Masculinidade: por que devemos nos preocupar com a saúde mental dos homens?

Escrito por: Laiza Castanhari

Comportamentos violentos e autodestrutivos podem ser alertas de que eles têm mais dificuldade em lidar com as emoções e não sabem pedir ajuda.

Existem diversos fatores que, quando combinados, aumentam os riscos de uma pessoa consumar um suicídio. Entre eles, o gênero faz bastante diferença: no Brasil, homens se suicidam três vezes mais que mulheres, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A taxa mundial de suicídios é 7,5 a cada 100 mil mulheres. Já nos homens, essa taxa é 13,7. Uma das explicações para tal disparidade é a agressividade dos homens na escolha dos métodos, que costumam ser mais violentos e letais.

Indivíduos que tentam ou consumam o suicídio sofrem de algum transtorno mental em 96,8% dos casos, segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Sim, homens também estão adoecidos. A escolha por métodos mais violentos não é por acaso ou por questão de força física, visto que a maioria dos homens recorre a armas de fogo ou enforcamento.

Cristiano Mollo é graduando em psicologia e pesquisa sobre masculinidade. “Uma das explicações podemos encontrar no próprio dicionário que traz, como sinônimos de másculo ou masculino, palavras como força, vigor e viril”, observa Cristiano sobre a simbologia da palavra. “Através da definição, qualquer coisa diferente pode estar erradamente fora dos conceitos de masculino, que é muito mais complexo e bonito.”

Observamos uma desproporcional agressividade masculina que, ora é voltada ao próprio indivíduo, ora é voltada ao externo. No Brasil, violência interpessoal é a primeira causa de morte de homens entre 15 e 49 anos, segundo o Ministério da Saúde. Dado que se relaciona também a fatores socioeconômicos do país. Em seguida, aparece acidente de trânsito, doenças do coração e, em quarto lugar, suicídio. A nível mundial, a tendência se confirma entre homens jovens: violência é a segunda causa de mortes, segundo a OMS. Entre mulheres, tal causa não está entre as principais.

O que é destinado ao masculino?

Atos como suicídio e homicídio são a manifestação mais trágica de uma masculinidade violenta, reprimida emocionalmente e que causa profundos danos individuais e sociais. A construção do masculino, até chegar a esse ponto, adoece psicologicamente inúmeros meninos e homens, que manifestam sintomas de maneiras trágicas ou mais sutis, mas sempre perigosas.

O psicólogo Rui Gonçalves da Luz Neto atenta-se que, ao discutirmos as causas de uma masculinidade distorcida, na verdade, estamos falando sobre a masculinidade hegemônica. “É aquela que vem do patriarcado, que é a falsa ideia de que homens são superiores e leva a dominação masculina em todas as suas esferas, inclusive sobre a que sente”, observa. “Desse patriarcado, surge a ideia do homem viril, com hipersexualidade, impelidos a dominar, a ser fortes, a conquistar tudo… Homens passam a acreditar que não podem ser vulneráveis. Daí vem a resistência masculina a cuidar da saúde, tanto física quanto mental, e costumam reprimir o que sentem. O resultado disso é a incapacidade de manejar seus próprios sentimentos.”

Aos homens, são moldadas expectativas que se encaixem no que é ser homem. Qualquer característica que remeta ao feminino lhes é distanciada, sob a ameaça de terem a masculinidade invalidada socialmente ou a orientação sexual questionada. “Essa definição de masculino é tão engessada que o educador Paul Kivel, na década de 80, desenvolveu o conceito chamado Caixa dos Homens”, explica Cristiano. “Uma caixa que representa regras de comportamento que todo homem deveria seguir para ser aceito por outros homens. Dentro dessa caixa, há regras como: ser dominante e agressivo, nunca demostrar fraqueza, evitar expressar emoções, nunca fazer “coisas femininas”, buscar sexo a todo momento, etc. Com tantas regras, há de se imaginar o quanto pesa em nossa sociedade ser homem.”

Uma vez que o ser humano é complexo e busca em si mesmo sua completude, a pressão por performar determinadas características e negar outras produz cobranças que o homem não dá conta de atender integralmente. Nesse cenário de culto à virilidade, fragmentação do sujeito e silenciamento das emoções, o adoecimento psíquico torna-se uma consequência.

“Podemos ver os meninos sendo criados da mesma forma: não pode chorar, não pode ser sensível, não pode ter nenhuma característica que remeta ao feminino. O que é ser homem continua cheio de regras: regras de comportamento pessoal, de atitude social, de relacionamento com as mulheres. Não pode levar desaforo para casa, tem que ser o provedor e muito bem-sucedido”, adenda Cristiano.

“Homens têm voz, mas não liberdade”

As mulheres lutam para irem além dos limitados espaços oferecidos a elas, partirem para a ação e conquistarem autonomia e poderes sociais. Os homens, que já desfrutam de tais privilégios, estão se dando conta que também são prisioneiros da própria estrutura patriarcal que criaram. Ironicamente, uma estrutura que oferece ao masculino a preferência da liderança, comando e voz. O psicólogo Rui constata que “quem manda não tempo de sentir.”

Ele explica: “Quando falamos de masculinidade, estamos falando de relação de poder. O patriarcado é quem dita a vida de homens e mulheres em nossa cultura. A partir desse sistema cultural, ensinamos gênero e poder às nossas crianças. Estabelecemos comportamentos adequados e esperados para garotos.”

A lógica sociocultural é apreendida logo na infância, em frases banais como “seja homem”. “A eles é dado o poder de se aventurar nas brincadeiras. Já as meninas são criadas para serem as rainhas do lar. Essa dominação se estende por toda a adolescência e repercute na vida adulta. Apesar de terem voz de comando, os homens não são preparados para vulnerabilidade. Quando tentam sair da casca imposta pelo patriarcado, são rechaçados, ridicularizados. É muito comum vermos homens que, quando falam de seus sentimentos, serem chamados de “mulherzinha”, numa conotação totalmente pejorativa. Homens têm voz, mas não liberdade”, afirma Rui.

Vulnerabilizar-se para curar-se

Sem reconhecer a própria vulnerabilidade não há espaço para um tratamento emocional. Para os homens, a busca por terapias e autoconhecimento parece ser um caminho mais árduo, uma vez que o acesso às próprias emoções não é estimulado. “Eu diria que os indícios que a saúde mental está comprometida são sempre silenciosos e vorazes”, alerta Rui sobre o silêncio dos homens.

“A maneira como muitos meninos são criados faz com que, muitas das vezes, eles escondam todas as suas dores”, acrescenta Cristiano. “Eles vivem como se usassem uma máscara emocional que esconde seus verdadeiros sentimentos. Uma máscara que, por trás, também pode esconder muita vulnerabilidade ou medo. Será que estamos proporcionando referenciais ideais para que os meninos possam compreender e expressar a sua masculinidade?”, questiona.

Sensibilidade, acolhimento e expressão de sentimentos são características humanas, mas que, por muito tempo, ficaram sob a guarda quase exclusiva das mulheres (também sendo relacionadas à fragilidade, de maneira pejorativa) e foram julgadas inferiores às características masculinas. “Os homens vivem em um profundo silêncio, muitas vezes sofrem em silêncio. Quando os homens sofrem com a perda de um emprego, com um episódio de fraco desempenho sexual, com um processo de divórcio, com uma experiência de traição ou com qualquer coisa que ele considere um fracasso, com quem eles contam?” indaga Cristiano.

Muitas vezes, mesmo cercados de pessoas, eles não cultivam apoio emocional uns aos outros: “Se ele contar em uma roda de amigos vão rir dele ou vão acolhê-lo e buscar junto com ele alguma saída? Se ele contar para a família, vão apoiá-lo ou mandá-lo ser forte? O homem, em geral, não tem uma rede de apoio que não o julgue e o apoie.”

Dessa maneira, as emoções são silenciadas e eles não aprendem uma forma de elaborá-las de maneira saudável, antes que se acumulem, ganhem força e poder destrutivo. “A masculinidade tóxica tem matado muitos homens. Seja pelo descaso dos homens com a sua própria saúde, por não aprender a buscar ajuda, pela sua relação perigosa com a bebida alcoólica e drogas, pela violência que essa masculinidade gera, pelo modo agressivo de dirigir, pelos seus comportamentos autodestrutivos, entre outros fatores”, alerta o psicólogo.

O que é ser homem?

Cristiano nos convida a repensar “o que é ser homem?”, além da masculinidade que é ensinada aos meninos desde cedo e que vem causando tantos danos à sociedade, às mulheres e a eles próprios.

“Porque ser homem vai muito além daquilo que nos ensinam. Ser homem é se desconstruir, abandonar o velho homem e se abrir para o novo. É ser o homem que sente, que se expressa, que abre o coração e diz o que sente. É conseguir reconectar o seu coração junto à sua cabeça. E, principalmente, é ser aquele que tem o desejo de expandir o que significa ser homem”, sugere.

Rui também considera que a masculinidade é capaz de encontrar formas mais completas e saudáveis para ser vivida. “Primeiro ponto é se questionar: que tipo de masculinidade eu vivo? Compreender que estamos aqui por um processo de doutrinação cultural, que nem todo menino precisa gostar de futebol para ser homem, que precisa gostar de carros, que precisa ter amigos de futebol para falar besteiras”, exemplifica. 

Os caminhos podem ser múltiplos e mais libertadores do que aqueles que foram apresentados aos meninos. Já adultos, acompanhamento terapêutico é a recomendação para começar a trilhar esse caminho: “Eu sempre recomendo a terapia e a vivência em grupos de homens. Essa desconstrução acontece no âmbito pessoal, mas com apoio do coletivo. Existem, pelo Brasil, vários grupos de homens que se reúnem para discutir sobre o que é ser homem. Isso é o mais legal. Me parece que, ainda de maneira tímida, os homens acordaram para a possibilidade de viver seus sentimentos e que isso não tem relação com orientação sexual.”

Onde buscar mais informação?

Contatos do graduando em psicologia e do psicólogo respectivamente consultados para a matéria:

  • Cristiano Mollo: @cristianomollo
  • Rui Gonçalves da Luz Neto: @ruigoncalves.psi

Grupos de apoio e conteúdos:

  • MEMOH: oferece rodas de conversas gratuitas para homens refletirem sobre questões masculinas.
  •  Papo de Homem: o portal compilou projetos, instituições e profissionais de todo  o Brasil engajados em repensarem a masculinidade.
  • O Macho da Relação: perfil no Instagram criado por Marcus Boaventura, dedicado a conectar masculinidade saudável à escuta das emoções.
  • O silêncio dos homens: documentário sob iniciativa de Papo de Homem e Instituto PdH.

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