais diariamente.
Promover esses debates, nas mais diversas esferas da sociedade, é de extrema importância. Pois os desafios e problemas que precisamos enfrentar e resolver não param de vitimar pessoas ao redor do país. As escolas, ambiente de aprendizado, construção de cidadãos e partilha de conhecimentos, precisam abordar essas questões seriamente. Mas não é tarefa fácil, ainda mais no contexto político no qual estamos vivendo. Em Salvador, no último dia 18 de novembro, uma professora de Filosofia da rede estadual de ensino recebeu uma intimação para depor por “doutrinação feminista” e “conteúdo de cunho esquerdista” em sala de aula (G1, 2021). Outro caso que aconteceu no mês passado, também em Salvador: uma professora de uma escola privada foi afastada da turma por abordar o livro “Olhos D’Água” da escritora Conceição Evaristo (METRO 1, 2021). Isso não tem outro nome. É censura! Por que censurar debates tão necessários como estes?
Diante das distorções e ataques às ideias e reivindicações dos feminismos, é importante que reflitamos. A quem interessa que as pessoas não vivam (!) livres da violência, da opressão e das desigualdades? A quem interessa que as pessoas não sejam livres para expressar suas identidades e definirem seus destinos? A quem interessa a perpetuação do ódio, da violência e do desrespeito contra populações oprimidas e pessoas fora das normas impostas? A quem interessa a manutenção dessas estruturas de opressão?
Segundo a professora e pesquisadora argentina Verónica Gago (2020), “a potência feminista se refere a uma teoria alternativa do poder. Potência feminista significa reivindicar a indeterminação do que se pode, do que podemos – isto é, etender que não sabemos do que somos capazes até experimentar os deslocamentos dos limites que nos fizeram obedecer” (p. 10). Feminismo é sobre liberdade, é sobre equidade, é sobre justiça (social). Quem teme tudo isso? Quem teme o movimento, a luta e o pensamento das mulheres? Esse temor aos feminismos envolve privilégios e poder. Refletindo sobre isso, encontramos a resposta para a pergunta: “quem difama os feminismos?”
¹ Em referência à definição de Verónica Gago (2020)
Referências:
G1. Intimada por ‘doutrinação feminista’, professora de escola da rede pública da Bahia lamenta situação: ‘estou muito abalada’. 2021. Por Eric Luis Carvalho g1, BA. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/11/19/intimada-por-doutrinacao-feminista-professora-de-escola-da-rede-publica-da-bahia-lamenta-situacao-estou-muito-abalada.ghtml. Acesso em: 21 nov. 2021.
GAGO, Verónica. A potencia feminista: ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Elefante, 2020. Tradução de Igor Peres.
METRO 1. Professora do Vitória Régia é afastada de turma por abordar livro de escritora negra em sala de aula. 2021. Por: Tatiane Muniz. Disponível em: https://www.metro1.com.br/noticias/cidade/115433,professora-do-vitoria-regia-e-afastada-de-turma-por-abordar-livro-de-escritora-negra-em-sala-de-aula. Acesso em: 21 nov. 2021.
Mestrando em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo • Internacionalista • Latino-americano • Et cetera • (ele/dele).