“Um conto de fadas bandidas para adultos ingênuos”– Parte 2

    Quentin Tarantino tem trazido para as telas algumas histórias que beiram o constrangimento e o gosto duvidoso, situações que jamais poderiam acontecer no mundo real. Concordo, em parte, com ressalvas, e garanto minhas ressalvas pelos últimos dois ou três anos passados, não só no Brasil, mas, também, no chamado “Primeiro Mundo”. A realidade chegou a superar a fantasia várias vezes, de maneiras patéticas e sórdidas. Tudo exibido sem qualquer pudor nas infinitas telas de televisão e computadores ao nosso alcance para, imediatamente, dar lugar a outra aberração consequente dessa mesma condição humana.

    Nesse meio tempo, caiu nas minhas mãos “Era Uma Vez… Em Hollywood”. O livro! Sim, o filme já havia visto algumas vezes, inteiro e aos pedações, e gostado muito, como todos os filmes anteriores do diretor. Quando comecei o livro, percebi que ele havia feito, mais uma vez, algo inesperado. A história, personagens e situações são exatamente as mesmas, mas vistas e contadas por outro ângulo, em outra ordem, com outras relevâncias. Algo que passou despercebido no filme é explicado em detalhes, sob o olhar que justifica suas motivações. O inverso, também. Cenas longas de grande impacto no filme renderam pouco mais que um parágrafo no livro. Pode ter sido apenas um recurso criativo, claro, para vender o produto. Mas, deixe o ceticismo de lado e me acompanhe. Ele aprofundou os personagens, suas motivações, suas histórias de vida e suas escolhas decorrentes desse percurso. Ele escreveu um livro sobre pessoas reais, sem aspas.

    Quando acabei de ler o livro, claro, como deveria ser, revi o filme. Depois disso, reli o livro…

    “Você é muito nerd!”

    “Obrigado!!!!”

    Os dois se complementam. Não consigo mais imaginar um sem o outro. Comentar sobre o filme sem referências ao livro é impossível para mim. Esse conjunto de obra é um exercício de narrativa (aquela palavra da moda, outra vez!). Tudo parece fazer mais sentido quando se descobre o motivo de frustração de um personagem que, aparentemente, apenas reage em uma cena. Não é mais intransponível aquele muro, a famosa “Quarta Parede”, que separa os dois universos. A motivação do personagem, na tela, se confunde com o que seria seu contraponto no mundo real. É nesse ponto que encontramos, em diversas outras obras, o brilhantismo de uma crítica à realidade na forma de alegorias, metáforas e referências.

    Jamais vou me esquecer da risada que soltei no final de “Pantera Negra”:

    “Em tempos de crise, os sábios constroem pontes, enquanto os tolos constroem muros!”

    Vem junto a isso uma parcela importante de críticas, também. Daquelas que são óbvias e necessárias, ainda que atípicas e desnecessárias, se pararmos para pensar sobre algo e não só “gostar” de algo.

    Muita violência nos filmes do Tarantino? Verdade! Gratuita? Nem sempre, mas, sim, verdade. Diálogos infinitos que levam a lugar algum? Discutível…

    Sobre a violência, concordo, principalmente por um viés gráfico. Não são filmes para assistir durante o jantar. Sobre a motivação dessa violência? Discordo plenamente! O que vemos, quando veiculado nas mídias, as violências perpetradas contra outros, contra nós mesmos, contra o planeta, superam facilmente qualquer roteiro desses filmes. Aquelas crianças na África, mostradas em filmes institucionais, não são produto de efeitos especiais. Elas estão, mesmo, naquelas condições físicas! Os animais feridos e mortos em queimadas não são bonecos ou marionetes. O impulso, ou a motivação que levou um motorista a deixar um pedestre ou um motoqueiro estendido no chão foi causado por uma frustração, uma ofensa, um rasgo de ódio e violência que o autorizou a descarregar as balas de uma arma em outra pessoa ou usar o próprio veículo como instrumento de morte? O mundo real parece ser muito mais rico em violência e vinganças fúteis do que os filmes.

    “No mundo real não tem heróis ou vilões, como nos filmes, mas tem o bem e o mal.”

    É sério, isso? Todos são sempre “bons” ou “maus”?

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