‘Orgulho Além da Tela’ traça uma linha do tempo importante nas novelas e na sociedade

Quem não se lembra do Félix, personagem de Mateus Solano, em ‘Amor à Vida’, novela de Walcyr Carrasco exibida entre 2013 e 2014, na Globo? O vilão gay da novela das nove que depois se redimia e terminava a história protagonizando o primeiro beijo entre dois homens da história das novelas marcou a todos, inclusive Raoni Medeiros, 29, um dos entrevistados do documentário ‘Orgulho Além da Tela’, produzido pelo Globoplay e com três episódios, todos já disponíveis na plataforma.

A série documental

Cenas e personagens LGBTQIA+ que marcaram época ajudaram a pavimentar o caminho para um presente com mais inclusão, respeito e representatividade. Este é o mote da série documental original Globoplay, que faz um retrospecto da trajetória das novelas da Globo, desde os anos 70 até os dias atuais, acompanhando a evolução da pauta na sociedade e na forma como é abordada na ficção.

Antônia Prado, diretora, explica em entrevista ao Gshow que o recorte foi feito em cima de personagens que tiveram mais espaço dentro das novelas, importantes para criar diálogo com a sociedade: “A gente começa com o primeiro, feito por Ary Fontoura em 1970, e, a partir daí, destacamos outros que fizeram essa história avançar”.

A série vai além dos depoimentos e percorre ainda importantes marcos da história do país que contribuíram para maior aceitação das tramas, como para rejeição delas, dentro das novelas.

Toda a produção do documentário é grandiosa, o cenário bem montado, o roteiro muito bem amarrado, ano a ano e a linha do tempo ilustrada na tela para o público o tempo todo, proporcionando a quem assiste, uma viagem no tempo para entender a construção da sociedade e dos personagens, época a época.

Félix e Raoni

Um dos pontos que mais me chamou a atenção está no segundo episódio, quando Raoni é apresentado juntamente com o personagem de Mateus Solano. Ele conta, em entrevista ao Critica em Foco, como conseguiu participar da produção: “Sou muito noveleiro e participo de grupo no telegram sobre novelas. Um dia, o administrador do grupo disse procurar alguém que tivesse relação com personagens LGBTQIA+ nas novelas e eu contei como Félix aconteceu em momento muito forte da minha vida, quando havia acabado de perder minha mãe e houve a reaproximação com meu pai”, conta.

A paixão de Raoni por novelas foi crescendo junto com ele e ao lado da mãe: “A primeira que tenho lembrança é ‘Explode Coração’, tinha 3 anos e via com ela do meu lado. Ao longo do tempo, me descobri gay e não contei para minha mãe, ela sempre me reprimia e meu pai era mais de boa com isso, mas era mais distante de mim. Até que em 2012, quando passava ‘Salve Jorge’, li a sinopse de ‘Amor à Vida’, a sucessora, e descobri o personagem Félix e o destaque que ele teria”.

Foi nesse momento que Raoni resolveu contar tudo para a mãe: “Pensei em conversar com ela enquanto a novela estivesse no ar, falar quem eu sou e aproveitar toda a discussão do universo do personagem. Eu tinha 21 anos, na época, e uma semana antes da estreia da novela, minha mãe faleceu e não tive oportunidade de contar sobre minha sexualidade e nem de assistir ao Félix com ela. Por isso, não consegui assistir ‘Amor à Vida’ inteira, mexeu muito comigo, mas vi a repercussão e acompanhei da metade para o final”.

E é justamente no final da novela e do personagem que a ligação de Raoni com o pai se interliga com a de Félix com o pai César, papel de Antônio Fagundes: “Nesse período, eu estava muito distante do meu pai e, no último capítulo, após a cena do Félix com o César, meu pai me ligou chorando e dizendo que me amava”.

Esse trecho está no documentário, é uma das cenas mais emocionantes quando o Raoni debate sobre o Félix com seu intérprete e são surpreendidos com a entrada dos pais no cenário.

As novelas vão continuar sendo importantes para se discutir o que acontece na sociedade e com isso seguirão acompanhando evoluções e retrocessos. Esse documentário é a prova concreta disso.

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