A arte inova seus formatos

Se algumas portas se fecharam, outras se abrem

Escrita por: Ana Clara Silveira

Portas, cortinas e janelas foram fechadas. A pandemia mudou a rotina do mundo de forma irreparável e o tempo para voltar ao que era considerado “normal” é indeterminado. Em maio deste ano, a Universidade de Singapura previa o fim dos surtos no Brasil em dezembro, no entanto as atualizações surgem diariamente e mostram que muitos fatores podem alterar tal resultado. Em alguns países ao redor do mundo, a caminhada por praças e parques públicos têm retornado aos poucos. Evitar novas epidemias e contágios se tornou o principal objetivo do planeta. 

Mas, acrescentado às mudanças em setores como economia e política, a arte ganhou novos formatos e possibilidades de contemplação. Se fosse possível ouvir aos espetáculos, museus e obras de arte, certamente diriam estar saudosos dos olhares atentos e apreensivos do público. Para esclarecer esse panorama, o biólogo e divulgador científico Átila Marinho já afirmou em entrevista à BBC Brasil uma verdade possível: “O mundo mudou, e aquele mundo (antes do novo coronavírus) não existe mais. A nossa vida vai mudar muito daqui para a frente, e alguém que tenta manter o status quo de 2019 é alguém que ainda não aceitou essa nova realidade”.

Recordes virtuais

O setor artístico também se reinventa e muda. Assim como as aulas, os setores de atendimento público e tantos outros modos de trabalho se tornaram virtuais, e com a arte não foi diferente. O desafio que implica em ficar em casa, pode ser exaustivo para algumas pessoas e, por conta disso, precisam de uma atividade de lazer e distração. A UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) identificou em uma pesquisa realizada entre 20 de março e 20 de abril, que os casos de depressão, ansiedade e estresse têm aumentado de maneira preocupante. Para notar e absorver o mundo de uma nova perspectiva, muitas pessoas recorrem as lives de artistas, principalmente cantores.  

Os recordes nas redes sociais foram extraordinários. O Brasil assumiu boas colocações no pódio de visualizações ao vivo no Youtube. Marília Mendonça e Jorge & Mateus foram grandes momentos desses números expressivos. Mas o tempo utilizado na internet não se limitou aos shows. Uma das divulgações feitas pela CNN atesta um aumento de 500%, em março, no acesso ao site da Pinacoteca de São Paulo. Isso comprova que o aumento no tráfego brasileiro e mundial foi generalizado e em muitos aspectos.

Válvula de escape

Tendo os recordes em vista, nota-se que o circo, a pintura, a escultura, a poesia, a música… nenhum desses elementos se limita ao espaço físico, pois encontraram uma nova forma de se aproximar do público.

A especialista em Gestão Cultural Elsa Cortes tem experiência em curadoria de museus e atuou nessa área em Guayaquil, capital do Equador. Ela acredita que “o interessante é que esse momento de pandemia em que estamos trancados e que nos obriga a virtualidade, fez com que as pessoas fossem a mais museus do que possivelmente teriam ido em toda sua vida”.

Os museus se abrem, portanto, não apenas àqueles que estavam habituados às visitas presenciais, como também provoca pessoas – que não tinham tal costume – a conhecerem a riqueza de detalhes, histórias e preciosidades que se encontram em um único espaço. 

Afinal, a arte é uma manifestação humana e permite, como também representa, uma revolução social. Pode ser o ponto de partida para uma nova compreensão do mundo. O estudo desenvolvido pela professora e mestra Andreia Moura, aponta que “o prazer despertado pela arte, embora considerado difícil por alguns, em especial da arte que se constrói sem foco no popularesco, demanda estudo, aprofundamento e tempo de entrega”. Não é difícil, mas é preciso ir além da impressão inicial. E os museus podem se tornar tal meio de inserção no mundo da criatividade e cultura.

“Aura” das obras

Outro aspecto interessante é uma discussão trazida pelo ensaísta Walter Benjamin. Seu estudo avalia a aura das telas e expressões artísticas. Para ele, as obras de arte provocam um sentimento em quem a vê. A reprodutibilidade técnica poderia ser uma maneira de diminuir essa sensação, no entanto, também possibilita que mais pessoas tenham acesso a esse conteúdo. 

E assim, o acesso à cultura, embora não torne alguém superior, permite que haja transformação, tendo em vista o fato de que o conhecimento abre espaços para discussões, anula a ignorância e permite o diálogo. O contato com a arte é uma possibilidade para abrir espaços à diversidade e também incentivar e fortalecer mudanças de caráter social. 

Elsa Cortes complementa seu posicionamento e considera que “o museu está à disposição das pessoas. O museu é como uma Netflix e isso faz uma diferença gigante, porque talvez nesse momento as pessoas possam desenvolver amor pelos museus, para que logo quando as portas se abram, as pessoas tenham a oportunidade de estar mais próximas”.

Dessa maneira, o acesso se torna democrático. Pois, algumas pessoas desanimam por não estarem familiarizadas com obras de arte, mas o primeiro contato virtual abre possibilidade para tal diálogo. 

Visitas online

O historiador Thauan Santana atuou como curador no museu de Sergipe e comenta que “alguns museus, não só no Brasil, como no mundo, trabalham também de forma virtual. Eles disponibilizam sites, em que você consegue fazer visitas virtuais. E claro, esses sites possuem recursos autoexplicativos em que as pessoas que visualizam conseguem ter acesso às coisas que têm no museu, como conhecimento de telas, conhecimento de obras ou qualquer outra natureza e temática específica dos museus”. 

Museu de d’Orsay é um museu na cidade de Paris, na França

As salas e experiência virtual trazem uma experiência nova e significativa. Entre as possibilidades está a Pinacoteca de São Paulo, porque tem um rico acervo nacional. Seu foco está nas criações de artistas brasileiros desde o século XIX até a atualidade. Almeida Júnior e Cândido Portinari podem ser vistos com um simples clique.

Para quem busca alternativas internacionais, a Galeria Uffizi pode ser visitada online. O museu físico está em Florença na Itália. A cidade é conhecida pelo grande impacto que teve no Renascimento e sempre ser um dos pilares das revoluções culturais. Grandes nomes são encontrados netsa galeria, como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Raffaello, Caravaggio e Botticelli, posteriormente nomes adaptados para o desenho dos “Tartarugas Ninja”.

Para encontrar outras opções, a busca no Google por museus que disponibilizam tais visitas não é complexa. Por exemplo, o Museu de Arte Ohara fica em Kurashiki, no Japão, e possui grandes obras do mundo oriental, disponibilizando facilmente sua visitação.

São muitas alternativas virtuais para visitar durante o período em que as pessoas estão em casa. O aprendizado é importante e se conectar com o que se gosta (ou o que vai se passar a gostar) é indispensável. Se algumas portas se fecharam, outras se abrem.

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