“Você tem medo de quê?” – Parte 1

Este ano tem transcorrido como tempos de provações, as diversas mudanças que nos foram impostas com uma força cruel, muito difíceis de serem assimiladas por nós, do ponto de vista do indivíduo, nação e espécie. Não há dúvidas que fomos exigidos a nos superar, não só pela necessidade de um intenso equilíbrio emocional, mas, também, por uma boa dose de coragem, para enfrentar e admitir algumas fragilidades que se tornaram evidentes.

Os medos assumiram muitas formas.

Desde as incertezas do próprio cenário, inédito e inesperado para a maior parte dos viventes, até o enfrentamento dos limites pessoais, todos nós, sem exceção, passamos por momentos de temor em intensidades das mais diversas. Talvez apenas aqueles mais desligados da realidade estejam passando incólumes. Nesse caso, arrisco dizer que eles mesmos são uma fonte importante geradora de medos.

Envoltos por notícias parceladas, desviantes, sensacionalistas, produzidas no calor do momento ou por interesses particulares, a dúvida predominou – e ainda está presente – entre a realidade e a fantasia. Depoimentos equivocados se infiltraram naquelas de teor mais confiável, científicas. No percurso dos dias, acomodados em nossas casas (na medida do possível), víamos algum canal de televisão anunciar um filme “temático”. Nos dias seguintes ao início da quarentena aqui no Brasil, algumas emissoras de televisão ajustaram sua grade de programação para reprisar filmes que exploravam desde epidemias realistas até invasões alienígenas ou de zumbis! E, no meio disso, noticiários que reproduziam as mesmas matérias trágicas infinitas vezes, entremeadas por declarações de governantes que diziam tudo o que poderiam apenas agravar ainda mais nossa percepção já pessimista.

As referências na fantasia estão presentes constantemente, espalhadas nas mídias, e fazer as ligações com a realidade pode resultar em bons pensamentos – exercícios de crítica para a mente – ou em devaneios que nos levam a construir ainda mais temores. O que devemos evitar é confundir a fantasia com a realidade.

Uma dessas fantasias fez com que as ideias fluíssem um pouco sem rédeas, para ver onde iria parar. Não sei se por ousadia, liberdade criativa ou devaneio da minha parte. Não me atrevo a afirmar qualquer uma delas. Seguramente, não será por displicência ou irresponsabilidade. O mais possível é que seja um reflexo, um eco, daqueles pensamentos que nos rodeiam constantemente, como uma nuvem, recorrentes em meses de incerteza e crises. O empurrão final para que eu começasse a escrever foi a leitura de “Superman: Ano Um”, da dupla Frank Miller & John Romita Jr.

Superman, como todos os mitos sérios (!!!), tem sua origem sempre recontada, atualizando-a para o contemporâneo. Como deveria ser, Clark Kent continua sendo um alienígena, Kal-El. Seus poderes, invejáveis. Entre uma reinvenção e outra, ele sempre passa por um período de aprendizagem, que o levará à maturidade, não plenamente resolvido, mas com a capacidade de lidar com seus próprios conflitos. Porém, uma coisa nessa versão chamou minha atenção para a ligação entre fantasia e realidade: a falta de medo no personagem. Clark não parece entender o motivo de se manter discreto, de conter seus poderes. Ele não demonstra compreender, ou recear, as consequências de suas ações. Parece uma força da natureza, inconsequente, seguindo algum instinto fundamental. Você pode dizer que isso não é nada novo, faz parte do crescimento e formação de qualquer criança ou jovem que desconhece quaisquer limites, arriscando a si e aos demais à sua volta em decorrência de seus atos e por aí vai, mas…

INICIADO O ALERTA DE SPOILER!!!

… o que marcou mesmo, foi ele ter vivido essa grande crise de aprendizado e descoberta enquanto estava no exército, como um recruta! Nesse cenário, Clark Kent poderia ter se tornado um soldado, um atirador de elite – o que implica ser, na prática, um “matador profissional”, e não um jornalista, ou o “Azulão” que risca os céus como um pássaro ou um avião! Se não fosse por sua falta de limites, desconhecimento daquilo que mete medo na maior parte da humanidade, possivelmente Kent, C. teria ido parar em alguma guerra insana no meio do Oriente. Seria, possivelmente, respeitado e temido, um arremedo do super-herói da fantasia que preserva a vida a qualquer custo, mesmo que, para isso, seja necessário matar. Em lugar disso, devido a um ato puramente adolescente, foi repreendido por ter passado um tempo na companhia de sereias em Atlântida e… bom… 

ENCERRADO O ALERTA DE SPOILER!!!

… mesmo com todas as reviravoltas inesperadas, vemos um dos super-heróis mais icônicos da indústria cultural salvando o dia! Mais jovem, até franzino, humanizado como a tendência mais recente faz ser o que vemos de releituras de alguns grandes clássicos. Superman, e mais um tanto de outros companheiros extraordinários, chegaram para acabar com todos os nossos receios, como sempre! Ao melhor estilo “super”.

Uma sugestão, antes de continuar: volte lá no começo e leia, em voz alta, o título. Depois, responda, também em voz alta.

Continua…

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