Os 30 anos do Plano Collor: uma era obscura na vida dos cidadãos brasileiros

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Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom

ESCRITO POR: LUIS HENRIQUE DE MELO

Em 1989, na primeira eleição do novo Brasil democrático após anos de regime militar, o liberal Fernando Collor de Mello (à época candidato pelo PRN, atual PTC) era eleito pelo voto direto. Em um segundo turno disputado com Lula, Collor realizou pouco mais de 50% dos votos computados. Era o início da era democrática no país.

Com a prerrogativa de eliminar a corrupção, estabelecer a ordem no país, modernizar a infraestrutura e derrubar a inflação que chegava a mais de 80% ao mês, Collor ascendeu ao poder em Brasília. A população, após anos de ditadura militar, viu no personagem a possibilidade de um futuro mais seguro e estruturado para as próximas gerações.

O plano Collor

Com a inflação galopando dia após dia, era necessário a estruturação de um plano eficiente e estruturado para reestabelecer a economia no país. Zélia Cardoso de Mello, Ministra da Fazenda do então governo, encabeçou o projeto econômico mais ambicioso das últimas décadas à época.

Após 30 anos sem votos diretos, a população pode acompanhar ao vivo via TV, no dia 16 de março de 1990, o lançamento do combo econômico proposto pela então equipe econômica. No auditório do Ministério da Fazenda, diversos jornalistas acompanhavam o pronunciamento da ministra. E ele veio.

“Não temos mais alternativas. O Brasil não aceita mais derrotas. Agora, é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude” – salientou Collor na coletiva. O pacote – batizado de Brasil Novo e popularizado como Plano Collor – constituía, além de uma estabilização econômica, a criação de um imposto sobre operações financeiras (IOF), a troca da moeda cruzado novo para cruzeiro, a extinção de estatais, a demissão de mais de 80 mil funcionários públicos de diversas autarquias, aumento de tarifas sobre serviços públicos (como gás, luz e água) e o congelamento de salários por 45 dias.

 Mas, de todas as medidas apresentadas, uma foi o estopim para acender o alerta de catarse em todos os cidadãos. A medida de confisco de todas as poupanças creditadas até o momento por um período de 18 meses deixou todos os presentes na coletiva e os mais de 140 milhões de brasileiros em choque. Sonhos, projetos, empresas: tudo foi por água abaixo.

Na época, estima-se que o Banco Central deixou retido por 18 meses mais de 80% de todo o dinheiro aplicado em cadernetas de poupança, contas correntes e também no overnight – termo que se refere a aplicações em ações onde a compra e revenda é feita em torno de um dia útil -, chegando a um valor de mais de US$ 100 bilhões, o equivalente a 30% do PIB naquele momento.

A fúria muito além da casa-grande

Após a data de 19 de março, três dias após o lançamento do plano, milhares de correntistas se aglomeraram em longas filas na frente de bancos e caixas eletrônicos com o objetivo de sacar o que restava de suas contas, ou tentar buscar empréstimos para cobrir as dívidas que viriam do momento em diante.

A procura por dinheiro foi tão grande a falta de cédulas foi registrada em diversas agências pelo país. Milhões de brasileiros assustados, sem saber ao certo o que estava acontecendo ou o que estava por vir, tentaram de todas as formas garantir ao mínimo as compras daquele mês. Muitas famílias, com o pouco de dinheiro que conseguiram sacar, foram correndo ao supermercado com o pavor do desabastecimento; muitos preferiram sacar as sobras e guardar em casa; outros foram tirar satisfações com os gerentes de seus bancos.

Pessoas físicas e jurídicas só conseguiam sacar o máximo de 50 mil cruzados novos – o equivalente a pouco mais de 8 mil reais em valores atuais. O restante seria devolvido somente a partir de 16 de setembro de 1991, dezoito meses depois, em 12 parcelas iguais, acrescidas de correção monetária e de juros de 6% ao ano.

O desalento não era apenas das grandes massas. Uma parcela da sociedade maior economicamente favorecidas também viram o dinheiro sumir de suas contas-corrente. Com o único valor disponível para saque, muitos sonhos foram encerrados naquele instante. Milhares de famílias que vinham há anos guardando dinheiro para custear os estudos de seus filhos tiveram que aguardar o tempo para tentar iniciar tudo de novo. Milhares de jovens trancaram suas faculdades; pais encerraram a compra de imóveis ou veículos aos seus filhos; agricultores tiveram que adiar a plantação de produtos por conta da falta de dinheiro para custear a produção. Tudo isso pelo simples fato de não terem acesso a suas poupanças. O clima era quase ditatorial.

No mesmo período, há registros online da constatação de um aumento na ocorrência de doenças psiquiátricas e nervosas como resultado das medidas, que culminaram em infartos, hipertensões, AVC e até suicídio. Em uma entrevista recente ao UOL, indagado sobre a taxa de suicídios ter aumentado na época, Fernando Collor minimizou: “Não tenho conhecimento de aumento das taxas de suicídio, que possa ser associado às medidas econômicas. Falências podem ter havido, mas são parte da dinâmica natural de uma economia competitiva”.

Os bastidores do plano

A ministra Zélia Cardoso não foi a única a gerir e apresentar o Plano Collor naquela coletiva de imprensa. O secretário especial de Política Econômica Antônio Kandir; Eduardo Modiano, presidente do BNDES na época; e Ibraim Eris, presidente do Banco Central, também fizeram parte da composição e apresentação do plano.

Trinta anos depois, em entrevista ao UOL, Zélia falou sobre o tema. Indagada se estava arrependida, Zélia afirmou: Se pudesse voltar atrás com as informações que tinha naquele momento, não mudaria nada. Trinta anos depois, provavelmente, não teria tomado algumas medidas e teria tomado outras”, avaliou a ex-ministra.

O pós-plano

Conforme pesquisas do Datafolha, em 1990, o pacote de medidas havia aprovação de cerca de 81% dos entrevistados. À medida em que o tempo passava, a popularidade do plano foi decaindo. Em 1990, 71% de aprovação; em 1991, 23%.

Logo que foi aplicado, o plano surtiu efeito na economia brasileira. De 84%, a inflação despencou para apenas 3%. No entanto, foi momentâneo: em junho do mesmo ano, subiu para 9%; e em julho, chegou a 12%.

Pouco menos de um ano depois, a ministra Zélia Mello lançou um segundo plano: o Collor II. Porém, não surtiu efeito. Um ano e meio depois, em 10 de maio de 1991, Zélia acaba se tornando ex-ministra, sendo substituída pelo economista Marcílio Marques Moreira.

O impeachment

O governo Collor teve um desfecho trágico. Por ser acusado de liderar um esquema de corrupção, o ex-presidente sofreu um processo de impeachment em 1992, sendo afastado do cargo. Em seu lugar, assume Itamar Franco, seu vice.

Depois de renunciar ao cargo, em 29 de dezembro de 1992, Collor teve seus direitos políticos cassados por oito anos. Após cumprir a punição, o ex-presidente consegue se eleger ao Senado por Alagoas, cargo que assume até os dias atuais.

Os caçadores de marajás do presente

“Caçador de marajás”: era assim como Fernando Collor era intitulado durante sua campanha eleitoral. Com a proposta de exterminar a corrupção e promover o bem-estar econômico do país, foi eleito ao cargo. Nos dias atuais, o cenário não é diferente.

Após o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, em 2016, o Brasil pode reestabelecer a ordem conservadora novamente ao poder. Com as eleições de 2018, o país polarizado e guerras ideológicas, Jair Bolsonaro ascendeu ao poder com os mesmos objetivos: eliminar a corrupção e trazer de volta a riqueza aos cofres do governo. Em meio a uma pandemia, crises governamentais intermináveis e uma redução considerável nos investimentos públicos, os novos caçadores de marajás estão presentes em nosso território, e mais fortes que nunca.

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