Festa estranha com gente esquisita – Parte 2

Por: César Belardi

O que veio depois de “A Cruzada das Crianças”, a HQ “condenada” pelo representante de uma parcela da população carioca e nacional, foi aterrador, tanto aqui, no nosso próprio país, quanto fora dele. Não temos a exclusividade em tais. Os limites foram ultrapassados e aquele juiz do passado remoto, presente ainda hoje, não só julgou e condenou… também executou o réu! 

Publicamente…

Sob a justificativa embotada de garantir a ordem…

Execução por asfixia…

Assim como outros executados e executadas em seus próprios lares, ruas e carros, fuzilados ou simplesmente deixados para sucumbir à fome ou ao frio, ignorados por serem quem são.

Aquilo que parecia ser uma percepção de “bolha”, infantil, sem perspectiva, fechada no próprio mundo, se transformou… ou melhor, tornou-se explícita e sustentada por um discurso de equívocos reativos que promovia, cada vez mais, respostas indignadas.

Em meio a isso, me encontrei com “Contra A Natureza”, uma belíssima graphic novel de uma jovem autora italiana. Vi uma clara referência a outra alegoria nela, “A Revolução dos Bichos”, mas em um contexto deste primitivo início de Século XXI. O foco todo estava nas relações afetivas, emocionais e sexuais entre espécies diferentes e a intolerância política e ideológica, sustentada por leis e posturas da sociedade civil, com uma mescla um tanto exagerada do sobrenatural. Lembre-se que a autora é italiana, e esse sangue é intenso! Os “criminosos” seriam condenados à reabilitação e, no caso de o processo falhar, extermínio.

Foi o que gerou isto que você lê, agora. Uma revisão dos limites que foram embaçados e criaram um reflexo tosco com o qual se convive e deve ser resgatado, de alguma forma, mesmo que seja difícil encontrar onde todo o avanço da sociedade do final do século passado se perdeu.

Comecei imaginando a reação do mesmo político, defensor dos bons costumes, diante dos conflitos vividos por Leslie, protagonista na graphic novel. Se ele se esforçou para encerrar um evento cultural apenas por ter descoberto o beijo entre dois super-heróis do mesmo sexo, talvez viesse a planejar um bombardeio contra a Itália por ter gerado tamanha aberração. Aliás, bombardeamentos verbais tornaram-se práticas corriqueiras nos últimos meses. Que permaneçam verbais.

Se para ele, e muitos seguidores dessa mesma ideologia de uma “régua baixa”, que nivela toda uma cultura por seu próprio padrão de mediocridade e ignorância, uma publicação pontual, há três anos no mercado até sua descoberta pelo “iluminado”, causou ações jurídicas de amplitude nacional, o que esperar em outras instâncias no nosso país e pelo mundo afora?

Outras produções de HQs já marcaram seu terreno como inclusivas ou conscientes sobre a diversidade mundial: em um certo ponto de sua história, o traje do Capitão América foi usado por um homem negro, assim como aconteceu com o Homem-Aranha; praticamente todos os super-heróis e super-heroínas tiveram suas versões adaptadas para outro gênero, Thor sendo o mais recente (outra vez) a ser vivido por uma mulher; a atual Miss Marvel é uma garota indiana; “The Pro” é uma prostituta com super poderes que faz justiça ao seu estilo; Arlequina tem sérios problemas psíquicos; “The Boys” caçam super-heróis corruptos; Watchmen são desajustados…

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