Episódio 5: presente e futuro do jornalismo do ensino à prática

Escrito por: Marcos Pitta e Gabriela Brack

Impresso, rádio, TV e web. Nós ousamos nesta série. Ousamos porque decidimos dividir o jornalismo apenas nestas quatro esferas. Uma forma bem resumida de falar sobre ferramentas de comunicação, por quantas mudanças já passamos e ainda temos pela frente. Enfim, sobre o próprio ato de comunicar.

E mais do que análises e questões levantadas sobre cada uma destas mídias, a ComTempo finaliza esta série abrindo caminhos: pensar no presente e no futuro do jornalismo, e não só para os jornalistas, mas para todas as pessoas.

Esse sentido se constrói na ideia da informação enquanto direito e serviço público, já parafraseando a entrevistada do nosso quinto e último episódio, a jornalista Aline Camargo.

Coincidência ou não (e ousamos novamente, acreditando em sincronia), uma publicação da jornalista, que também é docente e pesquisadora, ocorreu um dia antes da entrevista.

Assim, nossas discussões se baseiam em pontos fundamentais levantados em seu artigo “Desafios do ensino e da prática de Jornalismo: proposta de discussão”, que pode ser acessado gratuitamente e na íntegra clicando aqui.

Entre mercado e pesquisa: os dois

Formada em Jornalismo desde 2012, além de sempre ter se visto na carreira da pesquisa, Aline acredita numa visão mais plural da prática do jornalismo, em que seja importante transitar pelos dois universos: “Nunca vi como duas coisas diferentes. Sempre falei que o básico de um bom jornalista é ser um bom pesquisador, então, não acho que são coisas separadas. O jornalista precisa saber pesquisar para achar bons temas, boas fontes e até para pesquisar sobre aquele assunto que está cobrindo”.

A jornalista afirma sempre ter vivido num “limbo” entre mercado, carreira acadêmica e docência, tendo precisado escolher um em alguns momentos, quando optou principalmente pela pesquisa e docência.

Em seu currículo, Aline agrega o mestrado em Comunicação; uma especialização em Gestão de Mídias Digitais; e o doutorado em Mídia e Tecnologia, defendido há 1 ano.

Como professora, iniciou em um cursinho pré-vestibular, cursos de inglês e espanhol, passando estágio docente na Unesp de Bauru-SP, onde se formou e, tempos depois, foi professora substituta por 4 anos, além de dar aulas também no Imesb, em Bebedouro-SP.

“A dificuldade que passamos no jornalismo é geral, desde o mercado, e inclusive na área acadêmica, com falta de recursos”, citando sua experiência na Unesp: “Precisava passar por um concurso a cada 6 meses, ganhava mal e com uma demanda de trabalho muito grande”.

Atualmente Aline é concursada de uma assessoria de comunicação em São Paulo, encontrando a estabilidade que precisa para se concentrar em concursos efetivos, no momento bastante escassos em função do Governo Federal. “E dou algumas aulas esporádicas na Univesp, o que foi bom para mim, porque é virtual e não preciso estar em um lugar específico”, acrescenta.

Convergência nas funções e nas mídias

O primeiro ponto levantado durante nossa conversa com Aline já passa por dois dos oito tópicos de discussão do seu artigo: sobre convergência e o fim das linguagens especializadas; e como profissionais do jornalismo têm precisado adotar, mais do que nunca, um perfil multitarefas.

A jornalista parte do princípio: sim, o jornalista é uma área central na vida das pessoas, e não porque os próprios profissionais decidiram isso, mas porque estamos sempre nos baseando em informação.

“O tempo todo buscamos informação, seja para votar; para saber se quero a vacina X ou Y, ou se não quero me vacinar. Todas as decisões que tomamos são baseadas em informação”, e destaca: “Está mais evidente o quanto o jornalismo, o bom jornalismo, é primordial, um direito público, que deveria, inclusive, ser um serviço público gratuito, assim como saúde, educação, saneamento básico, porque entendemos como um direito básico e essencial do ser humano”.

Camargo analisa que, além de buscar informação, o público traz demandas diferentes: por um lado, a confirmação do senso comum, sobre a necessidade de informações rápidas, seja via WhatsApp ou Instagram e Facebook. Mas, ao mesmo tempo, existe a proliferação do jornalismo longform, com grandes reportagens. “‘Ué, mas o leitor quer a notícia mais rápida ou a mais aprofundada?’. Ele quer os dois, porque temos os dois tipos de leitor, e outros vários tipos de leitor”, citando como exemplo a popularização dos podcasts, visto que somos segundo maior consumidor de conteúdo neste formato (apenas atrás dos Estados Unidos), “mas tem gente que não consegue ouvir podcast, porque não tem o hábito, ou porque é mais visual. Então, temos sim demandas diferentes, porque temos um público muito plural, e esse público é plural porque, primeiro, estamos falando de Brasil; segundo, estamos falando de faixas etárias muito diferentes”.

Isso significa que para além de linguagens inovadores que se convergem, é preciso pensar em outros formatos, e Aline cita como exemplo os podcasts “Café da Manhã”, da Folha de S. Paulo, e “Mamilos”, ambos seguindo o chamado metajornalismo, “que são jornalistas comentando sobre ter feito aquele texto, falando sobre o processo de produção. E por que isso interessa? As pessoas querem saber os bastidores daquela notícia, e serve para estudantes de jornalismo, inclusive. Então, não é simplesmente só fazer a reportagem. Quem faz isso há muito tempo é o Caco Barcellos, no Profissão Repórter. As pessoas querem saber os bastidores, e não só os jornalistas, mas as pessoas comuns”.

Na visão da jornalista, o país conta com um público amplo e que sabe o que quer, e essas diferentes demandas podem ser encaradas como uma possibilidade de pensar outras linguagens. Ou seja, diferente do jornalismo dividido em impresso, radiofônico, televisivo, o fim das linguagens especializadas leva todas essas faces da comunicação ocupando o mesmo espaço: o digital.

“E em que isso acarreta? Isso existe há muito tempo e agora está mais escancarada a necessidade do profissional multitarefas: não basta só escrever super bem, mas seu texto precisa estar no digital, saber diagramar, por exemplo”, citando uma pesquisa do Portal Comunique-se, trazida em seu artigo. Ela aponta que 59% dos jornalistas entrevistados disseram que têm entre 3 e 6 habilidades; e 20% disseram ter conhecimento em 7 ou mais habilidades.

A partir daqui, unimos três elementos de um tripé, porém a conta não fecha. A jornalista destaca que vem sendo construído, mais do que nunca, o consenso de que o jornalismo é importante para a sociedade; o profissional está cada vez melhor, buscando ser multifacetado em suas habilidades; e, por fim, a valorização desse profissional, que não acontece.

“Tínhamos a ideia de que fazendo um curso superior, estaríamos garantidos na vida. Hoje não temos essa garantia”, diz Aline, estendendo a reflexão para as demais áreas de atuação.

A jornalista ainda traça o paralelo da lei de oferta e demanda, e até faz uma analogia à uma das maiores dúvidas da humanidade: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? “Temos essa dificuldade: ‘se você acha que não está sendo valorizado, não aceite o trabalho’, mas outra pessoa aceita, porque precisa pagar as contas. Então, é a questão: as pessoas oferecem tão pouco porque sempre tem alguém que aceita; ou é porque alguém precisa aceitar senão fica sem trabalho?”.

Aline Camargo é jornalista e, neste episódio, nos ajuda a compreender os desafios do jornalismo desde sua concepção na sala de aula é à prática. (Foto: Arquivo Pessoal).

Crise na profissão

Na visão de Aline, assim como trazida em seu artigo, a crise na profissão de jornalista pode ser divida em duas questões. A primeira delas, no que podemos chamar de pejotização: a contratação de profissionais enquanto pessoa jurídica, que se apresenta como uma vantagem mascarada, ou “até a página 2”: ganha-se mais, porém sem direitos trabalhistas previstos em contratações via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Citando novamente a pesquisa do Portal Comunique-se, um fenômeno é apontado pela primeira vez na história: o equilíbrio entre jornalistas PJ e CLT. “É uma desvalorização a ponto de quase se equiparar, entre quem tem direitos garantidos, que já não são muitos, e os PJ ‘s”, analisa.

Passaralhos, as demissões em massa de grandes empresas de comunicação e a postura do próprio governo em relação aos profissionais da imprensa também culminam na crise da profissão. “Vemos isso no salário, já que o piso salarial do jornalista, em 10 anos, deve ter aumentado menos de 10%. Temos um presidente como Bolsonaro que ataca jornalistas pessoalmente, pelo nome, inclusive. São algumas maneiras de ver como a profissão está em crise”.

Por fim, uma Medida Provisória “inofensiva”, já que não foi aprovada, mas diz muito sobre a crise pelo simples fato de ter sido proposta: o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, a MP 905/2019 que, entre outras questões, tiraria a necessidade do registro profissional de algumas profissões, como designer e jornalista. “Então, já temos desde 2009 a questão da queda do diploma, e temos outra tentativa, 10 anos depois, de além de não ser mais necessário o diploma, esse contrato faria com que não fosse necessário nem o registro profissional”, pontua a jornalista.

“Quem paga o almoço?”

A frase conhecida do senso comum (e trazida até como uma memória entre as aulas da faculdade de Jornalismo) se encaixa perfeitamente a este contexto: a dificuldade dos veículos de comunicação em se manter financeiramente.

Você, leitor, acha que é necessário pagar pela informação que acessa todos os dias em portais de notícia? Muitas pessoas acreditam que não, tendo a visão de que o acesso deve ser gratuito, e na visão de Aline a internet colaborou muito com isso.

“A pessoa está ali no celular e acha que só paga a internet, ou nem paga se estiver num local público, e aquela notícia chega pra ela gratuitamente, e não é assim”, diz.

Uma simples reportagem custa equipamento, conhecimento técnico, tempo, além outras etapas do processo, como a distribuição, mesmo que pela internet (porque sim, as empresas de comunicação também pagam pelo acesso à internet).

Essa dificuldade em se sustentar passa até mesmo por grandes veículos que dependem de assinatura, como a Folha, passando, evidentemente, pelos menores.

“Se a gente tivesse ideia da importância de uma informação de qualidade, assim como um outro tipo de serviço… Claro que o ideal seria que fosse um serviço público, assim como é na Inglaterra, que os canais públicos são super fortes. O que a população paga é uma taxa de informação, assim como a taxa de água, por exemplo”, explica a jornalista.

Aline também cita exemplos de organizações que buscam meios alternativos de sobrevivência, como é o caso da Agência Pública, que se mantém por meio de editais e concorrendo a prêmios, “e é um jornalismo que já se provou de qualidade, e ainda assim patina nesse sentido de como se manter. Tudo é informação, mas a questão é se existiu esse processo, o jornalismo por trás, a checagem. Não basta a junção de dados, é preciso que tenha um codificador, que é o jornalista”, ressalta.

Ensino, acesso e senso crítico

Para muitos jornalistas (ainda que no Brasil há mais de 10 anos não haja obrigatoriedade do diploma) é na faculdade onde tudo começa. Neste mesmo país que não exige formação para quem comunica, os cursos de Jornalismo são mais de 500, e agora ainda mais especializados.

Até 2012, segundo Aline, o curso se denominava Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo (assim como Relações Públicas, Rádio e TV e Publicidade e Propaganda, por exemplo). A partir de 2013, as formações são de Bacharel em Jornalismo, trazendo mudanças na matriz curricular de todos os cursos.

Além disso, a carga horária aumentou, de 2.700 para 3.000 horas, e os projetos político-pedagógicos podem ser atualizados com certa flexibilização, considerando questões de regionalidade.

Por fim, há ainda a questão do estágio obrigatório, que se manteve 200 horas, “que sou super a favor, mas de repente são locais onde não existem possibilidades para que o aluno faça o estágio”, diz Aline, que interliga a questão a outro tópico, o deserto de notícias.

O termo se refere a cidades em que não existe jornalismo local, e quando existe uma iniciativa, ela não se sustenta. “Novamente os assuntos estão conectados, porque se pensássemos na informação enquanto direito e um bem público, poderiam existir políticas públicas para tentar financiar e ajudar essas iniciativas. Mas vivemos em uma sociedade em que o acesso à informação de qualidade não é um objetivo deles [políticos]”.

E não só o acesso à informação não é um objetivo, como também nosso senso crítico, quando falamos em literacia midiática, que é a própria interação das pessoas com a mídia. Saber “o que compartilhar, como compartilhar uma informação”, completa a jornalista.

Inspirações práticas

Grandes profissionais (e o processo de construção destes) sempre têm suas inspirações, e sobre as que leva para seus alunos, Aline destaca preferir sempre exemplos práticos, atuais e, principalmente, que façam sentido na realidade dos.

Como exemplo, ela cita uma banca de TCC que faria parte na semana seguinte à entrevista para a ComTempo: “O TCC se chama ‘Passa pra elas’, um livro-reportagem com perfis de jogadoras de futebol. Pensei em sugerir um investimento nessa questão do jornalismo literário, porque estamos tendo exemplos como Chico Felitti e Daniela Arbex, uma nova onda de jornalistas escritores. Então, além de um TCC, pode ser um pontapé para se tornar um jornalista escritor, e como eles podem pensar além do básico.

Sempre tento consumir conteúdos que façam sentido, até para conseguir falar a mesma língua dos alunos. E trazer exemplos de outras possibilidades, sem que precise sair da área, mas que possam se ampliar”.

Qual o papel do jornalismo?

Após inúmeras análises, a jornalista afirma ser possível definir alguns papéis para o jornalismo, mas atualmente podemos chamar o principal deles de um quase metajornalismo: mostrar o porquê da sua importância.

“Além do consenso da informação ser importante, mostrar para as pessoas que existe um profissional por trás, que são escolhas, existem processos, maneiras de fazer”, destacando que para além da informação de qualidade, precisa chegar às pessoas a valorização do jornalista.

Como exemplo, a jornalista traz a importância deste papel diante das fake news. “Até que ponto dá para ser imparcial quando existe uma declaração falsa? O que a pessoa vai ler é o título, que traz uma informação falsa. O jornalismo não deve deixar de ser parcial, mas tem coisas que não podemos nos isentar”, e completa: “Um momento ético muito importante para pensarmos o processo, e isso também deve acontecer com os alunos [futuros jornalistas] a partir dos conteúdos que consomem”.

*

Marcos Pitta é jornalista e diretor de planejamento da ComTempo.
Gabriela Brack é jornalista e chefe de redação da ComTempo.
O episódio ainda contou com revisão de Mariana Valverde, jornalista e diretora web do projeto.

Deixe uma resposta