Episódio 4: o futuro do jornalismo na internet

*Escrito por: Marcos Pitta e Gabriela Brack

Enfim, chegamos à era digital! Onde todas as mídias, de alguma maneira, se convergem, conquistam seus espaços de diferentes formas, e onde, mais do que em qualquer outro modo de fazer jornalismo (e até o que vai na contramão disso), encontramos uma infinidade de informações.

Para o quarto episódio da série da ComTempo sobre o futuro do jornalismo, vamos falar sobre essa forma de comunicar tendo como principal mídia, a internet!

Muitos trabalhos bastante aprofundados, que se debruçaram em pesquisas e fatos históricos trazem a origem do jornalismo feito pela web, mas que tal uma breve contextualização?

Assim como pudemos observar nas primeiras transmissões do jornal de rádio, até mesmo a inovação e velocidade (à época não tão veloz assim) da internet teve seu início baseado nos primórdios do jornalismo: vários jornais online foram criados a partir de produtos físicos, as versões impressas.

Ou seja, tudo o que ia para a web era exatamente o mesmo conteúdo que podia ser encontrado nas bancas, com diferença apenas na forma do acesso.

Entre os precursores, citamos o Jornal do Brasil, criado em maio de 1995, seguido pela versão eletrônica do O Globo. A partir daí, foram surgindo iniciativas que já eram nativas digitais, como o Último Segundo, do iG; UOL; e ZAZ (hoje Portal Terra).

Cortamos para 2021. Quase 30 anos depois, o número de sites e portais já é muito maior. Mas, para além da quantidade, qual o papel deles na hora de informar? Quão confiável eles são? E como será no futuro?

Trouxemos alguns dados, e uma profissional com forte atuação na web. A jornalista Luciana Quierati já passou por algumas mídias e, hoje, mais voltada à comunicação digital, ela vai um pouco além nas suas análises, e nos traz mais questionamentos do que respostas. Confira!

Quando o jornalismo web bateu à porta

Jornalista desde 2002, Luciana já trabalhava com comunicação desde 1999, quando estagiou pelos 4 anos de faculdade. “Sempre fui muito enxerida, muito curiosa, queria estar sempre onde as coisas aconteciam”, dizendo que seu maior contato, no núcleo familiar, era assistindo aos telejornais: “aquilo me fascinava muito”.

E a paixão por comunicar segue até hoje, mesmo após 20 anos de carreira: “Sempre que eu ouço uma boa história já quero contar pra alguém, e no jornalismo é a mesma coisa”.

Formada pela primeira turma de Comunicação Social do Imesb, faculdade da sua cidade natal, Bebedouro-SP, Luciana fez poucas pausas na profissão, como quando esteve na Irlanda; e durante seu mestrado, período em que atuava somente em freelancers esporádicos.

Já seu trabalho na web, diferente de uma escolha como o próprio jornalismo, veio como oportunidades, diante da necessidade.

“Meu primeiro trabalho para conteúdo digital foi  quando vim para São Paulo. Vim sem emprego, pedi as contas na Gazeta [de Bebedouro] e decidi me aventurar”.

Acessando o site Comunique-se, ela encontrou uma vaga, mandou currículo e também entrou em contato com o empregador: “puxei assunto na cara dura e consegui a vaga”. Sua função era produzir conteúdo digital para sites de empresas.

Já no seu retorno da Irlanda, Luciana foi indicada por uma amiga jornalista, que também esteve no intercâmbio, a ocupar uma vaga no Portal Terra. Novamente ela destaca que não se tratou de uma escolha, “mas fiquei muito feliz, porque o Terra era muito grande e conceituado”. 

Sua última experiência, e onde segue, é no UOL, onde está desde 2016, que também soube através de uma indicação, “e essa é uma coisa muito importante na nossa vida de jornalista, o network. Muitas vezes as vagas não circulam nos painéis das empresas, mas sim nos bastidores”.

Luciana conta que sua rotina de trabalho no ambiente online já não passa pela produção de reportagens há pelo menos 2 anos. “Trabalho com a edição da home page do site da UOL. Então, [antes da pandemia] eu já não saía da redação, meu trabalho já era interno com a equipe”, citando a necessidade de adaptação ao trabalho remoto, respeitando o isolamento.

Falta de confiança ou de conhecimento?

Assim como temos destacado nos episódios anteriores, o nível de confiabilidade varia entre as mídias quando o assunto é o que as pessoas escolhem para se informar.

No caso dos portais e sites de notícias, de acordo com o Datafolha, apenas uma fatia de 38% dos entrevistados vêem confiabilidade nesse formato. Já com relação às informações por meio das redes sociais, o grau de confiabilidade cai para 12%, sendo estes o penúltimo e último lugar na pesquisa.

Para Luciana, muitas vezes esse descrédito ao que é informado através da web está numa espécie de confusão. “Emissoras de TV nós temos algumas, jornais também não temos a cada esquina, mas sites temos aos montes. E nesse balaio incluo o jornalismo profissional e o jornalismo de balela, o que nem podemos chamar de jornalismo. Talvez falte conhecimento com relação aos principais veículos digitais, porque da mesma forma que o fato é apurado para a TV ou para o impresso, é para os sites de notícias”, destaca a jornalista. 

Luciana analisa ainda outras “vertentes” do jornalismo na web, que, por meio de sites ou redes sociais, levam conteúdos que não passam por trabalho sério de apuração dos fatos. “Muitas vezes o leitor não consegue distinguir um veículo cujos profissionais trabalham duro para checar uma informação de um suposto veículo sem um mínimo de responsabilidade. Uma hora ou outra, esse trabalho superficial acaba caindo no descrédito, e alguns tendem a incluir todos no mesmo balaio, como se nenhum órgão de imprensa fizesse seu trabalho direito. E tem ainda os ‘veículos’ cujo único propósito é divulgar fake news ou matérias tendenciosas, especialmente com fins políticos e eleitoreiros. Muita gente tem ganhado dinheiro com isso.”

Trabalho intenso e necessário

A partir daqui, entramos no grande paradoxo do jornalismo web: no mesmo canal em que menos se há confiança nas informações, está o ambiente mais propício para que sejam disseminadas notícias falsas.

Sempre vivendo períodos de mais ou menos intensidade com as fake news, podemos dizer que desde o início da pandemia do novo coronavírus, seguimos nos deparando com a pandemia das próprias notícias falsas, já que, por exemplo, somos o único país do mundo onde fake news sobre o uso da cloroquina como tratamento para o vírus continua circulando com frequência.

“Político exagerando no discurso não é novidade, mas há os que flertam com a mentira”, observa Quierati, destacando que isso tem exigido, especialmente nos dias de hoje, a produção de um noticiário o mais claro possívelp. “Em vez de noticiar ‘Autoridade tal diz que medicamento X funciona’, é preciso dizer ‘Autoridade tal volta a defender o medicamento X, que não tem eficácia comprovada’. Ou seja, é preciso esclarecer a informação logo de cara, uma vez que muita gente só lê ou compartilha o título.”

A jornalista pontua que se trata de um trabalho imediato e cansativo, visto que acontece a todo momento. “Os políticos falavam em entrevistas, eventos, agora eles estão nas redes sociais jogando informação o tempo todo, fazem lives. Toda hora essas pessoas estão disseminando informações e temos que ficar correndo atrás, vendo o que a pessoa está publicando e corrigir, se for o caso. Não é perseguição, mas se ele está dizendo uma inverdade, uma coisa exagerada, temos que dizer!”.

E o imediatismo, segundo Luciana, é fundamental, para garantir que a informação correta esteja disponível às pessoas no menor espaço de tempo possível.

“O que um governante fala, impacta na vida da sociedade. E o veículo de comunicação tem sua responsabilidade social de tentar desmistificar, esclarecer e tirar dúvidas para que a pessoa não fique com a informação errada”, enfatizando que exatamente pela quantidade de informações a todo momento, o jornalismo não deve se furtar de informar o mais corretamente possível: “Não é porque a autoridade disse, que está certa. Isso faz parte do trabalho do jornalista, sempre foi, mas agora a demanda é muito maior”.

Trazendo ainda mais para o contexto da pandemia, que vem tendo impactos sociais, econômicos, políticos e, principalmente, custando milhares de vidas, Luciana destaca o papel do jornalismo em “mostrar todas as faces de um fenômeno que nunca passamos antes. O jornalista está tendo que se reinventar e pensar muito, porque jornalismo não é só dizer o que está acontecendo, tem essa responsabilidade de impactar, para que iniciativas surjam e não fique só no discurso. Então, existe o trabalho de pensar em como ser jornalista numa época como esta”.

“As mídias independentes pautam a grande mídia”

Fazendo um recorte sobre uma outra maneira de se reinventar no jornalismo web, é possível analisar o papel das mídias independentes, como é o caso da própria ComTempo, que se mantêm por meio trabalho voluntário, ou veículos com pouquíssimos rendimentos para se manterem ativos.

“Existem inúmeras mídias independentes e responsáveis. Há muitos sites que conhecemos mais pelas redes sociais, Instagram ou Facebook, e é um trabalho de formiguinha para conseguir disseminar um conteúdo, e muitas vezes um conteúdo que a grande mídia não abrange, que está lá na periferia”, analisa Luciana.

Para a jornalista, o papel destes veículos é extremamente importante, no sentido de pôr luz em problemas e questões que a grande mídia não alcança. “É uma convergência entre os pequenos veículos que dizem ‘estamos aqui, temos muitos problemas’ e nós olharmos para isso. Então, essas mídias nos dão o alerta sobre coisas que estão acontecendo e muitas vezes não conseguimos enxergar”.

Nem impresso, nem online

Sobre a sua preferência entre um conteúdo online ou impresso, Luciana prontamente escolhe a mídia com maior alcance: “Se quero mostrar pra alguém, é só mandar o link e dizer ‘entra aí’. Se fosse impresso, eu teria que digitalizar para mandar pra alguém (risos)”.

Nesse caso ela se refere à sua reportagem sobre os habitantes de palafitas, em Santos-SP, produzida para o UOL em 2018. Para quem acompanha o trabalho da jornalista, este pode ser considerado um dos grandes feitos de sua carreira, mas não na visão dela mesma: “Em 20 anos, fazemos muita coisa. Às vezes as mais marcantes não são as maiores; às vezes o que marca são coisas que presenciamos e não necessariamente virou uma grande reportagem”, lembrando de uma passagem por Brumadinho-MG, município que sofreu com grande rompimento de barragem de rejeitos de minério, em janeiro de 2019.

Em nossa edição nº 4, em uma ampla cobertura sobre o desastre ambiental criminoso, Luciana nos concedeu uma entrevista sobre sua cobertura. Faça o download da edição clicando aqui.

“Foi muito significativo, porque a realidade que encontramos não está no nosso dia a dia, é fora da curva”, conta a jornalista, revelando que sua maior reportagem da vida não caberá nem nas páginas de um jornal impresso, nem em um link da internet, mas sim em um livro sobre a operação das buscas de Brumadinho, “porque é muita história, mas é realmente o que eu gosto de fazer: contar as histórias, tristes ou alegres, mas contá-las, e o livro tem espaço para isso. Um trabalho bastante aprofundado, desafiador, e ouvindo muita gente”.

Luciana Quierati já navegou pelo impresso e hoje atua com jornalismo web. Ela analisa, nessa entrevista, qual pode ser o futuro do jornalismo dentro dessa mídia que só tende a crescer. (Foto: Arquivo Pessoal).

Prever o futuro ou olhar mais para o presente?

Quebrando a expectativa de trazer previsões, Luciana faz uma análise propositiva sobre o futuro do jornalismo na internet.

Para ela, independentemente das tecnologias, trazendo mais facilidades, oportunidades e maior abrangência, o futuro do jornalismo na web será sobre como atingir as pessoas e fazê-las confiar na informação.

“Muitas vezes, quem fala que não confia na mídia da internet é porque não conhece, ou não se vê representado, então, como vamos fazer para que a sociedade se veja lá, encontre as informações que realmente precisa, de forma clara e rápida?”.

A partir disso, a jornalista destaca que o futuro depende de como pensamos no que estamos fazendo hoje. “O jornalismo, até para se garantir economicamente, tem que pensar em produtos”, exemplificando conteúdos que não se limitam ao conteúdo pronto, mas promovem debates, abrem espaço para interação, “atrair as pessoas oferecendo coisas além”.

Então, fica o questionamento: o que podemos fazer pelo jornalismo web do futuro a partir de agora?

Finalizando nossa série, ainda mais questionamentos serão levantados sobre comunicação: quais são os desafios do jornalismo? Desde o ensino até a prática. Confira em nosso quinto e último episódio!

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Marcos Pitta é jornalista e diretor de planejamento da ComTempo.
Gabriela Brack é jornalista e chefe de redação da ComTempo.
O episódio ainda contou com revisão de Mariana Valverde, jornalista e diretora web do projeto.

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