Burnout: Esgotamento profissional também é doença

Marcos Pitta

Crise financeira, avanço desenfreado da tecnologia, intensificação dos ritmos de trabalho, acúmulo de função, falta de reconhecimento profissional e pressão são algumas características que colocam em xeque o bem estar psicológico dos trabalhadores e, consequentemente, a produtividade dos mesmos dentro do ambiente de trabalho. Mas o que, afinal, consome tanto o entusiasmo das pessoas? As constantes e cada vez mais competitivas relações no mercado de trabalho podem ser acrescentadas nas respostas.Crise do pânico, depressão e distúrbios de ansiedade são doenças que afetam o psicológico, mas, além destas, singelamente, surge outra doença que afeta a saúde dos trabalhadores: a Síndrome de Burnout.

Essa doença, que é conhecida como esgotamento profissional, está cada vez mais presente e resulta de um estresse crônico provocado por condições desgastantes. Para esclarecer melhor este termo, “Burnout”, numa tradução simples, quer dizer queima total. A doença foi aprovada pelos países membros da OMS (Organização Mundial da Saúde) para entrar na lista oficial de doenças.

Problema mundial 

No entanto, vale lembrar que a Síndrome já é registrada no CID-10 (Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde). De acordo com estudo apresentado pelo Isma Brasil (International Stress Management Association) em 2017, cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com Burnout. Essa proporção é quase idêntica ao resultado apresentado no Reino Unido, onde um a cada três trabalhadores passam pelo problema.

Citada neste estudo, a Alemanha, em relação aos demais países desenvolvidos, possui carga horária menor de trabalho e tem 8% dos trabalhadores sofrendo com a Síndrome. Essa porcentagem se destina de um número de 2,7 milhões de pessoas.

Neste estudo, Ana Maria Rossi, psicóloga e presidente da Isma-BR afirma que o Burnout incapacita a pessoa a ponto de o ato de sair da cama se torna um esforço quase impossível: “É uma sensação de incapacidade, de alienação, insensibilidade, uma cansaço devastador”. A psicóloga ressalta ainda que a pessoa acometida pelo Burnout tem a sensação de não render no trabalho e deixa de ser produtivo, aumentando os erros e caindo na eficácia de produção.

A lista da OMS

As listas da OMS não são apenas compostas de doenças, elas vêm sendo atualizadas com o tempo. A sexta versão é de 1949, um ano após a fundação da OMS, após a Segunda Guerra Mundial, englobando as mais variadas doenças, desde questões respiratórias até um machucado superficial. Cada doença ou problema de saúde recebe um código individual para que todas as instituições de saúde utilizem o mesmo código para classificarem doenças, permitindo um padrão e também estatísticas sobre aquele caso específico.

No começo da década de 90, houve nova atualização e surgiu a CID-10, com mais de 14 mil códigos de doenças e problemas de saúde. A partir desta, surgiu a CID-11, que agora recebe mais de 55 mil doenças e problemas de saúde listados, com riqueza de detalhes, envolvendo mais de 300 especialistas de 55 países.

Esse documento foi apresentado, completamente no formato digital, em junho de 2018 e aprovado na Assembleia Mundial da OMS que aconteceu em maio de 2019, na Suíça. Agora, a etapa seguinte vai entrar em vigor para os 194 países participantes a partir de 1 de janeiro de 2022.

Com a palavra, quem entende do assunto

A ComTempo procurou a psicóloga Naiara Cristina Parro para falar sobre a doença e responder algumas questões relacionadas a esta patologia até então desconhecida por grande parte dos brasileiros. Parro classifica o Burnout como um fenômeno psicossocial: “uma experiência subjetiva de caráter negativo constituída de cognições, emoções e atitudes negativas com relação ao trabalho”.

ComTempo: Quais são os sintomas da Síndrome de Burnout?

Naiara Parro: O sintoma mais comum da Síndrome é a sensação de esgotamento físico e emocional refletida em atitudes negativas, como: ausências no trabalho, agressividade, isolamento, mudanças bruscas de humor, irritabilidade, dificuldade de concentração, lapsos de memória, ansiedade, depressão, pessimismo, baixa autoestima, dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitação, pressão alta, dores musculares, insônia, crises de asma, distúrbios gastrintestinais. Todos esses sintomas podem estar associados à Síndrome. Porém é de extrema importância ressaltar que o sujeito com Burnout não apresentará todos os sintomas citados acima e nem quem apresenta algum desses sintomas é porque sofre desta doença.

ComTempo: Existe algum tratamento imediato para melhorar uma crise no momento em que ela acontece?

Naiara: Infelizmente não existe nada de efeito instantâneo, mas sim a médio e longo prazo. O tratamento da Síndrome de Burnout inclui o uso de antidepressivos e psicoterapia. Gostaria de enfatizar que é necessário a intervenção clínica e psicológica de fato, sendo que uma complementa a outra, pois a psicoterapia auxilia nas causas e sintomas emocionais, e já o uso do medicamento, no controle de sintomas físicos. É importante mencionar que a prática de atividade física e exercícios de relaxamento regulares também são ótimos aliados no controle dos sintomas.

ComTempo: A doença é mais frequente em alguma faixa etária? Ela atinge alguma geração específica?

Naiara: Não existe uma faixa etária ou geração específica para ser “vítima” de Burnout, porém existem muitos estudos sobre classes de trabalho que sofrem mais com essa doença, como profissionais das áreas de Educação, Saúde, Assistência Social, Recursos Humanos, agentes penitenciários, bombeiros, policiais e mulheres que enfrentam dupla jornada. No entanto, de forma geral, qualquer pessoa pode sofrer com o transtorno.

ComTempo: O que fazer quando um conhecido passa por isso? Como apoiá-lo e colaborar com o tratamento?

Naiara: Quem tem Burnout normalmente não percebe, portanto cabe aos amigos, familiares e até mesmo pessoas próximas pontuar a presença dos sintomas e ajudá-lo na busca do profissional adequado para auxiliá-lo neste momento.

ComTempo: Existe um ‘mundo ideal’ para não ter, ou pelo menos diminuir a incidência do Burnout?

Naiara: Infelizmente, com o mundo do trabalho cada vez mais competitivo e acelerado, fica difícil imaginar um cenário ideal onde a Síndrome de Burnout não aconteça. Porém, a prática de atividade física e a adoção de uma vida saudável ajuda significativamente na diminuição da incidência desta patologia.

ComTempo: É preciso se demitir ou abandonar os afazeres durante o tratamento?

Naiara: Não é necessário fazer o desligamento do funcionário, porém, pela legislação atual, portadores de Burnout têm direito a licença médica e, em casos considerados graves, até à aposentadoria por invalidez.

ComTempo: Qual a importância de se nomear e considerar, no âmbito da OMS, um problema que já atinge muitas pessoas?

Naiara: A principal delas é a visibilidade que a Síndrome ganha, facilitando assim a identificação e tratamento do indivíduo.

ComTempo: Por que as pessoas confundem Síndrome de Burnout com a depressão? Qual a diferença entre as duas doenças?

Naiara: O Burnout tem como um dos seus sintomas emocionais a depressão, e por isso muitas vezes o sujeito foca somente nesse quesito, ignorando todo o contexto em que essa depressão se deu. Isso faz com que, em alguns casos, o indivíduo trate somente esse sintoma. A principal diferença entre essa Síndrome e a depressão é que o Burnout se dá por questões ligadas exclusivamente ao trabalho, enquanto a depressão, por si só, não possui causa específica.

ComTempo:  A tendência da Síndrome é aumentar daqui para frente? 

Naiara: Sim. As mudança tecnológicas, o trabalho cada vez mais burocrático, isolado e profissionalizado, que possibilitaram às empresas o aumento da produtividade bem como dos lucros, traz consigo, em maioria, a exposição dos trabalhadores e uma diversidade de cargas tanto na esfera física quanto na emocional, as quais acarretam impactos negativos à saúde dos trabalhadores.

ComTempo: Como é o trabalho de um psicólogo com um paciente diagnosticado com Síndrome de Burnout?

Naiara: A psicoterapia é um ponto fundamental para o tratamento da Síndrome. As sessões consistem, de forma geral, em reduzir sintomas, mudar padrões comportamentais, diminuir a ansiedade, gerenciamento de estresse e restabelecimento do equilíbrio.

Métodos de identificação

Existem diferentes métodos para se identificar a Síndrome de Burnout, mas segundo questionário desenvolvido por um grupo liderado pela psicóloga americana Christina Maslach, que carrega o nome de MBI (Maslach Burnout Inventory), mais de 20 itens são capazes de identificar o grau de Burnout em uma pessoa ou grupo em três dimensões:

Exaustão emocional – O profissional não tem “mais capacidade de dar mais de si em um nível psicológico”, vive sem esperança e com baixa autoestima.

Despersonalização – Elemento ligado a uma perda de sensibilidade e à incorporação de uma atitude negativa sobre o trabalho e as relações.

Satisfação pessoal – Relaciona-se a uma tendência de o profissional se avaliar negativamente o tempo todo; ele se sente infeliz e insatisfeito com seu trabalho.

“É importante tratar a saúde mental de forma objetiva e livre de tabus” 

Essa é uma frase da designer de Moda, Tainara Mistrello Neman, diagnosticada com Burnout em 2018 e que relatou, em entrevista a ComTempo, a situação que viveu com a doença, dizendo só ter ficado sabendo da Síndrome através da psicóloga que lhe atendeu após ficar impossibilitada de trabalhar.

A maior crise enfrentada pela designer foi em 1 de outubro de 2018, mas desde o meio deste ano ela sentia-se bastante esgotada: “estava muito sonolenta, sentindo dores no corpo, secura nos olhos, muito desmotivada, depressiva, eram raros os dias que eu me sentia feliz”, lembra, enfatizando que sentia muita dificuldade em manter a concentração no trabalho.

ComTempo: Como aconteceu essa crise e o que você sentiu?

Tainara Mistrello Neman: Minha cabeça doía, eu dispersava com facilidade, de repente e sem motivos aparentes, sentia vontade de chorar, a noite não conseguia desligar para dormir. Eu não sabia muito bem o que estava sentindo pois trabalhava num emprego que gostava muito, era grata por trabalhar com o que amo, por fazer a faculdade dos meus sonhos, mas ainda assim não sentia satisfação. Essa crise enorme foi em uma segunda-feira, eu estava a caminho do trabalho e quando vi a data na tela do celular, senti o final do ano chegando com todas as responsabilidades e datas limites aproximando-se. Tive uma crise de taquicardia, respiração ofegante, não sentia o ar nos pulmões. Foi paralisante, travei completamente, fiquei em estado de choque. Neste dia percebi que seria necessária a ajuda psicológica para ter qualidade de vida, para conduzir o resto do ano e finalizar as minhas responsabilidades com mais saúde e tranquilidade.

ComTempo: Na época você trabalhava com que?

Tainara: Trabalhava com marketing de moda em uma marca de roupas femininas.

ComTempo: Além do trabalho, outro tipo de função estava acarretando a pressão para esse esgotamento?

Tainara: Além do trabalho eu estava finalizando minha graduação e, com isso, fazendo um trabalho de conclusão de curso. Estava me formando em moda, desenvolvendo uma coleção, fazendo modelagens, escolhendo matérias primas, tecidos, aviamentos, fazendo monografia. Foi um período que me causou muito desgaste físico e emocional.

ComTempo: Após o diagnóstico, qual foi o primeiro passo que você deu?

Tainara: Fiquei afastada do trabalho por alguns dias e levei um tempo para aceitar minhas emoções sem reprimi-las, tentar compreender tudo que eu estava passando e sentindo. Compreender que meu esgotamento físico não era frescura ou ingratidão. Que eu realmente precisava de um tempo para colocar os pensamentos no lugar, precisava descansar, me alimentar sem pressa. O primeiro passo foi iniciar o tratamento com a psicóloga.

ComTempo: Como foi o processo de tratamento? Afinal, está completamente curada hoje?
Tainara: O processo de tratamento foi bem tranquilo. Inicialmente, a psicóloga achou que seria necessária a intervenção psiquiátrica com medicamentos, mas na segunda sessão de terapia ela achou que conseguiríamos tratar sem medicação. Além da terapia, me consultei com uma terapeuta holística que me receitou florais de Bach e, com isso, fui mudando meus hábitos. Hoje me sinto completamente curada, reservo um tempo para autocuidado, pratico exercícios regularmente, me permito parar quando necessário e invisto na qualidade do meu sono. Essas mudanças foram significativas para a minha melhora, qualidade de vida e desempenho no dia a dia.

ComTempo: Você voltou a trabalhar depois de quanto tempo? Como foi o retorno? Ainda há sequelas?

Tainara: Voltei a trabalhar depois de alguns dias afastada e tive um retorno tranquilo, as pessoas perguntaram bastante o que tinha acontecido. Hoje não tenho nenhuma sequela, foi um grande aprendizado para mim, um episódio necessário para me conscientizar da importância de respeitar meu tempo, não tentar abraçar o mundo, compreender que como ser humano eu tenho limitações e necessidades que precisam ser atendidas, aprendi a dar valor ao momento de descanso e lazer, a falar “não” quando necessário.

ComTempo: Como foi a reação das pessoas à sua volta? Você recebeu apoio?
Tainara: Recebi apoio de pessoas à minha volta e percebi que muitas se identificavam com os sintomas em maior ou menor escala. Meses depois, uma colega de departamento também teve uma crise durante o expediente, então percebemos que o ritmo de trabalho não estava adequado e que precisávamos alinhar algumas coisas para que tivéssemos saúde para trabalhar.

ComTempo: Como ajudar uma pessoa que está com a Síndrome? E como ajudar até mesmo antes da pessoa sofrer esse esgotamento?

Tainara: Acho que não julgar é o primeiro passo, a pessoa esgotada não pode ser rotulada como “fresca”, “mole” ou qualquer coisa do tipo, tudo que a pessoa com essa estafa precisa é ser acolhida e respeitada. É necessário incentivar os colegas de trabalho a terem hábitos de vida saudáveis, a terem momentos para cuidarem de si mesmo. É importante ficar atento e quando perceber comportamentos diferentes, muitas faltas, desmotivação, mudanças de humor, por exemplo, chamar o colega para conversar e incentivar o tratamento com o profissional de Psicologia.

ComTempo: Como é sua vida hoje?

Tainara: Bem melhor, com a graduação concluída e troca de emprego, pude organizar meus horários de maneira mais saudável, valorizando minha saúde mental. Consigo praticar exercícios físicos, planejar pausas na rotina para o meu bem estar, cuidar da saúde e alimentação. Aprendi a aquietar a mente, desligar, trabalhar com mais leveza e mais concentrada e a ser mais produtiva. Aprendi a valorizar o meu tempo e a priorizar a saúde. Foi um grande amadurecimento para mim.

ComTempo: Recentemente, a Síndrome de Burnout entrou para a lista de doenças da OMS, qual a importância de estarem dando visibilidade e mais seriedade a esta doença?

Tainara: É muito importante tratar a saúde mental de forma objetiva e livre de tabus. É bom esclarecer que mesmo satisfeito profissionalmente, às vezes, o peso do trabalho pode ser exaustivo. O acompanhamento psicológico é fundamental, não pode mais ser visto como um capricho. É uma doença muito séria, que merece ser prevenida, discutida e tratada com a devida importância. Saúde mental é fundamental e ignorar os sintomas da Síndrome de Burnout não vai fazer com que eles desapareçam, é necessário informar e conscientizar a população que excessos são prejudiciais e o excesso de trabalho pode trazer grandes danos para a saúde. O comportamento workaholic que vem com uma rotina de almoçar em frente ao computador, extrapolar as horas extras, sem nenhuma pausa, acompanhado do consumo de doses altas de cafés, remédios, e estimulantes para manter a produtividade não pode ser visto como um comportamento saudável.

Procure ajuda

A Síndrome de Burnout é uma condição séria, que precisa ser acompanhada por um profissional, então quando os sintomas começarem a aparecer, o indicado é sempre buscar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. A Previdência Social inclui o Burnout entre os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho no título sobre transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho, isso está catalogado no grupo 5 da CID-10 da OMS. A Síndrome pode ser enquadrada ainda como acidente de trabalho e, de acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), o afastamento da situação de atividade profissional que é danosa para saúde é fundamental.

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