Precisamos falar sobre a maconha. De uma vez por todas

Escrito por: Guilherme Carlos

O mundo vem sofrendo uma onda conservadora e retrógrada. Como dizia Black Alien “Homens do passado pisando no futuro e vivendo no presente”. Alguns assuntos que devem ser discutidos estão sendo abafado por pensamentos antiquados que se dizem “progressistas”, mas não querem abrir mão de costumes antigos que não valem para a nova geração.

Um dos assuntos que PRECISAMOS discutir é a maconha, o porque ela é proibida. Precisamos abrir mais portas para que pesquisadores estudem suas propriedades medicinais (que são muitas), descriminalizar o usuário e, por fim, criar um mercado sobre ela assim como outros países vem fazendo e, para os amantes do capitalismo, lucrando MUITO.

Se você é dessa turma conservadora tenho certeza de que não gostou de ler os dois parágrafos acima. Não estou aqui escrevendo esse texto na esperança de que você o termina e saia por aí militando a favor da maconha, mas quero te colocar para pensar, te mostrar um outro ponto, te mostrar a verdade.

Por que a maconha é proibida? “Ah, porque faz mal a saúde!”. Se formos levar por esse ponto deveríamos proibir o consumo de álcool, tabaco, bacon e muitos outros produtos que são vendidos normalmente, além de que nenhum mal sério à saúde foi comprovada pelo uso esporádico da cannabis.

A maconha foi proibida por racismo, interesses de questões políticas, econômicas e morais. Tem a ver com o preconceito contra árabes, chineses, mexicanos e negros que faziam o uso frequente da maconha no começo do século XX. Tem a ver com indústrias de papel e tecido, o plano de dominação mundial dos Estados Unidas e de valores judaico-cristão que não aceita a ideia do prazer sem merecimento, tanto que no passado condenavam a masturbação.

No início do século XX a maconha era liberada, embora vista com maus olhos por muita gente. Aqui no Brasil maconha era “coisa de negro”, usado durantes rituais de candomblés e por agricultores depois de um dia de trabalho. No velho continente o uso era associado aos imigrantes árabes e indianos e aos boêmios intelectuais. Já na terra do Tio Sam o uso era dos mexicanos, cada vez mais numerosos no país. Já conseguimos perceber que a maconha era relacionada a grupos marginalizados em todo o mundo pelas classes média e alta branca.

Na época, pouca gente sabia, mas a mesma erva usada como fumo para classes baixas tinha uma enorme importância econômica. Muitos remédios (de xarope a pílulas para dormir) continham cannabis. Quase toda a indústria de papel utilizava o cânhamo, retirado do caule da maconha. A indústria têxtil utilizava o cânhamo para produzir materiais resistentes como cordas, velas de embarcações e redes de pescas. Até mesmo a Ford estuda desenvolver um combustível e plásticos a partir do óleo de semente de cannabis.

Em 1920 grupos religiosos (olha eles aí) protestavam para que o governo proibisse o consumo de bebidas alcoólicas, e o governo atendeu. Começava então a lei seca, que durou até 1933. O escritor britânico Richard Devenport-Hines, especialista na história dos narcóticos disse em seu livro The Pursuit of Oblivion (A Busca do Esquecimento): “A proibição do álcool foi o estopim para o ‘boom’ da maconha. Na medida em que ficou mais difícil obter bebidas alcoólicas e elas ficaram mais cara e piores, pequenos cafés que vendiam maconha começaram a proliferar”.

É aí que surge uma figura muito importante para nossa história. Henry Anslinger era um agente público que trabalhava reprimindo o tráfico de rum que vinha das Bahamas. Asnlinger foi promovido a chefe da Divisão de Controle Estrangeiro do Comitê de Proibição e sua tarefa era controlar o contrabando de bebidas. Foi nessa época também que houve a quebra da Bolsa, em 1929, que afundou o país em uma recessão. No sul do país, mais precisamente próximo à fronteira do México, começaram a surgir rumores de que a erva dava uma força descomunal para os mexicanos e isso seria uma vantagem para que eles tomassem os escassos empregos dos americanos. Também era dito que a droga incentiva a promiscuidade (o mexicano da época costumava ter mais parceiros do que um americano puritano) e ao crime (com os empregos em baixa a criminalidade aumenta, isso é um fato que não tem relação com o uso da maconha). Baseados nisso, vários estados começaram a proibir a erva. A maconha era a droga favorita dos músicos de jazz, que afirmavam ficar mais criativos depois de fumar.

Em 1930 o governo americano, preocupado com a cocaína e o ópio, criou a FBN (Federal Bureau of Narcotics), um escritório aos moldes do FBI para lidar com as drogas. Anslinger com sua bandeira proibicionista articulou para chefiar o programa e, de repente, de um cargo burocrático ele se tornou responsável pela política de drogas do país.

Tudo isso que citei até aqui já daria pra entender um pouco da ideia de proibir a maconha, mas há ainda alguns detalhes que podem até parecer teoria conspiracionistas (e das boas) mas infelizmente não é. Anslinger era casado com a sobrinha de Andrew Mellon, dono da gigante petrolífera Gulf Oil. Nos anos 20 a empresa fabricava muitos produtos a partir do petróleo: aditivo para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas (como o náilon) e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira. Todos esses produtos disputavam mercado com o cânhamo.

Uma outra figura que surgiu e que foi crucial nessa história foi um amigo poderoso de Anslinger: Willian Randolph Hearst, milionário, muito influente no país e dono de uma imensa rede de jornais. Uma curiosidade sobre a figura é que o escritor Orson Welles se inspirou em Hearst para criar o protagonista do filme “Cidadão Kane”. Uma outra curiosidade, e essa vale muito ressaltar, é que em 1910, durante a Revolução Mexicana, a tropas de Pancho Villa se apropriaram de uma enorme propriedade de Hearst onde ele plantava muitos eucaliptos para a produção de papel. Graças a esse fato fez nascer o ódio de Hearst com os mexicano e isso ele sempre deixa bem claro.

Foi então que em 1930 uma intensa campanha contra a maconha começou a ser divulgada nos jornais de Hearst. Matérias falsas sobre a droga afirmavam que a maconha fazia estuprarem mulheres brancas e que 60% dos crimes eram cometidos sob o efeito da erva.Nessa época também se criou o mito que maconha mata neurônio, mito que aliás é divulgado até hoje. E foi nessa época também que Hearst inventou e popularizou a palavra “marijuana” para se tratar de maconha. Ele queria uma palavra que soasse como hispânica para ser mais fácil associar a droga com os mexicanos.

A proibição da maconha também funcionaria como uma forma de controle social das minorias: Maconha é coisa de mexicano, mexicanos são uma classe incômoda. Como não é possível proibir alguém de ser mexicano, proíbe-se algo que seja típico da etnia.

Em 1937, Henry Anslinger foi ao Congresso dizer que, sob o efeito da maconha, “algumas pessoas embarcam numa raiva delirante e cometem crimes violentos”. Os deputados votaram a favor da proibição do uso, venda e cultivo de cannabis. Ficou proibido então não só a droga, mas a planta.

A ideia logo se propagou pelo mundo e não foi difícil convencer os governos. Aqui no Brasil, por exemplo, a ideia foi abraçada com unhas e dente.

E por falar em Brasil, temos que desviar um pouco o foco da nossa história e trazê-la para nossa terra tupiniquim. Em 1830, uma lei da Câmara Municipal do Rio de Janeiro fez história a ser uma das primeiras leis anti maconha do mundo. O sétimo parágrafo da lei consistia na Lei do “Pito do Pango”. O texto dizia: “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia. A lei era tão racista que o comprador (escravo negro) recebia uma pena mais severa do que a de seu vendedor branco.

Como se já não bastasse o racismo aqui, o brasileiro foi além. Em 1915 o médico brasileiro Rodrigues Dória, no Segundo Congresso Científico Pan-americano, realizado nos Estados Unidos, apresentou o estudo intitulado “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício”, indicando que a erva foi introduzida no Brasil através dos negros escravizados como sendo uma vingança da “raça subjugada” pelo roubo de sua liberdade.

Voltando para a terra do Tio Sam, em 1944,  Fiorello La Guardia, um dos prefeitos mais populares de Nova York, encomendou uma pesquisa sobre o uso da maconha, e o resultado foi: “O uso prolongado da droga não leva à degeneração física, mental ou moral”. O trabalho não chamou a atenção e nem o mesmo barulho que as campanhas de Anslinger.

Em 1961 a ONU determinou que as drogas são ruins para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações coordenadas e universais para reprimir seu uso. O que era um prato cheio para uma intervenção militar americana.

Em 1962, o presidente John Kennedy demitiu Anslinger depois de 32 anos no cargo de chefe da FBN e encomendou mais uma pesquisa sobre a maconha e o resultado mostrava que todos os alarmantes eram exagerados. Mas a descriminalização não veio. Muito pelo contrário, o presidente Richard Nixon endureceu mais a lei, declarou “guerra as drogas” e criou o DEA que é um órgão ainda mais poderoso que o FBN, porque, além de definir políticas, tem poder de polícia.

A partir dos anos 60, pesquisas sobre maconha foram realizadas na Inglaterra, Canadá e Estados Unidos para tentar um “afrouxamento” nas leis. Mas a pesquisa mais relevante foi realizada longe dos laboratórios. Em 1976, a Holanda decidiu para de prender usuários de maconha desde que eles comprassem a droga em cafés autorizados. O resultado foi que o índice de usuários continua comparável aos de outros países da Europa, o uso de heroína caiu e presume-se que, ao tirar a pessoa da mão dos traficantes, os holandeses separaram essa droga das mais pesadas e, assim, dificultaram o acesso a elas.

Vamos dar um salto na história. Em 2014 o Colorado foi o primeiro Estado a legalizar a maconha em todo seu território. Hoje, dos 50 Estados americanos, apenas 3 continuam com a lei proibicionista, e 11 deles já legalizaram o uso recreativo da planta.

Eu poderia estender ainda mais esse texto mostrando resultados de pesquisas e como o a maconha possui propriedades medicinais para ajudar no tratamento de muitas doenças, mas isso fica pra uma outra oportunidade.

Como disse no começo, a minha intenção não é que você saia militando pela causa, alguns costumes demoram (e precisam) se desconstruídos. O mundo mudou muito, não podemos mais nos prender a ideias do passado que não cabem nos dias atuais devido ao grande número de informações que as desmentem.

Como diz na bíblia: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”

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