Jornalismo na pandemia

Como a rotina de quem conta a história mudou durante a quarentena.

ESCRITA POR: BRUNA CAGNIN FERNANDEZ

Com todos dentro de casa, os veículos de imprensa se tornaram nossa janela para o mundo. No meio de uma crise sanitária, o jornalismo se torna ainda mais um serviço essencial para o povo, já que a informação pode salvar vidas. No entanto, é necessário também descobrir uma nova – e segura – forma de contar essas histórias. A jornalista Susana Berbert, 27, atua há 4 anos como repórter, e contou para a ComTempo como sua rotina mudou ao ser uma das profissionais que se adequaram ao home office.

ComTempo – Qual a importância do jornalismo e da informação em uma época de pandemia?

Susana Berbert – Em uma época como a que vivemos, informação age como um remédio. É por meio da informação que entendemos o contexto em que estamos, a gravidade da situação e formas de contorná-la. No caso da pandemia, a informação nos traz dados sobre o novo coronavírus, nos leva para experiências em outros países, nos deixa em alerta sobre o avanço da doença e traz até nós descobertas. É apenas a partir das informações que somos capazes de tomar decisões. São elas uma luz em um momento de trevas:  nos guiam, orientam e apontam o caminho da prudência. Mas a informação, assim como um remédio, para ser eficaz, precisa ser de qualidade. Daí entra o papel ímpar e único do jornalismo. Hoje, além de nos depararmos com um vírus letal e muito desconhecido, lutamos contra a epidemia da desinformação e das notícias falsas. Nesse sentido, o jornalismo profissional se mostra ainda mais urgente e único, trazendo para milhões de lares notícias seguras, apuradas e que podem ser consumidas sem preocupações. O jornalismo, hoje, tem mostrado de forma clara seu papel e serviço social, o quanto é indispensável para a manutenção do mundo globalizado e das sociedades democráticas. Sem ele, hoje estaríamos em um limbo.

CT – Como você adaptou à sua rotina de jornalista para o trabalho home office?

Susana – A mudança foi completa. Eu estava acostumada a atuar completamente na rua, trabalhando como repórter na externa. Nesse sentido, passava a maior parte do meu dia executando as pautas e escrevendo as matérias, vivendo em uma troca constante com as equipes de produção e edição, que ficavam na redação. 

Hoje, todo o processo passa por mim. Já faz dois meses que não faço uma reportagem na rua e executo absolutamente tudo de dentro da minha sala. No momento, sou eu quem levanto sugestões de pautas, busco fontes, marco entrevistas, faço as entrevistas, escrevo, gravo o material e mando ele para edição na TV. É um trabalho bem diferente do que a TV exige no dia a dia normal, sempre separado por equipes para otimizar o tempo na rua. Tem sido bem desafiador e tenho aprendido muito. É claro que nesse sentido a rapidez não é a mesma, mas como antes de vir para a TV eu tinha experiência no impresso, está sendo bacana poder retomar esse envolvimento em todo o processo de produção da matéria.

Basicamente, hoje separo pautas que desenvolvo e entrego durante a semana, além de gravar boletins para o jornal da manhã.

CT – Quais as principais diferenças entre a cobertura de outras crises e desta atual?

Susana – No meu caso, a principal diferença tem sido a presença física. Conseguir contar histórias e procurar imagens, entrevistas, sem ter a mobilidade. Em termos da temática, temos também impactos. A epidemia é um cenário inédito no século 21. A maior crise de saúde pública mundial. Com isso, as orientações, descobertas, dados, alteram a cada dia e temos que nos reinventar perante eles. As próprias orientações de como o repórter deve proceder estão em constante mudança. Hoje, na rua, os colegas devem ter um microfone separado para entrevistados, não devem entrar nas residências, devem, inclusive, gravar as passagens usando máscara. Acho que nunca tínhamos vivido algo assim. 

Fora essa questão comportamental, a cobertura também é delicada, uma vez que, como dito, as informações estão constantemente se atualizando. Pesquisas novas mostram que dados passados não estavam tão certos, apontam novos caminhos, sugerem diferentes abordagens. E cobrir tudo isso não é fácil.

CT – O que você acha que o jornalismo está ensinando para o mundo nessa época de pandemia?

Susana – Nos últimos anos temos visto uma desvalorização da palavra impressa e da própria televisão. A imagem ao vivo na TV e os jornais têm sido substituídos pela tela do computador ou do smartphone. O que é natural em muitos casos, e até inevitável. O problema é que junto com essa substituição de “meios”, muitas pessoas deixaram de consumir os conteúdos profissionais e de fontes confiáveis transmitidos por eles. No lugar de abrirem o jornal online ou assistirem as matérias passadas na televisão, confiam em dados e mensagens encaminhadas por aplicativos de conversa, sem nenhuma fonte de verificação. Com a pandemia, o jornalismo tem encontrado um terreno amplo para mostrar sua importância e o valor da informação transmitida por profissionais. É claro que ainda existem milhares de pessoas que agem de uma forma negacionista, desacreditando a imprensa e em fatos, mas a realidade vivida em centenas de cidades do nosso país cada vez mais mostra a veracidade do que é narrado nos jornais. Assim, a importância do consumo de notícias de forma consciente ganha espaço. E esse consumo é fundamental para a manutenção não só da nossa saúde, mas também da nossa democracia. 

CT – Você acha que, a partir de agora, a forma com que o jornalismo é feito irá mudar? Com a questão de home office, gravações com celular e entrevistas mais a distância?

Susana – Eu acho que quando a pandemia passar, o jornalismo televisivo vai ficar muito mais flexível e até aproximado dessa linguagem virtual usada pelos jovens hoje, o que é bom. Essa forma de cobertura aproxima o fazer jornalístico da realidade das pessoas comuns. Afinal, estamos colocando todos os dias matérias no ar gravadas com celular, computador, sentados na sala de nossa casa. É claro que essas não são as condições ideais de uma grande reportagem, mas mostram caminhos possíveis que podem ser incorporados nas nossas práticas quando as medidas de isolamento forem desnecessárias. Antes, existia uma resistência em colocar uma entrevista feita de forma remota no ar. Hoje isso é comum. No dia a dia corrido da TV, matéria produzida, executada e colocada no ar no mesmo dia, nem sempre conseguimos entrevistar mais de um especialista ou mais personagens. Acredito que poderemos pensar em fazer isso por internet para deixar uma reportagem mais completa. Por que não?

CT – Você notou alguma diferença na relação do público com o jornalismo produzido nesta época? As pessoas estão consumindo mais informações? Estão mais receptivas ou agressivas?

Susana – Como não estou saindo na rua, é difícil dosar essa relação. Acredito que as equipes que estão na externa possam falar com mais propriedade. O que percebo é que, se por um lado o consumo de notícias aumentou – todos querem saber o que está acontecendo no mundo e no Brasil – por outro lado, existe também uma agressividade em relação a imprensa, agressividade essa manifestada por parcela da população,  inflamada por discursos de algumas autoridades. Isso faz com que esse momento seja ainda mais delicado e preocupante para quem está na rua.

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