AME-OS: Conheça a Atrofia Muscular Espinhal

Você conhece a AME (Atrofia Muscular Espinhal)?

Heitor, João Pedro, Anne Maria, Sarah, Eloá, Miguel, Gabriella, Gabriel, Manuela, João Guilherme, Sofia Helena, Isis, Cecília, Giovanna, Heloisa, Lavínia, Antony, Aghata, Jamilly, Joaquim, Lucas, Bianca, Maria Alice, Davi… Todos eles clamam por amor, um pouquinho a mais, e este pedido vem por um gesto e pode ser dado pela atenção ou um olhar mais apurado para cada uma destas vidas.

Todos estes nomes e tantos outros são de crianças diagnosticadas com AME, a Atrofia Muscular Espinhal, doença rara que, de acordo com o Ministério da Saúde, entra nessa classificação atingindo 65 a cada 100 mil pessoas. Ainda no site do MS, é apontado que, “de acordo com estudos, 80% das doenças raras decorrem de fatores genéticos e 20% estão distribuídas em causas ambientais, infecciosas e imunológicas”.

A AME, segundo o Iname (Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal), afeta até 1 em cada 11 mil nascimentos, mas também é a principal causa genética de morte infantil.

Nesta reportagem, a ComTempo vai lhe contar a história de algumas destas crianças citadas no início do texto, através de seus familiares que lutam, diariamente, em campanhas nas redes sociais e nas ruas para conseguirem valores milionários para salvar a vida de cada uma. 

Você também confere entrevistas com grupos voluntários que auxiliam estas famílias e vai entender quais são os tipos da doença, quem ela afeta em suas variações e conhecer os medicamentos disponíveis. 

O que é a AME

O Iname disponibiliza um livro que explica a AME como: “uma doença genética que causa fraqueza dos músculos que controlam o movimento e a respiração. A doença é progressiva, o que significa que os sintomas pioram com o tempo. A AME é causada pela degeneração progressiva dos neurônios motores da medula espinhal e dos núcleos motores de nervos cranianos”.

A explicação no livro continua enfatizando que “os neurônios motores são as células que controlam as atividades musculares essenciais como andar, falar, engolir e respirar. Eles ligam a medula espinhal aos músculos do corpo. Uma pessoa nasce com todos os neurônios motores que ela terá durante toda a sua vida. Neurônios motores são células que não se regeneram, logo, quando morrem, não se desenvolvem novamente.

Causas e tipos da AME

Uma mutação no gene SMN1, no cromossomo 5, faz com que sejam produzidos baixos níveis de proteína de sobrevivência do neurônio motor, o SMN. É justamente essa proteína, a responsável por ajudar a manter saudáveis os neurônios motores que estão na medula espinhal.

Por conta da baixa produção, eles começam a se degenerar e, consequentemente, os músculos ficam fracos e, com o tempo, atrofiam-se, o que gera fraqueza nos braços e pernas, além da dificuldade em engolir e até respirar.

Na explicação do livro preparado pelo Iname, entende-se que a doença geralmente ocorre em pessoas que herdam duas cópias defeituosas do gene SMN1, uma vem do pai e a outra da mãe.

A AME é classificada em pelo menos cinco subtipos.

TIPO INÍCIO DOS SINTOMAS SINTOMAS
0 Pré-natal Hipotonia profunda e insuficiência respiratória grave já ao nascimento.
1 0 a 6 meses Não consegue sentar sem apoio.
2 menos de 18 meses Permanece sentado de forma independente, porém não consegue andar dessa mesma forma.
3 mais de 18 meses Anda de forma independente, porém pode perder esta habilidade com a progressão da doença.
4 mais de 21 anos Anda e não perde esta habilidade, podendo apresentar certa fraqueza muscular.

Medicamentos para tratamento da AME

Ainda no texto elaborado pelo Iname, independente do tipo de tratamento recomendado, é importante ser iniciado o mais rapidamente possível. “O início precoce da terapia é a única maneira de evitar a degeneração dos neurônios. Em ensaios clínicos de terapias baseadas em SMN, os pacientes que iniciaram o tratamento mais cedo tiveram melhores resultados do que aqueles que iniciaram o tratamento mais tarde”. 

Alguns medicamentos já estão aprovados para uso, são eles: Spinraza, Risdiplam e Zolgensma. 

Spinraza

O medicamento foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a forma de administração é intratecal e deve ser conduzida por profissionais. Mais conhecido por seu nome comercial, Spinraza é uma terapia que aumenta a produção da proteína SMN funcional pelo gene SMN2. 

O tratamento consiste em duas fases: na chamada fase de ataque, são administradas 4 doses por 2 meses. Na fase de manutenção, que se inicia a partir da 5ª dose, o paciente deve receber a aplicação a cada 4 meses, pelo resto da vida. Portanto, no primeiro ano de tratamento, o paciente recebe seis doses. A partir do segundo ano, recebe três doses por ano. 

O Spinraza é disponibilizado pelo SUS desde 2019 por meio do PCDT (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas) para pacientes diagnosticados com AME Tipo 1. Embora existam evidências de que a medicação traga benefício para pacientes de todos os tipos e idades, o protocolo tornou o nusinersena (nome oficial do medicamento) disponível na rede pública para pacientes pré-sintomáticos com até 3 cópias do SMN2, e para pacientes com AME do Tipo 1 com início dos sintomas antes de 6 meses de idade e sem necessidade de ventilação mecânica permanente, como também para pacientes com diagnóstico molecular em fase pré-sintomática e até 3 cópias do gene SMN2. Antes de qualquer movimentação para buscar o tratamento com Spinraza, é preciso confirmar o diagnóstico através do exame de DNA. 

De acordo com o site do Ministério da Saúde, o processo de registro deste medicamento foi priorizado na análise assim que foi protocolado junto à Anvisa, “com o imediato início da avaliação tanto da documentação referente à comprovação de segurança e eficácia, quanto do dossiê de tecnologia farmacêutica”.

Na ocasião, o diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, dizia: “É um medicamento que muda a história da AME, dando uma possibilidade concreta de melhora significativa na qualidade de vida dos portadores dessa doença”. O MS ainda elucida: “Como se trata de uma substância inédita no país, foi um processo mais complexo, envolvendo a avaliação crítica de informações legais e técnicas. Mesmo assim, dado o caráter prioritário que a Anvisa impôs, a análise foi feita de maneira célere, com o registro sendo concedido em cinco meses, desde sua solicitação junto à Agência”. 

Risdiplam 

Este medicamento é uma terapia que atua no gene SMN2. É uma molécula pequena que faz com que esse gene produza uma proteína SMN mais completa. É administrado via oral, atravessa a barreira hematoencefálica e tem ampla distribuição tecidual. 

O Ministério da Saúde afirma que a Anvisa registrou o produto “conforme as normas da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 205/2017, que estabelece procedimento especial para o registro de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras, como é o caso da AME”.

Zolgensma

É este o medicamento herói dos pacientes com AME, e custa valor milionário em dólares que, convertidos em reais, aproxima-se hoje da casa dos R$ 12 milhões. É o Zolgensma que está na vaquinha online das campanhas de doações do João Pedro e da Anne Maria. É também o medicamento do tão esperado Dia Z do João Emanuel, personagens que você irá conhecer, nas suas histórias adiante.

Este medicamento melhora os níveis de proteína SMN funcional através da introdução na célula do paciente de um novo gene SMN1. A terapia gênica Zolgensma, cuja via de administração é endovenosa, em dose única, foi aprovada pela Anvisa em agosto de 2020. Nesta terapia, uma cópia do gene SMN1 é inserida em um vetor viral AAV9 não replicante. No DNA viral, eliminam-se os genes que permitem replicação e patogenicidade do vírus e, no lugar, é inserido o transgene humano normal com o respectivo promotor. O vetor AAV9 é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, permitindo assim a administração endovenosa. Como o fragmento de DNA inserido fica retido no núcleo da célula de forma permanente, o medicamento é aplicado em uma só dose. 

É este o medicamento que o João Pedro precisa.

Ame o João Pedro

João Pedro é de Jaboticabal-SP é foi diagnosticado com AME.
João Pedro tem AME Tipo 2 e é de Jaboticabal-SP. (Foto: Arquivo Pessoal)

O João Pedro é de Jaboticabal, no interior de São Paulo, e é o primeiro personagem real a entrar nesta reportagem. Os pais, em entrevista a ComTempo, contam que o diagnóstico de AME Tipo 2 foi confirmado após teste genético: “Percebemos que ele não firmava as pernas quando estava com 9/10 meses e não engatinhava. Ficamos preocupados e procuramos um neuropediatra que, de cara, já ficou desconfiado e pediu o teste que confirmou a doença”.

Para a mãe de João Pedro, sua rotina é de muito empenho para conciliar todas as atividades que ele precisa fazer durante a semana: “Nós não podemos parar, são graças a estas ações diárias que ele ainda está bem. O nosso dia a dia na convivência com a doença é normal, dentro do cronograma dele. De segunda a sexta ele faz as terapias: três vezes por semana tem fisioterapia; duas vezes por semana tem terapia ocupacional; uma vez é atividade com fono e, outro dia da semana, ele faz uma terapia que se chama bobath. Além disso, o João tem, duas vezes por semana, hidroterapia”.

A mãe explica que, exceto a hidro, todas as outras terapias são realizadas pela APAE  de Jaboticabal: “Os profissionais são maravilhosos e ele gosta muito”, completa. 

O Zolgensma, medicamento que ele precisa para continuar vivendo, precisa ser aplicado antes dele completar 2 anos de vida, é o que conta a mãe na entrevista: “A aplicação do medicamento é feita no Brasil, o remédio vem para cá e é feita num hospital em São Paulo, com a médica dele. Trata-se de uma aplicação simples, intravenosa, com duração de mais ou menos uma hora”.

Para que João consiga o medicamento, familiares, amigos, conhecidos e muitas pessoas se mobilizaram em campanhas como vakinha virtual, pedaladas, lives, feiras, venda de copos e camisetas e diversos outros meios para arrecadarem o total de R$ 12 milhões: “As arrecadações estão indo bem, as pessoas têm ajudado bastante. Para quem quiser contribuir, temos as plataformas digitais, como o facebook e instagram e as pessoas podem entrar, seguir e contribuir. Se não puder contribuir, pode ajudar divulgando para amigos e conhecidos. Isso já ajuda muito. O prazo final de arrecadação é setembro, no máximo outubro”, enfatiza a mãe de João Pedro.

O custo do medicamento é elevado mesmo e a família nunca recebeu parecer oficial sobre o motivo pelo qual Zolgensma é tão caro: “Ele restitui o gene que a pessoa com AME não tem. É muito estudo envolvido, acredito ser por isso o custo tão elevado do medicamento”.

Para ajudar o João Pedro, clique aqui.

O que diz a farmacêutica

Novartis é a farmacêutica responsável pelo Zolgensma que explica: “Este é um medicamento classificado como terapia avançada e tem mecanismo de ação único, não existindo, atualmente, no mercado brasileiro, medicamento que trate a AME com terapia gênica”.

A farmacêutica conversou com a ComTempo para explicar que Zolgensma é uma terapia inovadora que agrega valor aos pacientes que sofrem de uma doença genética grave e progressiva e abre novas possibilidades devido ao potencial de tratar doenças até então com poucas opções terapêuticas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes por evitar a progressão de sintomas degenerativos característicos da doença; contribuindo também para a sociedade em geral, na medida que reduz os impactos na saúde.

A reportagem procurou entender também como é a produção do medicamento, composições e benefícios do Zolgensma para os pacientes com AME e de acordo com a resposta da farmacêutica, esse remédio é “o único tratamento para AME desenvolvido para abordar diretamente a causa raiz da doença, fornecendo uma cópia funcional do gene SMN1. Por se tratar de uma terapia gênica baseada em um vetor viral adeno-associado, o Zolgensma é administrado por meio de uma injeção intravenosa única, em procedimento hospitalar conduzido por médico especialista, conforme métodos estabelecidos — enquanto outras terapias disponíveis para AME são de uso crônico. A administração necessita de uma série de preparos e exames prévios e posteriores à infusão, de forma a garantir que o paciente esteja em condições clínicas adequadas para receber o tratamento e que, posteriormente, continue sendo monitorado por seu médico”.

A explicação continua: “Zolgensma é uma inovação que traz novas possibilidades para o tratamento da AME. Ao interromper ou evitar a progressão da doença, os tratamentos multidisciplinares complementares passam a visar a melhoria contínua dos pacientes. Até o presente momento, o tratamento demonstrou durabilidade sustentada de 5,2 anos após a administração, sendo que o paciente mais velho tratado tem 6,7 anos de idade.

As evidências científicas sobre a eficácia e durabilidade do efeito de Zolgensma têm aumentado gradativamente, demonstrando benefícios em relação à melhora da sobrevida, função motora, conquista e manutenção de marcos do desenvolvimento, função respiratória e bulbar”.

Outro questionamento foi a precificação do medicamento no Brasil, caso haja aprovação para colocá-lo à venda aqui no país. A explicação foi a seguinte: “Tendo sempre em vista a realidade socioeconômica local, foi realizado um grande esforço propondo que o preço lista, que é o (maior preço possível de ser utilizado), de Zolgensma no Brasil, seja o menor preço lista praticado no mundo. Uma vez que o processo de definição final do preço lista seja finalizado, a empresa pretende ofertar ao setor público, condições diferenciadas, de forma a reduzir o impacto orçamentário e viabilizar o acesso dessa terapia reconhecidamente inovadora aos pacientes, no país”.

Questionada sobre o número de pedidos para o medicamento no Brasil, a Novartis disse que a empresa não comenta o assunto. 

Ame a Anne Maria

Anne Maria é de Porto Alegre-RS e foi diagnosticada com AME.
Anne Maria é de Porto Alegre-RS e tem AME. Ela também luta pelo Zolgensma.

Borboletinha. É assim que a pequena Anne Maria é conhecida nas redes sociais, pela campanha para arrecadar os mesmos R$ 12 milhões que João Pedro precisa. 

Anne é de Porto Alegre-RS e a mãe dela também conversou com a ComTempo para contar a história desta guerreira que luta contra a AME: “Quando nasceu, ela estava bem, não apresentava nada que nos chamasse a atenção e, por isso, foi para casa com dois dias de vida”.

A mãe continua contando que, antes mesmo de completar 1 mês de vida, a pequena tinha um ronco no peito e ao ser amamentada, esse ronco aumentava e a deixava preocupada e frustrada: “Eu levava no posto e eles só me davam soro fisiológico pra por no nariz dela e essa rotina foi se repetindo por mais ou menos um mês, até que marcaram pediatra no ambulatório, em 26 de fevereiro [de 2021]. Foi o dia em que Anne nunca mais voltou pra casa, pois ficou internada porque engasgava-se muito no peito e apresentou uma hipotonia, uma paralisia nos músculos”.

A partir disso, Anne passou fazer, todos os dias, exames diversificados, e os médicos não encontravam nada que pudesse orientá-los, segundo relato da mãe, que continua: “Foi, então, que eles partiram para o lado das doenças raras e foi realizado um exame e, de cara, já diagnosticou AME Tipo 1 severa. Esse resultado precisou vir de São Paulo e demorou cerca de três semanas”.

A mãe de Anne Maria conta que ao ser confirmada a AME, os médicos logo solicitaram vaga no Hospital das Clínicas: “O problema é que ela já estava na UTI e encontrar uma vaga foi difícil, demorou para encontrar um leito. Ela estava entubada e precisaram retirar o tubo para colocar o bipap, no formato de girafinha para ela continuar respirando. Com isso, foi solicitada vaga na enfermaria do HC de Porto Alegre e conseguimos”.

A mãe da Anne conta ainda que, no mês de maio, pouco antes do fechamento desta edição, já haviam sido aplicadas três doses do Spinraza e ela já havia notado diferença nos braços da filha: “Os médicos dizem que para confirmarem algo no quadro dela, só é eficaz depois de 2 ou 3 meses de aplicação. Ela passou por duas cirurgias recentemente, uma gastro e outra para corrigir o refluxo”. Até o fechamento desta reportagem,  Anne permanecia no hospital e, de acordo com a mãe, poderia receber alta a qualquer momento para continuar o tratamento em casa. 

Para ajudar a Anne Maria, clique aqui.

João Emanuel teve seu dia “Z”

João Emanuel é do Rio Grande do Sul e recebeu a dose de Zolgensma em 4 de maio de 2021.

Dia “Z” é como as famílias denominam o dia em que o paciente vai, finalmente, receber a aplicação do Zolgensma. Quem conseguiu o medicamento foi João Emanuel, do Rio Grande do Sul, que teve seu dia “Z” em 4 de maio de 2021. 

Para entender como foi a história do João até a tão aguardada aplicação, nós conversamos com os pais que contaram como o diagnóstico surgiu: “Aos 4 meses percebemos fraqueza muscular, então foi coletado exame de sangue, que deu positivo para AME Tipo 1”, explicam os pais que nos falam também da arrecadação: “A campanha teve duração de 1 ano. Iniciou pequenininha e no início foi bem difícil. Tínhamos poucos voluntários e já estávamos na pandemia. Mas, com o esforço das pessoas que chamamos de “Anjos do João” conseguimos alcançar o Brasil e até o mundo. Então, a história do João se espalhou e a campanha cresceu. O valor necessário foi conquistado através da ajuda de muitas pessoas, que doaram, fizeram rifas, eventos, caixinhas de troco solidário, pedágios, lives, teve também um grupo que buscou apoio de artistas, e muito mais. Os voluntários ajudaram de todas as formas, e somos imensamente gratos a eles”.

A ComTempo quis saber a sensação dos pais quando souberam que Zolgensma seria possível: “Uma mistura de emoções como esperança, alegria, gratidão, amor e muita felicidade. O coração ficou a mil. A notícia nos mostrou que quando temos fé em Deus, tudo é possível, e o sentimento de gratidão ficará pra sempre em nossos corações”, emocionam-se os pais.

Após a aplicação do medicamento, os pais contam que “ainda são necessárias as terapias que João continua fazendo: fisioterapia, acompanhamento com fonoaudiólogo, nutricionista, pneumologista. As terapias são necessárias para que os músculos sejam exercitados e, aos pouquinhos, os movimentos perdidos possam voltar”.

Como mensagem final às famílias que estão passando pelo tratamento da AME ou para aquelas que ainda estão no estágio inicial, acompanhando a arrecadação, os pais do João Emanuel dizem que, em primeiro lugar, deve vir a confiança em Deus: “Ter fé e esperança que tudo dará certo apesar de parecer quase impossível; confiar nas pessoas que estão com vocês nessa luta e passar confiança em tudo; ser muito transparente em tudo”, finalizam. 

O que diz o SUS

A ComTempo procurou o Ministério da Saúde e questionou quantos pacientes são atendidos pelo SUS e recebem o tratamento gratuitamente para AME. O MS retornou nossa pergunta especificando: “O medicamento nusinersena 2,4 mg/ml foi distribuído em novembro de 2019 e, desde então, foram atendidos 201 pacientes, sendo que, desse total 169 continuam ativos. Portanto, não existem pacientes diagnosticados com AME tipo 1 em lista de espera para recebimento deste medicamento. A partir do momento em que as Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e do Distrito Federal encaminhem as informações sobre cada paciente novo com AME tipo 1 cadastrado no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), o medicamento é enviado imediatamente”.

Nós também perguntamos como as famílias destes pacientes recebem o tratamento: “Para ter acesso aos medicamentos, o paciente deve se enquadrar nos critérios de inclusão, condutas descritas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Atrofia Muscular Espinhal (PCDT) e apresentar os seguintes documentos: 

  • Cópia do Cartão Nacional de Saúde (CNS);
  • Cópia de documento de identidade;
  • Laudo para Solicitação, Avaliação e Autorização de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (LME), adequadamente preenchido e assinado pelo médico prescritor;
  • Prescrição médica devidamente preenchida;
  • Demais documentos e exames exigidos no PCDT de AME 5q tipo 1, publicado pelo Ministério da Saúde.

O Ministério da Saúde informou ainda, que em relação aos pacientes com AME Tipos 2 e 3, o medicamento nusinersena não foi incorporado no âmbito do SUS.

Como age Zolgensma no corpo: explica quem entende

Dra. Ana Lúcia Langer é médica, pediatra e Presidente da Associação Paulista de Distrofia Muscular.

ComTempo conversou com Ana Lúcia Langer, médica, pediatra e Presidente da Associação Paulista de Distrofia Muscular. 

A especialista começa dizendo o que é importante: “É bastante  importante que o pediatra acompanhe o desenvolvimento neurológico do paciente, qualquer atraso é preciso que seja identificado e investigado. Uma criança que demora para se sentar, uma cabeça que demora para se fixar no pescoço, uma demora na marcha, tudo isso precisa ser investigado”, explica a médica, que continua: “Muitas vezes, a gente percebe que os médicos taxam as crianças de preguiçosas, começam fisioterapia para estimular e, na verdade, o diagnóstico é colocado em segundo plano”.

Segundo Langer, sobre o diagnóstico da AME, “a primeira coisa que eu falo, se eu tenho alguma suspeita de hipotonia ou atrofia, é ir direto para um diagnóstico genético para pesquisar AME. Alguns colegas dosam a enzima creatinofosfoquinase, uma enzima dentro do músculo que pode estar aumentada nas formas menos severas, como a AME Tipo 3, quando o paciente chega a ter marcha, por exemplo”.

A médica diz ainda que outro exame pedido por médicos é a eletroneuromiografia: “Isso acontece quando os médicos estão mais perdidos nos casos. Para realizar este exame, são colocadas duas agulhas dentro dos músculos, por onde passa uma corrente elétrica e, através disso, pode-se saber se a doença investigada encontra-se no músculo ou no motor”, detalha.

No entanto, Langer ressalta que o padrão ouro para diagnosticar a AME, atualmente, é o exame genético: “Muitas associações têm se esforçado para colocar esse exame dentro do teste neonatal, para um diagnóstico precoce que possibilite tratamento prévio que os danos sejam menores às crianças”. 

Zolgensma no corpo do paciente e o diagnóstico da AME através do gene SMN1

Langer explica que existem duas diferenças de aprovação do uso do Zolgensma em pacientes. A primeira é pela Agência Regulatória Americana e a segunda pela Agência Europeia de Medicamentos: “Para que o paciente tome Zolgensma, a partir das exigências do corpo americano, o paciente precisa ter o diagnóstico de AME Tipo 1 ou 2 até os dois anos de idade. Já pelo corpo europeu, não existe limite de idade, mas uma exigência de tomar o medicamento até que a criança alcance os 21 quilos”, explica a médica. 

Apesar desta diferença, as famílias das crianças com AME ainda precisam entender os protocolos rígidos para aplicação do medicamento. Langer explica a recomendação: “O uso concomitante de corticoide desde alguns dias antes da aplicação até algum tempo depois. É um protocolo clínico e existe a possibilidade também de efeitos colaterais, principalmente relacionados ao fígado, então é necessário uma monitorização desses pacientes, através de enzimas hepáticas para que estes efeitos sejam controlados. Por isso, os corticoides são prescritos”. 

Sobre a atuação do medicamento, a médica explica, detalhadamente, como é o funcionamento do organismo de um paciente com AME, comparando com quem não tem a doença: “Existe uma proteína no neurônio motor chamada SMN1 e essa proteína é codificada pelo gene de mesmo nome. Do lado desse gene existe um outro gene meio defeituoso que é o SMN2 que, provavelmente, durante a evolução, foi perdendo a importância. Quando se compara esses dois genes, percebe-se que o SMN1 fabrica 100% de proteínas funcionais e o SMN2 é truncado, é defeituoso e só fabrica 10% de proteína funcional e 90% de proteína truncada. Uma pessoa que não tem AME, possui o gene SMN1 e fabrica essa proteína. Quando se tem AME, o paciente apresenta defeito na produção desse gene SMN1 e só pode contar com o SMN2 e quanto mais cópias SMN2 o paciente tiver, melhor será o fenótipo dela. Então, quando se tem entre uma e duas cópias de SMN2, o diagnóstico é do tipo grave, a AME 1; de duas a três cópias, pode-se diagnosticar a AME de tipo 2 e; quando se tem mais de três cópias, é possível diagnosticar o tipo 3”.

Langer segue seu raciocínio dizendo que o Zolgensma, para atuar no organismo, como está prescrito na bula: “É necessário pelo menos 3 cópias do SMN2”, e continua: “Zolgensma pega o gene SMN1 e injeta na criança. Então, o paciente vai fabricar o SMN1 e, quanto mais precoce isso acontecer, melhores serão os efeitos. Portanto, eu vou dar para o paciente o gene SMN1 que é exatamente a causa da doença e quanto mais precocemente eu der esse gene, mais próximo do normal eu vou ter essa criança”. 

Zolgensma para todos

Instagram do Movimento Zolgensma Para Todos.

A reportagem entrevistou, ainda, Carina Galvão Freitas, idealizadora do Movimento Zolgensma para Todos. Abaixo, você confere a íntegra da entrevista com a coordenadora que explica a ideia deste grupo de voluntários, cujo único objetivo é: dar esperança às famílias dos pacientes com AME através de muita ajuda. 

ComTempo – Como e quando surgiu o movimento Zolgensma para Todos? 

Carina Galvão Freitas – A ideia do Movimento nasceu após o término da Campanha da Antonella de Blumenau-SC, primeiro bebê com AME a conseguir comprar o Zolgensma através de Campanha. Eu, Carina, fui voluntária na campanha dela, pois a causa era muito nobre: uma família lutando para salvar sua filha da doença genética que mais mata bebês no mundo, contra o remédio mais caro do mundo. Quando ela conseguiu alcançar o valor, foi um grande milagre (véspera de Natal de 2019), mas ao mesmo tempo, sentíamos apagar um incêndio na floresta com um balde d’água, pois ela apresentou a nós (através de sua página) outras 6 crianças que iniciaram o mesmo tipo de campanha. E entendemos que, a partir da vitória dela, tantas outras apareceriam, e se demoramos quase 1 ano para ajudá-la alcançar o medicamento, escolher a próxima criança também significava deixar todas as outras “pra morrer de AME”. Sentimos que tínhamos que ajudar todas! Não dava pra escolher apenas uma e permitir que a história se repetisse infinitas vezes.
A ideia surgiu em janeiro de 2020 e se consolidou a partir de março do mesmo ano, quando começamos a fazer contato com políticos que pudessem ajudar e a formar o grupo voluntariado. Em dezembro de 2020 fizemos nosso 1° manifesto presencial em diversas cidades de cinco estados do país.

CT – Qual o foco deste grupo de voluntários?

Carina – Nossa luta é voluntária e tem foco em políticas públicas, que deem acesso ao medicamento. Nosso lema costuma ser “Não queremos seu dinheiro, queremos a sua voz” porque é através da consciência e pressão popular que podemos cobrar das autoridades, providências. Uma vez que uma campanha de arrecadação expõe a criança, sacrifica a família a julgamentos e é incerta. Entendemos que o direito à vida, à dignidade e à saúde está garantido às nossas crianças pela Constituição, pelos Direitos Humanos e pelo ECA.

Lutamos burocraticamente, na prática, desde março de 2020 por:

  • Registro do Zolgensma no Brasil (ocorreu em agosto de 2020);
  • Precificação do Zolgensma no Brasil (estamos nessa etapa);
  • Inserção do Zolgensma no SUS;
  • Diagnóstico precoce (AME no teste do pezinho, aprovado dia 21 deste mês no senado, faltando sanção do presidente, no momento);
  • Capacitação de profissionais na especialização de AME;
  • Que a Novartis abaixe o preço! 

CT – Quantas crianças diretamente vocês conseguem ajudar? Existe número aproximado?

Carina – Sobre o número de crianças, é difícil definir pois, a AME, no teste do pezinho, por exemplo, é algo que vai impactar milhares de AME que ainda nem nasceram. 

Temos uma lista de cadastramento de crianças que buscam Zolgensma, seja por campanha ou via judicial. Ela se mantém, no momento, na média de 50 crianças no Brasil. Porém, é importante entender que nasce 1 AME para cada 10 mil nascidos vivos no Brasil. Estima-se que cerca de 250 a 300 bebês ao ano. Muitos acabam falecendo antes mesmo do diagnóstico (pois a doença atrofia músculos e prejudica o funcionamento de órgãos, principalmente o pulmão). Sua detecção, normalmente, é pelo avanço e a criança está sofrendo intercorrências em casa. Então, o número de crianças que buscam o tratamento pode ser muito maior. 

Como nosso foco são pelos direitos dos AME de acesso ao diagnóstico precoce e ao melhor tratamento precoce, se conseguirmos avançar nas políticas públicas que permitem esse acesso, o número de crianças ajudadas ao longo do tempo é incontável.

CT – Vocês têm uma campanha nacional para tratamento gratuito da AME. Já obtiveram algum retorno? Quando montaram a campanha?

Carina – Temos um abaixo-assinado nacional pelos direitos que reivindicamos. Estamos aguardando obter 100 mil assinaturas (porém a meta é 1 milhão, atualmente tem cerca de 70 mil) para protocolarmos nos órgãos competentes. Sabemos que abaixo-assinado não é instrumento jurídico, mas é instrumento de pressão e expressa a vontade do povo. Acreditamos que todo poder emana do mesmo, como diz nossa Constituição, por isso a ideia é registrar esse pedido! 

Ainda não obtivemos retorno porque não o protocolamos, a intenção é que seja em agosto, apesar de muitas das nossas bandeiras já estarem sendo conquistadas no país. O abaixo-assinado é de julho de 2020.

O papel do Iname

Outra entrevista que a ComTempo traz para finalizar essa reportagem sobre a AME é com Juliane Arndt de Godoi, diretora do Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal, o Iname. Godoi conta sobre o papel do Instituto, os pacientes cadastrados e como funciona o projeto que eles fazem acontecer dentro dos hospitais, capacitando profissionais para lidarem com a doença. 

ComTempo – Qual o papel do Iname?

Juliane Arndt de Godoi – O papel do Iname, como associação, é atuar na busca de tratamento e cuidados adequa Aedos para todos os portadores da doença no Brasil, bem como no suporte incondicional às necessidades das famílias, desde o diagnóstico até a rotina diária de atuação multidisciplinar. Para isso, atuamos em 3 frentes principais: assistência a famílias com AME; advocacia, que é a busca por políticas públicas para AME; e também na capacitação de profissionais.

CT – Quantos pacientes com AME o Iname têm cadastrados atualmente? 

Juliane – Hoje, em nossa base de dados, temos 1316 pacientes, entre crianças e adultos com todos os tipos de AME.

CT – Quantas pessoas já foram ajudadas com o projeto RespirAME? Como ele começou?

Juliane – O projeto RespirAME surgiu pela necessidade que víamos de pacientes recém diagnosticados que não tinham acesso rápido aos respiradores e, com isso acabavam, agravando o quadro clínico e muitas vezes indo para UTI. Através desse programa, nós alugamos os equipamentos e emprestamos para as famílias sem nenhum custo, por um período de 3 meses, para que o paciente comece usar rapidamente a ventilação quando é necessária e, nesse meio tempo, consiga seu próprio equipamento. Já atendemos por esse projeto 38 pacientes, entre crianças e adultos, fornecendo equipamentos, máscaras e ambu.

CT – Como funciona o projeto Iname nos Hospitais? E o que precisa ser feito para uma instituição receber este treinamento? 

Juliane – O projeto Iname nos Hospitais é uma capacitação local para hospitais que atendem pacientes com AME. Já levamos esse projeto para São Luís-MA, Natal-RN e Cachoeiro de Itapemirim-ES. Devido à pandemia, este ano estamos fazendo de forma online, então, todos os hospitais do Brasil podem participar, basta fazer a inscrição dos profissionais pelo site: eventos.iname.org.br Este projeto tem por objetivo capacitar profissionais de saúde que atuam em equipes multidisciplinares de Hospitais que atendem pacientes com AME: médicos, fisioterapeutas, profissionais de enfermagem, fonoterapeutas, nutricionistas, entre outros.

CT – Quantos voluntários compõem o Iname, atualmente? Como o Instituto consegue se manter ativo?

Juliane: Hoje temos 13 voluntários no Iname, que compõem a diretoria, conselho e representantes regionais. Para o instituto se manter ativo, recebemos doações espontâneas que são direcionadas aos nossos projetos.

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