ESCRITA POR: KIMBERLY SOUZA
“É uma guerra civil enrustida”, analisa sociólogo sobre os desdobramentos sociais da pandemia.
A pandemia do coronavírus vai deixar um legado na humanidade, visto a reformulação dos modos de conviver em comunidade que o vírus de amplitude mundial impôs. Enquanto não se tem ideia do que será o mundo depois da Covid-19, a ComTempo entrevistou o psicanalista e sociólogo Marcelo da Costa para entender este fato social, que possui desdobramentos sociais, emocionais, políticos, religiosos, econômicos e em todos os outros aspectos que rodeiam a existência humana.
ComTempo – Quais os impactos que a Covid-19 causou na sociedade como um todo?
Marcelo da Costa – A maioria dos estudos relatou efeitos psicológicos absolutamente negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva. Os estressores incluíram maior duração da quarentena, medos de infecção, frustração, tédio, suprimentos inadequados, informações inadequadas, perda financeira e estigma. Lembrando que os seus efeitos em muitos aspectos serão duradouros. Principalmente aqueles que foram colocados em quarentena e relataram uma alta prevalência de sintomas de sofrimento e distúrbio psicológico, depressão, estresse, humor baixo, irritabilidade, insônia, sintomas de estresse pós-traumático, raiva, e exaustão emocional.
A perda financeira também tem sido um problema durante a quarentena, com pessoas incapazes de trabalhar e tendo que interromper suas atividades profissionais sem planejamento avançado; os efeitos parecem duradouros. A perda financeira resultante da quarentena criou sérios problemas socioeconômicos, ainda que programas para fornecer apoio financeiro durante o período de quarentena tenham sido estabelecidos.
CT – Quais grupos foram mais expostos?
Marcelo – Em princípio o vírus não discrimina suas vítimas, mas entre os afetados estão as pessoas com deficiência, que sentem que foram deixadas para trás, até porque medidas de contenção, como distanciamento social e auto-isolamento, podem ser impossíveis para quem depende do apoio de outras pessoas para comer, vestir e tomar banho. Esse apoio é básico para sua sobrevivência, o que é preciso tomar medidas adicionais de proteção social para garantir a continuidade do apoio de maneira segura durante toda a crise. A este grupo o acesso à ajuda financeira adicional também é vital para reduzir o risco de pessoas com deficiência e suas famílias que caem em maior vulnerabilidade ou pobreza. É preciso destacar as mulheres: durante crises como essa, as mulheres fazem contribuições essenciais como respondentes da linha de frente, mas são mais afetadas pelos impactos à saúde, econômicos e sociais do surto. Globalmente, as mulheres representam 70% dos trabalhadores da linha de frente no setor social e de saúde, como enfermeiras, parteiras, faxineiras e lavadeiras. Podemos destacar também as crianças: milhões em todo o mundo provavelmente enfrentarão ameaças crescentes à sua segurança e bem-estar; incluindo maus-tratos, violência de gênero, exploração, exclusão social e separação de cuidadores. Entre os expostos estão também as pessoas idosas de maneiras absolutamente vulneráveis, e os imigrantes e refugiados, vítimas da xenofobia.
CT – Há fatos pitorescos que estão marcando essa movimentação na sociedade?
Marcelo – O inusitado, o contraditório ou o pitoresco é que o momento atual traz à lume a possibilidade de que a pandemia também tem sido um ensejo de teste não apenas para a sociedade, mas para tudo o que envolve o mundo. É a guerra civil enrustida quando cada indivíduo desconfia do próprio vizinho. Ou ainda, cenas pitorescas e assustadoras, a exemplos de clientes que brigam e esbravejam pela última embalagem de papel higiênico. O papel higiênico simboliza controle. A gente usa para “arrumar” algo, para “limpar”. Quando a população ouviu falar do coronavírus, o receio era perder o controle. O papel higiênico é para nós uma forma de manter controle sobre a higiene e a limpeza, como analisa Niki Edwards, da Escola de Saúde Pública e Serviço Social, da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália.
CT – Sobre as pessoas que desmentem ou diminuem a seriedade da pandemia, qual sua opinião?
Marcelo – Aqueles que agem com indiferença, tentam rejeitar as circunstâncias desfavoráveis causadas pelo vírus. A indiferença é uma forma de lidar com a real situação, porém a negação da realidade impede o indivíduo de praticar medidas preventivas. Outra possibilidade é o efeito de um mecanismo de defesa chamado negação, que é exatamente quando alguém tenta se dar conta do que está acontecendo. É o vivenciar de uma circunstância em que para o cérebro é de assimilação, porém a negação e o desespero como mecanismo de defesa entram em evidência para preservar o psiquismo. O choque experimentado pela situação traumática tem o poder de desorientar o indivíduo e para ele torna-se difícil aceitar que a morte seja um fato real, causada por um microrganismo.
A ComTempo tem como principal objetivo, abordar temas que precisam de mais liberdade, atenção, aprofundamento e espaço para discussão na sociedade.