Episódio 3 – Resistência: a luta nunca tem fim

Por: Mariana Valverde

“O que está acontecendo? O que mudou? Será que essa geração é tão ruim? Será que nós, humanos, estamos indo para uma versão tão ruim assim? Ou será que estamos em descompasso entre uma geração e outra, entre um ponto de vista e outro?”.

É com um jeito único de ensinar e muito amor pela profissão que Lucas da Cruz Silva, de 33 anos, vive sua rotina como professor.

No terceiro episódio dessa série especial, apresentamos a vocês esse professor que pensa fora da caixinha e conta como o ensino mudou ao longo dos anos.

Com 15 anos de carreira, sua escolha pela profissão veio por acaso. “Quando eu era criança, sempre brincava de escola, com os amigos de rua e tal e eu sempre era o professor. E quando fui escolher a profissão, não sabia bem o que era a licenciatura e o bacharelado. Em Bebedouro tinha Biologia licenciatura, eu gostava da matéria e só fui!”, conta.

Foi durante a faculdade que ele entendeu o que era a licenciatura e se identificou ainda mais em dar aulas. Mas o apoio que ele recebeu dos pais foi diferente do que ele esperava: “foi engraçado. Meu pai sempre apoiou todas as minhas escolhas e sempre falou de fazer o que a gente gosta para ser feliz. Já minha mãe não, ela não queria muito esse negócio de professor, mas não por desvalorização, nada disso, mas é porque ela gostava muito da área de contabilidade ou engenharia da computação”. Ele explica que nem ela deveria saber, de fato, o que essas áreas significavam: “acho que ela deve ter apenas ouvido em algum lugar e gostado do nome”. Mas ele conta que, no geral, o apoio veio dos dois lados.

“A maior diferença sou eu”

O professor de biologia conta que em sua trajetória as coisas mudaram completamente de quando ele começou para o que está acontecendo agora. “Eu, professor, mudei completamente. A minha mudança pessoal acompanhou uma mudança de geração e tecnológica mundial. O boom da internet, da comunicação, da informação… eu peguei muito essa transição de uma escola que informa para uma escola que forma, que é muito diferente”, explica. Ele conta que hoje em dia não se preocupa mais com as páginas de um livro ou o que ele vai passar na lousa. “Isso não existe mais. Hoje nós estamos em sala de aula debatendo, pensando com os alunos, trazendo o mundo que está acontecendo pra dentro da aula”.

O foco também mudou. Quando iniciou a carreira acadêmica, o foco para os alunos era o vestibular e o material didático, mas, como ele afirma, a conexão entre professor e aluno e a construção da relação dos dois é que está ganhando força.

“Eu ainda acho que na próxima década nós vamos ver uma educação completamente diferente do que nós temos hoje. Estamos no meio de uma transição importantíssima, uma vez que a indústria está 4.0, a internet também, mas a escola ainda não. E a escola está tendo que evoluir drasticamente para conseguir acompanhar tudo que está em volta dela. Se não acompanhar, ela perde o sentido. O que já tem acontecido em várias escolas, em vários locais”, e ele ainda deixa um questionamento: “Nós nos perguntamos ‘por que? O que está acontecendo? O que mudou? Será que essa geração é tão ruim? Será que nós, humanos, estamos indo para uma versão tão ruim assim? Ou será que nós estamos em um descompasso entre uma geração e outra, entre um ponto de vista e outro?’”.

“Parece que nós estamos fazendo coisas que não tem importância nenhuma…”

“…quando, na verdade, nós somos a base de uma sociedade bem formada e bem educada”, diz Lucas sobre a desvalorização.

Filho de caminhoneiro e doméstica, ele achava que o salário era bom, mas as coisas mudaram ao longo dos anos. “Hoje, quando eu olho em volta e vejo os outros salários – o deputado, o vereador, o médico, o advogado – e o número de horas trabalhadas, então eu acho que sim, a nossa profissão foi ficando pra trás”.

Para ele, a desvalorização também está no preconceito com o termo “o professor deve ganhar pela aula dada”. “Ninguém está lembrando que nós montamos uma aula e nós temos que analisar aquilo que foi aplicado e vai além do simplesmente corrigir prova, porque temos que analisar o nosso aluno, o nosso trabalho e projetar o nosso trabalho, organizar projetos”, desabafa. O sentimento de desvalorização segue na importância da figura do professor: “não sinto ninguém preocupado com a nossa exposição. Na educação brasileira, quem dá a cara a tapa são os professores, que é a equipe que está na comissão de frente”, e ainda completa: “as vezes dá um desanimo porque parece que nós estamos fazendo coisas que não tem importância nenhuma, quando, na verdade, nós somos a base de uma sociedade bem formada e bem educada, que deixa a sociedade menos violenta, mais harmoniosa”, afirma Lucas.

“Ou nós reinventamos ou podemos parar”

Lucas ao lado de uma turma do Ensino Médio, na escola onde trabalha atualmente.

“Nós somos obrigados a sair da caixinha e se reinventar. A tecnologia e a informação chegaram de vez, então como eu posso sobreviver a tudo isso? Me tornando necessário”, para ele, não é importante o professor ter uma ‘super memória’, saber todas as datas e capitais, ou no caso dele, como professor de biologia, todos os nomes científicos ou os órgãos de um ser vivo. “O docente importante hoje é aquele que interage, que desenvolve com os alunos uma relação de respeito, que tem consciência que ele não sabe tudo e os alunos vão ensiná-lo também”.

“Então, nós, profissionais modernos, com a tecnologia, temos que trazer ela junto da gente”, para Lucas, a internet, o notebook e o tablet tem que servir como ferramentas para ajudar o professor, até para trazer mais tranquilidade na hora de dar aula.

Ele conta que a tecnologia é muito utilizada e aproveitada na sua rotina. “Uma coisa básica, por exemplo, ‘eu preciso levar tudo impresso para a sala de aula? Gastar tinta, papel e tempo?’ Não! Eu levo uma cópia e os meus alunos tiram foto daquela imagem do exercício ou do texto e eles vão manipulando o celular comigo em aula. Esse aluno que faz a aula acontecer junto com o professor fica muito mais interessado”, conta.

Para o biólogo, a tecnologia trouxe para todos muita coisa boa e desafios, por isso, os professores têm que estar abertos para se reinventar.

“No futuro, esse profissional vai precisar ser mais valorizado”

Ao refletir sobre o futuro da profissão, Lucas diz que o professor do futuro vai ter que estar ativo e ser mais funcional. “Ter aulas pré-montadas para todo ano não rola mais, já que as turmas respondem de formas diferentes”, aponta.

Para ele, no futuro o professor vai precisar ser mais valorizado, tanto como profissional capacitado, como na questão salarial. “Cada vez mais o professor vai precisar de tempo para conseguir desempenhar tantas funções. Precisamos de melhor remuneração e exclusividade. Se sou exclusivo dessa escola, eu mergulho nela de cabeça e desenvolvo um trabalho maior e mais profundo”, finaliza o professor.

Lucas, a equipe da ComTempo agradece e admira o seu desempenho através desses anos. Obrigada por fazer da nossa sociedade um lugar melhor, de mais esperança e empatia.

E no próximo episódio, a ComTempo vai além de mostrar quem resiste. Mostramos que também há quem desiste dessa profissão. Claro que a desistência não ocorre por falta de amor, por falta de honra ao diploma e muito menos por falta de compromisso com a educação.

A desistência está sim entrelaçada com a resistência, com quem já mergulhou de cabeça ao pegar esse diploma em meio a tanta desvalorização mas não recebeu apoio, de ninguém. Da sociedade que parece fechar os olhos para o encolhimento que o mundo está fazendo de um profissional tão sério e que deveria estar no topo do mundo.

Bruna Cagnin Fernandez mudou completamente sua área de trabalho, mas sentiu na pele o que é ter, nas mãos, o poder de ensinar e não desaprendeu nada. Pelo contrário, aprendeu muito, merece aplausos e hoje ela continua ajudando, como pode, os outros com seu conhecimento.

Sejamos realistas, a desvalorização é real e intensa. Mas será que foi isso que a fez encostar a porta para a profissão? Não perca o episódio seguinte.

Um comentário sobre “Episódio 3 – Resistência: a luta nunca tem fim”

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