“Você tem medo de quê?” – Parte 3

Não estou preocupado com a rigor de definições técnicas, mas, sim, com nossa percepção e a maneira com que lidamos com esses limites e os riscos impostos por sua perda ou desconhecimento. A lista de motivos para “sentirmos medo” neste ano de 2020 é imensa. É claro que parte da questão vem de uma pandemia que ameaça nossas próprias vidas e a de todos os demais, próximos ou distantes de nós. Nosso sustento financeiro, estabilidade de emprego, adaptação a uma limitação de locomoção e acomodação são as primeiras preocupações (algo com que nos antecipamos em pensar, nos “pré-ocupamos” de algo que ainda virá), pois nos afetam diretamente. Em seguida, passamos a pensar no outro, sob diversos olhares, desde o mais humano que considera o bem-estar dele até o mais egocêntrico, como um risco à nossa própria integridade. Atenção e desconfiança no mesmo terreno de percepção, dependendo do juízo de valores pessoais que nos conduz.

Não é uma regra, apenas um comportamento predominante em uma sociedade menos preparada para uma ocorrência como esta pela qual ainda passamos. Confundimos tudo e todos, colocados no mesmo balaio. Quando isso acontece, a balança do bom-senso pesa mais para o lado da desconfiança. Nós mesmos somos foco de dúvida. Lembre-se de quantas vezes, há alguns meses atrás, você se pegou atento à própria respiração, à temperatura do corpo, se besuntando com álcool em gel. Talvez tenha piorado muito depois que surgiu o termo “assintomático” para a Covid-19. Estávamos duvidando do nosso próprio corpo! Não sei de você: para mim, isso é mais insano do que o salto dado por Indiana Jones! Contudo, é real, reagimos assim, e há uma chance de continuarmos assim por algum tempo, ainda.

Ponto a nosso favor: nada disso foi causado por nós, isoladamente. Digo, a dúvida – e os medos – não pularam de dentro de uma cartola colocada na nossa mesa de jantar na forma de um coelho branco psicopata. Vieram de fora, de “outros”, que não nos informaram com exatidão e integridade sobre o que acontece, sobre as consequências, sobre a gravidade de uma pandemia. Houve uma enxurrada de opiniões, as mais desencontradas e, por vezes, maliciosas possíveis interferindo naquelas outras tantas que buscavam informar com mais rigor. A credibilidade passou da razão para a empatia. Motivos emocionais influenciaram nas atitudes e geraram crenças descabidas. Passamos a usar máscara, ou não, “porque sim”, sob o mando ou desmando de alguém. Retrocedemos a um estágio de Clark Kent muito mais frágil, pois as explicações para nossos novos limites impostos eram conflitantes ou truncadas, sem sabermos, até agora, se a Kryptonita teria algum efeito sobre nós. 

No momento em que adotamos uma ação sob essas influências, impulsivas, nos tornamos diretamente responsáveis por um cenário “pré-ocupante”, agora justificável. Não respondemos apenas por nossa própria integridade quando ignoramos os limites e consequências dos atos que praticamos. Um pensamento que segue esses comportamentos é o de que “não vai acontecer comigo…”. É natural. Claro que, com limites… Alegar e afirmar tal postura de negação, publicamente, sendo um formador de opinião ou um influenciador, poderá levar a atitudes coletivas prejudiciais. Um efeito de insanidade que alguns ditos líderes chamam erroneamente de “massa de manobra”.

Ainda assim, relatos de atitudes extremadas transbordam como brincadeiras, sem considerar a origem e o efeito real desse medo. Pode parecer engraçado ouvir dizer que alguém chegou a lavar a embalagem que recebeu pelo correio, cancelou pedidos de bidurecas vindas da China ou da Coreia por temer que viessem contaminadas, desviou o olhar do vizinho na porta do elevador, como se um vírus pudesse ser transmitido pelo dilatar das pupilas. Sinto dizer, mas não há graça nisso. Há, sim, o reflexo causado por desinformação, insegurança, cegueira para os limites.

Mesmo assim, estes admiráveis novos tempos podem ser extremamente positivos, ainda que traumáticos e, sem dúvida alguma, trágicos. Podemos aprender com eles, descobrir que a superação acontece de maneiras inesperadas, como a quebra de preconceitos, a mudança de opiniões, o olhar atento para as dificuldades do outro. Podemos aprender a desenvolver um critério mais apurado para as informações, observando melhor o mundo à nossa volta, os discursos e atitudes, seja dos governos, das mídias ou dos vizinhos. Não é necessário superar-se como Clark Kent, heroico sem limitações, indestrutível. Ele é o Superman! Basta pararmos para pensar e refletir.

ENCERRAMOS NA PARTE 4!

Deixe uma resposta