LIMITES: FICÇÃO OU REALIDADE? – Parte 1

De tempos em tempos, nos deparamos com alguma produção – seja um filme ou livro – que coloca nossa percepção sobre a realidade em xeque. A pandemia tem sido um período de fertilidade para isso, proporcionando inúmeras revisões de obras que, até então, eram consideradas como ficção (científica ou não), algumas até sofríveis, fazendo com que a categoria dessas narrativas chegasse a um novo patamar muito superior, e, também, duvidoso: tornaram-se “premonições”.

Do ponto de vista coletivo, espera-se que seja um evento passageiro (o efeito “premonição”; a pandemia é algo muito mais complexo!), logo caindo no esquecimento, uma moda promovida por explorações excessivas da mídia e do mercado. É possível que o maior destaque seja Dan Brown, ao conseguir esse feito com primor no seu livro “O Código da Vinci”. Considero um exercício delicioso de imaginação e criatividade, um jogo linguístico, principalmente por fazer com que tantos componentes distantes entre si, no tempo e no espaço, unam-se em uma narrativa convincente. Uma parcela significativa de leitores se entregou ao conto dos descendentes de Maria e Jesus, buscando mais informações a respeito de seitas obscuras, signos espalhados pelo mundo e as figuras históricas que construíram tudo isso.

E, para o prazer desses leitores curiosos, incluindo este que vos escreve, havia uma profusão de subprodutos disponíveis para suprir os mais ávidos teóricos da conspiração. Não foi um grande problema, afinal nenhum estrago permanente foi causado e, logo, essa diversão curiosa foi caindo no esquecimento. Houve um breve retorno quando da estreia do filme, mas o terreno já estava bastante ressecado para dar mais algum fruto.

O mesmo pode acontecer com outros temas. Discos-voadores, por exemplo. Alienígenas são um cardápio básico, mas se colocar um tempero novo, voilà! Temos uma nova corrente conspiratória, com novos livros, revistas, podcasts, documentários e tudo o mais que for possível receber uma grife.

Pode fazer a lista: meteoros apocalípticos, criaturas das profundezas-das montanhas-das-geleiras ou de onde quer que você imaginar, vírus + bactérias + epidemias, fantasmas e assombrações…

E é aqui que vou parar!

Não em uma categoria específica, do “sobrenatural”, mas em uma categoria que coloca em dúvida nossa percepção da realidade individualmente, não apenas como um coletivo. Socialmente, podemos até entender e participar de eventos de catarse como “Corra!” ou “O Poço”, instigantes e perturbadores em uma certa dose que funciona para o coletivo. Nesse ambiente, poderão surgir discussões as mais diversas sobre as motivações e conflitos propostos pelas obras, mas com uma certa parcimônia. Sempre haverá alguém a discutir com maior profundidade, sob o olhar psicológico, sociológico, antropológico aquela narrativa. Mas, e na intimidade? Qual o motivo de você ter perdido o sono depois de ver “Midsommar”? Afinal, não é só um filme?

Algumas das provocações promovidas por poucas obras nos fazem adotar um olhar de dúvida, quase desconfiança, direcionado para os outros quando, na verdade, o impasse está dentro de nós, nos fazendo enfrentar nosso íntimo com questionamentos no lugar de um personagem específico, nem sempre o herói.

Deixe uma resposta