Ciclistas digitais

Por José Piutti

De um lado da tela, o cliente desliza o dedo em busca do restaurante favorito. Do outro, o entregador verifica se os pneus do veículo estão suficientemente cheios para mais uma corrida. Enquanto o cardápio é vasculhado cuidadosamente, equipamentos de segurança são checados da mesma maneira. Pedido feito! Notificação recebida. O solicitante agora espera e o entregador, pedala. Em Ribeirão Preto, cidade com mais de 650.000 km², o fôlego é o principal aliado dos cerca de 50 ciclistas que rodam a cidade a entregar alimentos, bebidas, ou qualquer outra coisa que seja solicitado através do iFood, Rappi ou UberEats. 

Fazer entregas com uma bicicleta foi a maneira encontrado por Daivaid Oliveira, 21, para renovar as finanças. Ao terminar o ensino médio, o jovem trabalhou por um ano e meio com panfletagem. No começo de 2019,  conheceu a nova modalidade de entregas através de uma rede social, e encontrou  nela a chance para garantir a renda mensal. “O anúncio dizia que eles estavam aceitando pessoas que tinham bicicletas e que queriam trabalhar com entregas. Em abril, me cadastrei na Rappi. Enviei meus documentos e fui aprovado em uma semana. Depois,  me cadastrei nos outros e hoje trabalho com três. “

Nascido na capital mineira e criado como ribeirão pretano, o entregador percorre, diariamente, 50 km pelas ruas da cidade. Morador da zona norte, pedala 11 deles apenas 

para chegar ao centro, onde a maioria dos pedidos são feitos. Por dia, realiza de 5 a 20 entregas, que garantem a ele renda de R$ 650 a 900 reais ao mês, período em que a quilometragem bate, em média 1000 km. 

“Chego aqui na praça por volta das 10h vou até as 17h, de segunda à sexta-feira. Aos fins de semana não trabalho, e essa é a parte boa. Se decido não vir, é só desligar o aplicativo,” conta Daivaid, que, ao falar dos pontos negativos da profissão, destacou a alta exposição ao calor típico da cidade. “Atrapalha demais. Tenho que usar boné, protetor solar, passar em comércio pra pedir água, ou tomar um sorvete. Só assim pra aliviar.”

Um quarto

O jovem ciclista não está sozinho nessa corrida. A entrega de mercadorias é a maneira escolhida por cerca de 5,5 milhões de brasileiros para garantir o pão de cada dia, segundo pesquisa realizada pelo Locomotiva Instituto de Pesquisa, em 2019. Ao relacionar estes números com dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –  que mostram que o número de trabalhadores autônomos no país se aproxima a 24 milhões –  vê-se que os entregadores de aplicativo representam 23% da categoria.

No início, os aplicativos aceitavam apenas motociclistas. Hoje, é possível trabalhar com bicicletas, patinetes, e até mesmo à pé. Em Ribeirão Preto, existem cerca de 50 ciclistas que trabalham diariamente, segundo Max Júnior Monteiro Amâncio da Silva, fundador do grupo Delivery Biker’s 016, designer, e também entregador. 

Aos 20 anos, Max trabalha há pelo menos um realizando entregas. O trabalho é intercalado com a função de designer em uma gráfica da cidade. “As entregas são um complemento para a minha renda. Na gráfica, trabalho com atendimento e por isso posso fazer meus horários. Ativo o aplicativo no horário de pico, durante o almoço, e após o fim do expediente. Tem dias que vou até as 22h, em outros, até os pedidos pararem de chegar”, relata.

Também morador da zona sul de Ribeirão Preto, o trajeto enfrentado sob os pedais é longo. São sete quilômetros para chegar até o local de trabalho e mais 60 para realizar as entregas, diariamente. Questionado sobre os ganhos, o jovem explica:

“Depende muito do dia. De segunda a sexta-feira, no horário comercial, recebo mais pedidos durante o almoço, das 11h às 14h. Nesse horário dá pra fazer R$30 reais. Como também ativo o aplicativo das 19h às 22h, fecho o dia com cerca de 50 reais. Aos fins de semana, feriado, ou quando eles lançam alguma promoção, é possível receber até R$70, mas é muito difícil. Por mês, tiro por média um salário mínimo.” 

Sobre a oscilação nos ganhos, o jovem fala de alternativas que poderiam ser tomadas pela gerência dos aplicativos. “Seria bem melhor se a gente fosse registrado, ou ao menos terceirizado. Ao trabalhar com aplicativos, dependemos do chamado deles. Por mais que sejamos donos dos nossos horários, não é garantia de renda no fim do dia.” 

Delivery Biker’s 016

Além de manter as duas profissões, Max é, também, o fundador de um grupo em aplicativo de mensagem chamado Delivery Biker’s 016. Segundo ele, o intuito da união dos ciclistas é ajuda entre os entregadores e a busca por melhorias. “Quando eles passaram a aceitar ciclistas, 20 foram registrados no total, mas apenas 5 eram ativos e, quando trabalhamos a noite, não temos mais bicicletarias abertas. Furava um pneu, rasgava câmera de ar, quebrava corrente, não tínhamos pra onde correr. Com o grupo, essa assistência existe.” 

Além de ajudas emergenciais, Max explica que aqueles que não possuem experiência com ciclismo são, também, orientados. “Locais com sombra, água potável, tomadas para recarregar os celulares, locais com capacetes e apetrechos com preços baixos… tentamos tornar a jornada do próximo menos cansativa.”

Futuro

Mesmo podendo escolher os horários de trabalho, o jovem Daivaid Oliveira não pretende continuar com as entregas. Segundo ele, é apenas para preencher o tempo que fica parado. O sonho é entrar em uma universidade através do ENEM e se formar em Agronomia, Jornalismo ou Educação Física. Diferente dele, Max pretende permanecer autônomo. “Minha intenção é crescer nessa área. Pelo que os aplicativos tem inspirado para nós, a ideia é crescer.”

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