Jornalismo: o essencial é o amor para a profissão

Por: Marcos Pitta

Em 2019, segundo o Relatório de Violências Contra o Jornalista e Liberdade de Imprensa no Brasil, divulgado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), o número de casos de ataques a veículos de comunicação e a jornalistas chegou a 208, representando crescimento de 54,07% em relação ao ano de 2018, com 135 ocorrências.

O estudo da Fenaj mostra, com detalhes, quais foram essas 208 notificações registradas no ano passado. Foram dois casos de assassinatos, 15 de agressões físicas, 20 de agressões verbais, 28 de ameaças e intimidações, 10 de censuras, cinco de cerceamento à liberdade de expressão por meios judiciais, 10 de impedimento ao exercício profissional, dois de injúrias raciais/racismo, outros dois de violência contra a organização sindical e 114 casos registrados de descredibilização da imprensa.

Este último dado representa 54,81% do total de denúncias em 2019 e é exatamente este mote que a ComTempo traz como fator principal do tema deste episódio que dá sequência à série de reportagens sobre o mercado de trabalho no Brasil, com jovens recém-formados.

O cenário visto por quem entende

O tema deste episódio que está na nona edição da revista é o Jornalismo.

Em entrevista a ComTempo, Maria José Braga, Presidente da Fenaj falou sobre os números de jornalistas que se formam por ano no Brasil: “Segundo dados do Censo da Educação Superior, realizado em 2018, pelo MEC, temos no Brasil, 341 cursos de jornalismo, sendo 70 em instituições públicas e 271 nas privadas, com 51.507 alunos matriculados e 9.110 formados por ano nesta área”.

Sobre o mercado de trabalho para este profissional atualmente, Braga diz que foi avaliado pela Fenaj uma retração no mercado tradicional, que diz respeito a redações de rádios, TVs, jornais e revistas: “Essas mídias empregam jornalistas majoritariamente com contrato formal de trabalho (carteira assinada). Mas, no entanto, houve crescimento expressivo no número de portais e sites de notícias (inclusive regionais e locais), abrindo novo campo de trabalho”, revela.

A presidente da Fenaj informa ainda que é expressivo o mercado de trabalho na área de assessoria de imprensa/comunicação: “inclusive no setor público”, ressalta.

Sobre haver ou não uma desvalorização da profissão, Braga diz que pode-se afirmar que há uma desvalorização da profissão no Brasil no campo das relações e condições de trabalho: “Os/as jornalistas estão ganhando cada vez menos, as relações de trabalho estão precarizadas, com profissionais sem contrato formal de trabalho (freelas, jornalistas obrigados a virarem pessoas jurídicas, etc), e há ainda, piora nas próprias condições de trabalho (jornadas excessivas, acúmulo de funções, pressão do tempo, etc)”.

A presidente diz também que isso vem acontecendo por erros estratégicos das empresas que fazem Jornalismo, tanto do ponto de vista administrativo, quanto editorial: “Em vez de apostar na qualidade do Jornalismo e com isso manter o público interessado e os anunciantes, as empresas de comunicação no Brasil apostarem no enxugamento das redações e na diminuição dos custos de produção. Por outro lado, podemos afirmar também que a profissão continua sendo valorizada pela sociedade, que enxerga nos/nas jornalistas, profissionais de credibilidade”.

Braga também comentou sobre as Fake News e disse que em tempos de desinformação, o Jornalismo é cada vez mais necessário: “O grande desafio é mostrar isso ao conjunto da sociedade, mas muitos setores já percebem a importância da informação de qualidade e até mesmo já financiam projetos jornalísticos independentes”, e continua: “Para a Fenaj, não há dúvidas, desinformação se combate com informação jornalística. Se as grandes empresas de comunicação insistirem no erro de não investir no Jornalismo, mais e mais projetos ‘alternativos’, locais, regionais e nacionais vão surgir e vão, inclusive, forçar a melhoria do Jornalismo praticado pelos veículos tradicionais. Isso, em certa medida, já está acontecendo”, finaliza.

O mercado para quem acaba de pegar o diploma

Como ponto principal desta série de reportagens, a ComTempo ouviu Tainá Martina Colafemina, jornalista recém formada pela Unaerp, Universidade de Ribeirão Preto e já está inserida no cenário profissional. Ela trabalha em uma revista, a Revide, que fica em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

Colafemina conta que descobriu o Jornalismo depois de algumas tentativas, pois primeiro foi cursas Psicologia, mas que a profissão já estava dentro dela, desde pequena: “sempre gostei de escrever e nunca mais parei desde que aprendi. Escrevia histórias, peças, mas daquele jeito de criança, sabe? Fui levando isso pra idade escolar, levei pro teatro e tive vários contatos com a arte. Mas, na hora de prestar vestibular, fiquei indecisa. Queria fazer Artes Cênicas, pois sabia que queria algo relacionado a arte”, conta.

A jornalista revela que ficou com medo de prestar Artes Cênicas, pelo fato de não conseguir emprego depois: “era isso que todo mundo me dizia, principalmente no universo do teatro. Então, prestei Psicologia, passei na Unesp de Bauru e acabei desistindo do curso. Teve uma greve logo que entrei na faculdade que durou bastante tempo e ai voltei para casa. Nesse meio tempo eu já estava mais indecisa ainda e quando a greve se encerrou, não voltei para as aulas”.

“Nesse tempo pensei e resolvi tentar Jornalismo, pois o curso tinha várias coisas que eu gostava, tinha escrita, várias coisas visuais e eu tinha várias ideias nessa área. Tentei e amei, era o que eu queria. No Jornalismo eu encontrei o que eu tanto almejava, mas ainda não sabia o nome e no decorrer da faculdade fui me apaixonando cada vez mais pela profissão e agora sei com todas as letras que eu não gostaria de ser outra coisa, nunca”.

O primeiro contato com o mercado

“Entrei na Revide no segundo ano de faculdade, como estagiária, em 2017, na época era a única estagiária da redação, na parte impressa. Antes disso tive experiência na faculdade, contato com profissionais, workshops, mas não tinha feito estágio de fato, com compromisso e tudo mais”, explica.

“Quando eu estava atrás de estágio, tentei vários lugares e minha coordenadora sabia dessa procura e certo dia me falou que havia um pedido de indicação da Revide e que ela havia me indicado. Fiz a entrevista e consegui, lembro que o Murilo (Pinheiro, diretor) me pediu pra escrever algumas notas, fez uns testes e tudo deu certo. A Revide foi a primeira experiência com contrato, rotina de redação, e tudo que o Jornalismo de revista pede e que eu considero como primeira experiência profissional, pois me ensinou a ser jornalista. Entrei em fevereiro de 2017 e estou lá até hoje”.

Dentro da sala de aula

“Sempre lembro dos professores comentando sobre o mercado. Nos primeiros anos tive bastante matérias voltadas para isso. Foram disciplinas sobre marketing, empreendedorismo, tive bastante essa visão de mercado, assessoria e etc. Dentro da área de cada professor, todos eles costumavam falar sobre trabalho, como eram suas rotinas, o cenário e tudo mais. Durante os meus anos de curso, tive a base tanto dos prós e contra este mercado”.

A jornalista conta ainda que muitas coisas lhe chamaram a atenção durante a graduação: “foi na sala de aula que eu me encantei pela profissão, por cada mídia e tipo de trabalho. Eu não entrei com um foco, entrei aberta a conhecer tudo e queria aprender e absorver o que o curso tivesse pra me apresentar”.

Tainá revela que quando entrou na faculdade, tinha coisas na cabeça como não gostar de telejornal, televisão, mas explica que isso mudou um durante as aulas, mas também revela que tinha as áreas que gostava mais: “Adorava muito a ideia de revista, pois achava e acho ainda que é uma das mídias mais descoladas, que você pode brincar bastante com design e fotos, mas também não era 100% focada nisso. Mas era um ideal trabalhar em revista. Consegui”, conta.

“Mas tudo me encantou, descobri muitas vocações e a que mais me despertou foi o cinema. No quarto ano fazemos um projeto de documentário, e era um desejo que eu até tinha, por conta do teatro e de já ter atuado em curtas e peças, de dirigir e escrever para dirigir, trabalhar em roteiro e tudo mais. Tive então, a oportunidade de fazer o documentário onde a pauta era minha e saiu tudo muito além das expectativas do grupo. No processo de produção percebi que é isso, eu nasci pra isso também, faço isso muito bem (risos). Amo muito minha profissão, gosto muito de todas as áreas”.

Rotina de trabalho

A ComTempo perguntou à jornalista sobre sua rotina de trabalho e ela nos contou detalhes: “Minha rotina hoje, três anos depois de entrar neste trabalho, é parecida com quando comecei, mas é mais pesada, com mais responsabilidades. Quando entrei, eu fazia o Guia Cultural e Cinema, parte de cultura. Depois me deram mais responsabilidade fixa, que foram as três sessões de gastronomia, a coluna social e com o tempo fui ganhando espaço e ficando mais experiente. Comecei a fazer matérias mais longas, a sugerir temas que eu achava legal e com isso fui crescendo e em menos de um ano, já tinha várias matérias assinadas e nas outras revistas além da semanal que eu considero muito importantes, pois é bem difícil, ainda mais pra estagiário começar conquistando tantas coisas”.

“Só pra deixar mais claro, a Revide tem as edições semanais e tem outras edições especiais, quando eu entrei havia a RM que é de Moda, a RD que é Arquitetura e Decoração e a RS que é de Saúde e eram publicações que intercalavam, mês a mês. Agora nasceu uma outra também que é a Ancienne, que e pro público 60+ que produzimos também. Então, sempre estamos produzindo todos esses diversos conteúdos, com prazos diferentes, entregas diferentes, saídas diferentes, mas sempre produzindo tudo isso, fora matérias mais frias, pautas que sugerimos que dá pra arrastar por um período mais longo e fazer com mais calma”.

“Então a rotina é essa, sempre tocando além da gastronomia e circuito social que sai toda semana, faço matérias para as outras revistas que a gente tem e publi-editoriais, as vezes”.

Conselho

E o conselho para aqueles que querem ou estão seguindo a profissão de jornalista? Tainá retira as palavras do fundo do coração e diz que é preciso entender, antes de mais nada, que esta é uma profissão difícil: “até quem é bem sucedido sabe que é muito difícil, principalmente manter. Então, seja apaixonado pelo que você faz, pois senão você não vai aguentar”.

Em segundo lugar, a jornalista diz que a magia dessa profissão está em amar os detalhes para qual ela nos leva: “as histórias que a gente conta. Isso é fundamental para ser um bom jornalista, é ter amor no que se faz”.

Tainá ressalta ainda que sempre é bom ser guiado pela ética: “independente do furo que esteja nas suas mãos, haja com ética e conforme os preceitos que você foi ensinado”.

Além disso, a jornalista diz que quem quer entrar nesse mercado precisa ser, ou tentar ser esperto: “é um mundo muito legal da comunicação, mas não é fácil, é competitivo, é bastante ácido as vezes. Leia muito e principalmente tenha a humildade em cada entrevista, em cada trabalho que você for fazer, de respeitar aquela história que a pessoa está contando, mesmo que você não concorde, esse é um segredo para ouvir as pessoas e ouvir também é um grande segredo. Saiba ouvir. No começo não tem jeito, passamos muito perrengues, ganhamos pouco, mas temos que tentar, sempre. Tenha muito amor na profissão mas não se deixe levar na onda de que está mal pra todo mundo, tá ruim pra todo mundo mesmo, até pra quem é engenheiro. Faça o que é melhor pra você e pro seu bolso também, não podemos esquecer disso”, finaliza.

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