Nuances da depressão: o transtorno tem causas biológicas, psicológicas e sociais

Escrito por: Laiza Castanhari

A depressão tem solução, porém, sem conhecer as suas variadas dimensões, o tratamento pode ser inadequado e levar a quadros severos

Manifestada de forma silenciosa, a depressão é um transtorno mental que muitas vezes demora a ser cuidado e não recebe a atenção necessária no surgimento dos primeiros sintomas. Quem sofre de depressão está longe de ser anormal, uma vez que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, em todo o mundo, enfrentam o mesmo transtorno, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse número está em ascensão, principalmente entre jovens, porém, muitos casos nem sequer são identificados, e menos de 10% recebem tratamento adequado.

É normal que indivíduos ignorem os sintomas por falta de capacidade em lidar com as emoções, além da vergonha em falar sobre o tema em uma sociedade que não oferece atenção adequada às doenças mentais. Se não somos capazes de nomear o que sentimos, a identificação de um quadro de sofrimento psíquico torna-se limitada e a ajuda necessária não é buscada.

A depressão afeta todas as áreas da vida, leva à dificuldade na realização de tarefas rotineiras e perda ou enfraquecimento de vínculos essenciais. Todas as perdas decorrentes da depressão leva a pessoa depressiva a se afundar ainda mais na própria dor e o quadro torna-se uma bola de neve. “Muitos cometem suicídio para se livrar desta dor e sofrimento”, atenta-se Gabriele de Martini, neuropsicóloga.

“A duração é longa, prolongada, afeta a produtividade, porque a pessoa literalmente não tem forças para fazer nada. Muitas pessoas são afastadas do trabalho, porque a depressão é uma das doenças mais incapacitantes”, observa a profissional.

Da onde vem a depressão?

Sabemos que, em todo o mundo, a depressão é um transtorno recorrente e em ascensão, mas da onde ela vem? Afinal, a depressão é explicada por fatores genéticos, fatores ambientais, desequilíbrios químicos no cérebro, pelo funcionamento da psique ou o contexto social?  Uma sociedade que não olha atentamente às causas da depressão corre o risco de julgá-la como frescura, falta de fé, preguiça ou desqualificá-la de diversas outras formas.

O tratamento ideal da depressão é integrado e individualizado, que transpassa diversas dimensões do sujeito, podendo unir psicoterapia, medicamentos e mudanças no estilo de vida. Isso já indica que a depressão é influenciada por um ou mais fatores que podem estar em desarmonia, por isso devem receber atenção de profissionais.

Ana Luiza Araújo é neurologista e explica como a combinação de diversos fatores pode causar ou agravar estados depressivos: “Existem os fatores genéticos: alguns genes aumentam a predisposição de uma pessoa a ter depressão. Existem os fatores culturais, pois alguns países são muitos frios, tem sol poucos meses no ano, entre diversas crenças e diversidades culturais que podem favorecer ou não a manifestação da depressão. Pessoas que têm doenças crônicas, doenças cardiovasculares, AVC, doenças autoimunes, entre outras, que são mais incapacitantes, também possuem mais chances de ter quadros de depressão associados”.

Ana Luiza atenta-se que fatores ambientais, como o modo de vida da pessoa, também influenciam, assim como circunstâncias sociais. “A depressão acontece bastante em jovens, ultimamente. Quem teve um episódio depressivo prévio tem mais chances de ter novamente”, explica. “Partos traumáticos para as mulheres, eventos estressantes e o estilo de vida com muita carga de estresse pode contribuir. Pessoas de baixa renda, com suporte social precário, podem ser mais afetadas. O uso abusivo de substâncias, medicamentos, álcool e drogas também contribuem para a manifestação da depressão”. Os fatores apresentados podem ser isolados ou em conjunto. “Quanto mais fatores em conjunto, maior o risco”.

A depressão sob o olhar da psicologia

Gabriele de Martini, neuropsicóloga, trabalha com a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Ela explica como a qualidade dos pensamentos e crenças influenciam no funcionamento da mente do sujeito, podendo levar a estados depressivos. “Os pensamentos podem ser funcionais e disfuncionais, onde a predominância na mente depressiva são os pensamentos disfuncionais, ou seja, os que não têm função e não agregam valor algum. Geralmente, o depressivo pensa ser incapaz, fracassado e culpado de tudo.”

Por meio da chamada “tríade cognitiva”, a abordagem analisa interpretações de mundo que podem levar à manifestação da depressão. A visão que a pessoa tem de si mesma, do mundo e do futuro influenciam uma a outra. “A tríade cognitiva é a visão de si mesmo, no qual a pessoa se percebe inadequada, por exemplo: sou uma pessoa sem graça, sou triste e por isso não gostam de mim; a visão de mundo em relação a atividades, trabalho e relações, por exemplo: ninguém gosta do que faço; e da visão do futuro, por exemplo: nada vai melhorar. Na depressão, essa tríade é completamente negativa, uma visão distorcida de tudo, fora da realidade”.

Por último, Gabriele ressalta que o indivíduo depressivo costuma distorcer a realidade, atribuindo interpretações negativas à maioria dos fatos. “As distorções cognitivas dizem como as informações são processadas, são erros na forma de percepção”, explica. “A pessoa depressiva estrutura suas experiências de vida de forma rígida, negativa e absoluta, sem ver outras possibilidades, tem dificuldade de pensar funcionalmente, ou seja, ocasionando erros de interpretação da realidade e julgamento das situações.”

A psicanálise, abordagem fundada a partir dos estudos de Sigmund Freud, também busca fontes para explicar a origem dos sofrimentos da mente humana. Sob essa ótica, a depressão é só a “ponta do iceberg” do que está encoberto na história psíquica do sujeito, ou seja, um sintoma que aparece no corpo, sinalizando que alguma coisa não vai bem.

Assim explica Nathália Yohanna dos Santos, psicóloga e mestranda em psicanálise. “Para entender tal processo depressivo e destrinchá-lo, é necessário imergir nas narrativas pregressas da pessoa que ali se apresenta. Só assim é possível compreender o motivo de determinado sofrimento ter se estruturado e ter sido manifestado justamente como uma depressão”, esclarece.

Para a psicanálise, a depressão diz respeito à constituição subjetiva de cada um, portanto, é preciso resgatar as histórias individuais a fim de compreender porque alguns possuem mais tendências de manifestarem depressão ao longo da vida. “Tudo começa desde bebezinho, então entra nossa composição familiar, nossa formação como sujeito no mundo, a forma que fomos criados, os laços que estreitamos ao longo do tempo, o modo que aprendemos a lidar com as frustrações, ou seja, tudo que nos compõe. E não podemos deixar de mencionar os fatores sociais, econômicos e culturais, que certamente influenciam na nossa configuração como ser no mundo e, consequentemente, na expressão dos nossos sofrimentos”, explica Nathália.

Tristeza passageira ou depressão?

Emoções positivas e negativas fazem parte da experiência humana e todos nós oscilamos entre elas durante a vida. Então, como distinguir um estado de tristeza passageiro, que naturalmente vai sendo transmutado, de um quadro de depressão que precisa de acompanhamento profissional?

Em primeiro lugar, Nathália atenta-se para o fato de que, muitas vezes, “depressão” é usada para estigmatizar dores e sofrimentos inerentes ao ser humano, o que acaba banalizando quadros depressivos. “Mas, na psicanálise, dizemos que o uso das palavras nunca é por acaso, logo, a utilização do significante depressão para referenciar qualquer tipo de tristeza no mundo atual não é mera coincidência”, observa.

“Essa prática, que vem sido incentivada por profissionais da saúde e chegado ao senso comum, diz respeito também à fomentação de uma chuva de diagnósticos para a venda de medicações de modo irrestrito. Além disso, começa-se a naturalizar o não-sentir, a patologização da vida e o apagamento das subjetividades, nos tornando cada vez mais alienados a esse modelo de vida atual”, pontua Nathália.

A tristeza quase sempre tem uma causa facilmente identificável, decorrente de um evento externo. A pessoa consegue direcionar a sua atenção em outros interesses e o quadro de dor vai sendo amenizado com o passar dos dias. “Muitas pessoas, hoje em dia, acham que não podem sentir tristeza, que é errado… E pessoas com qualquer sintoma assim acham que estão deprimidas e querem tomar remédio, mas a tristeza é um sintoma natural”, reforça a neurologista Ana Luiza.

Pessoas em estados de tristeza também podem e, inclusive, é recomendável, que busquem terapias, a fim de aprenderem a lidar melhor com suas emoções e prevenirem o desenvolvimento de transtornos mentais. A tristeza passa a ser patológica quando é persistente e incapacitante, possuindo ou não um motivo identificável.

Ana Luiza explica que a suspeita de depressão aparece quando a pessoa sente tristeza ou falta de interesse na vida quase todos os dias, a maior parte do tempo, durante os últimos quinze dias. Ademais, esse estado causa disfunções na vida da pessoa, como não conseguir realizar o seu trabalho como antes.

A partir desse estado, a neurologista pontua outros critérios médicos que são utilizados para caracterizar o episódio depressivo: perda de interesse ou prazer em coisas que a pessoa normalmente gostava de fazer; insônia ou sonolência excessiva; aumento ou diminuição do apetite; lentificação do pensamento e psicomotora ou agitação; baixa energia; baixa concentração; pensamentos recorrentes de inutilidade ou culpa; pensamentos recorrentes sobre morte ou suicídio.

“É importante frisar que não existe apenas um modo específico de expressar a depressão”, observa a psicóloga Nathália. A pessoa deve procurar ajuda profissional em quadros de sofrimento psíquico e qualquer diagnóstico é feito por especialistas. “Para compreender melhor as nuances que se apresentam em cada sujeito e fugir das consultas rápidas visando logo um diagnóstico, é preciso cavar mais fundo e, para isso, é recomendável a busca de um profissional qualificado.”

Eu já sei que é depressão: como tratar?

A depressão, assim como outros transtornos mentais, possui tratamento e um indivíduo que já apresentou quadros depressivos pode desfrutar de bem-estar mental, desde que busque ajuda e se comprometa com o tratamento. O reconhecimento de um transtorno mental não é sinal de fraqueza, como o estigma social costuma apontar. Ao contrário, necessita-se de coragem para olhar para vulnerabilidades internas e acolhê-las.

“Primeiro de tudo, a pessoa precisa aceitar que tem depressão, pois, como ainda existe o preconceito, muitas pessoas que não aceitam ajuda, acham que conseguem dar conta, mas isso não acontece, pelo contrário, a doença se agrava”, aponta a neuropsicóloga Gabriele.

“Com meus pacientes eu comparo a depressão a um vício de álcool ou droga, quando a pessoa não aceita que precisa de ajuda e diz que vai passar.” Gabriele aconselha que conversar com a família ou alguém de confiança pode ser o primeiro passo para ser ouvido e buscar apoio externo. 

Para o tratamento, é recomendada a psicoterapia e, dependendo do nível da depressão, tratamento medicamentoso com psiquiatra, neurologista ou clínico(a) geral. Uma vez que a depressão também é afetada por fatores ambientais, o cultivo de hábitos de vida saudável é importante para o bem-estar geral, a fim de fortalecer a saúde mental e emocional, amenizar sintomas de depressão e ansiedade ou prevenir que estes se manifestem.

“Os três pilares fundamentais para a saúde mental são uma boa alimentação, uma boa noite de sono e atividades físicas, que ajudam muito na melhora da depressão e, por certo, na qualidade de vida”, ressalta a neuropsicóloga. “Muitas vezes os pacientes reclamam de fazer atividade física, mas eu enfatizo que não precisa ser nada pesado, uma boa caminhada já ajuda bastante. Nesses três pilares, o cérebro produz neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina, que auxiliam no bem-estar.”

E quando não somos nós que estamos em sofrimento psíquico, mas alguém querido ou com quem convivemos? Nesse caso, também é fundamental aprender a lidar com a situação da melhor forma, caso contrário, podemos piorar o quadro de quem precisa de ajuda, mesmo que a intenção seja boa. Gabriele compara a situação a alguém que sofre um acidente ou passa mal e as pessoas em volta solicitam um médico. “Com a depressão é a mesma coisa, precisa-se de cuidados psicológicos e médicos. Incentive a pessoa se cuidar.”

A ajuda de pessoas próximas pode vir de forma simples, como o acolhimento e o não julgamento. Gabriele atenta-se a alguns pontos: “Jamais minimizar e criticar o que esta pessoa está sentindo, isso a faz sentir ainda mais com sentimento de inferioridade, insegurança e incapacidade, reforçando a tristeza e dor; ouvir a pessoa desabafar e acolher, fazendo ela se sentir importante; enfatizar, apoiar a necessidade do tratamento psicológico e, se for o caso, medicamentoso. Isso não tem nada de maluquice, mas, de amor e cuidado com a própria pessoa.”

Não deixe para a última hora, busque ajuda!

Em caso de não saber a quem recorrer, ligue gratuitamente para o CVV (Centro de Valorização da Vida) e receba suporte e orientação emocional: disque 188.

Contato das profissionais consultadas para a matéria (Instagram):

  • Psicóloga Nathália Yohanna dos Santos: @psicanaliseeacao
  • Neuropsicóloga Gabriele de Martini: @neuropsigabrielemartini
  • Neurologista Ana Luiza Araújo: @draanaluizaaraujo

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