O passaporte para a independência com a equoterapia

Tentar, superar e vencer são os três pilares necessários para desenvolver a liberdade e a independência dos praticantes da equoterapia.

Entrevista realizada por Cézio Pereira

De acordo com a ANDE (Associação Nacional de Equoterapia) que é referência em ensino, pesquisa, desenvolvimento e aplicação da equoterapia no Brasil e exterior, esta prática só foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 1997, pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional em 2008 e em 2013 foi incorporada à lista de Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) pelo Ministério do Trabalho.

Com mais de 280 pontos espalhados pelo Brasil, Campo Alegre de Goiás também aderiu a esta prática complementar a outros tratamentos e graças ao projeto desenvolvido pelo fisioterapeuta e equitador Átila Rodrigues Pacheco, a equoterapia passou do quimérico ao real, possibilitando atender, desde 2017, 14 pacientes com limitações físicas e mentais.

O fisioterapeuta explica como surgiu o projeto, como foi montada sua equipe, seleção dos pacientes, envolvimento familiar, visíveis e importantes desenvolvimentos dos praticantes e perspectivas para o futuro, além do emocionante depoimento da mãe do garoto Carlos Daniel Fernandes Barbosa, a Irislene do Nascimento Barbosa, que relata a força, os sonhos e os benefícios que seu filho obteve através do envolvimento com os cavalos.

Comtempo: Como surgiu o Projeto Amigo Horse?

Átila: Durante uma cavalgada tradicional, o vereador Reni Rúbio Bráz Pires demonstrou interesse em trazer este projeto que já era realizado pelas cidades vizinhas, em vista do número de pessoas que necessitavam deste método terapêutico em Campo Alegre. Após reuniões com as famílias, avaliação e parcerias firmadas com a prefeitura e a Secretaria de Saúde para definir orçamentos, materiais pedagógicos, profissionais capacitados, o projeto se transforma em realidade e os trabalhos iniciaram em agosto de 2017. A prefeitura é a principal aliada do projeto, que disponibilizou motorista para o transporte dos pacientes, além de espaço para as sessões, equipamentos e materiais pedagógico e alimentação. Apenas os animais são de minha propriedade. Atendemos 14 praticantes com sessões de meia hora, às terças e quintas. Nossa equipe é formada por fisioterapeutas, educador físico, equitador, psicóloga, estagiária, todos treinados pelo próprio ANDE.

Comtempo: O que é e quais são os benefícios da equoterapia?

Átila: É, comprovadamente, um dos tratamentos mais benéficos para pessoas portadoras de necessidades especiais. É um tipo de terapia com cavalos que serve para estimular o desenvolvimento do corpo e da mente, que possui uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar nas áreas da Saúde, Educação e Equitação. Os benefícios podem ser vistos desde as primeiras sessões, desenvolvimento do afeto, estimulação da sensibilidade tátil, visual e auditiva, postura e equilíbrio, aumento da autoestima e confiança, promovendo o bem-estar, tônus muscular, permite o desenvolvimento da coordenação motora e percepção dos movimentos e principalmente socialização e integração a grupos.

Comtempo: Para quem é indicado e contra indicado?

Átila: Com orientação médica, crianças antes de completar três anos de idade podem praticar. Quanto mais cedo a família perceber a importância de um tratamento diferenciado, melhores serão os resultados. Pessoas com algum tipo de deficiência física ou mental, postural, com distúrbios como depressão, insônia, bipolaridade entre outros, o tratamento também é indicado, pois promove a convivência com pessoas e animais, respeito, responsabilidade, inclusão social e pertencimento a uma sociedade. É contra indicado para pacientes com escoliose, cardiopatia aguda, hérnia de disco, hidrocefalia com válvula, alergia a pelos e luxação de ombros e quadris.

Comtempo: Qual o passo a passo da sessão?

Átila: O primeiro passo é a aproximação com o cavalo, como alimentação e higiene, criando empatia e confiança, já que nos primeiros minutos de contato com o animal o corpo humano libera substâncias responsáveis por sensações de bem-estar e prazer. O segundo passo é o encilhamento do cavalo, prepara-lo para a montaria. O terceiro e mais importante passo é quando o praticante já está em cima do animal. Ao começar a sessão com os materiais pedagógicos e a cavalgar, o corpo recebe estímulos sensoriais do animal e começa a reorganizar seus movimentos por meio de comportamento adaptativo. O primeiro minuto da sessão em cima do cavalo equivale a 60 passos, 30 minutos são 1800 passos, ou 1800 estímulos em seis direções (para cima e para baixo, para frente e para trás e para um lado e para o outro) que o corpo recebe.

Comtempo: Como garantir a segurança física do praticante?

Átila: Se ao iniciar a sessão, perceber qualquer diferença comportamental do animal, algum estresse ou alteração da saúde física, imediatamente suspendemos o atendimento para não colocar em risco a segurança dos profissionais e dos praticantes. Os animais são bem treinados, passam por condicionamento de dois meses, são adequados ao manejo, às rotinas e seu comportamentos é 100% dócil, preparados para qualquer situação.

Comtempo: Como lidar com o medo de cavalos?

Átila: Através da aproximação, envolver o praticante com tarefas rotineiras, como escovação da crina do cavalo, alimentação, toques e até enfeitar o animal, puxa-lo pelas rédeas em passeios monitorados… São algumas táticas usadas pelos profissionais para conquistar a confiança e afastar o medo do animal, para então iniciar a sessão proposta.

Comtempo: Quantos e quais são os programas praticados na equoterapia?

Átila: São quatro programas: Hipoterapia, Educação e Reeducação, Pré-esportivo e o Paraequestre. A hipoterapia é indicada para pacientes que não têm condições físicas ou mentais para se manter sozinho no cavalo. A Educação e Reeducação são para pacientes que possuem um pouco mais de independência e ainda assim o professor de equitação atua intensamente e o Pré-esportivo é para quem tem maior autonomia sobre o animal, capacidade de guia-lo sozinho. Por fim, o Paraequestre é indicado para os mais experientes, podendo participar de algumas provas paraolimpíadas e olimpíadas especiais.

Comtempo:  Qual sua percepção de ver uma pessoa com deficiência estar desenvolvendo liberdade e independência em cima de um cavalo?

Átila: Ser humano nenhum está preparado para isto, nunca imaginei ver tal avanço, atender uma criança que não parava de pé e ver que agora consegue andar na barra sozinha é surreal, graças à determinação e a equipe esforçada que temos. É o mais nobre sentimento de gratidão.

Comtempo: Como resumiria este projeto que trouxe esperança a tantas famílias?

Átila: Na equoterapia, as pessoas cadeirantes andam, as pessoas que não se socializam se comunicam e brincam, pessoas com déficit de atenção focam em suas tarefas, pessoas sem amizades criam grandes amigos que as aceitam como realmente são. Tudo isso vi acontecer na equoterapia, pois os cavalos transformam a gente. É o despertar de novos horizontes e possibilidades que afetarão suas vidas e de seus familiares para sempre, mostrar a eles que possuem uma capacidade incrível de adaptação e superação dos seus limites.

Com a palavra, quem viu a transformação acontecer

Quando uma mãe observa seu filho montando em um animal de postura tão nobre, enxerga nele uma fortaleza capaz de enfrentar todas as dificuldades do mundo. Isso também é equoterapia: conseguir atingir o coração das mães e de todos a sua volta, pois elas os carregam todos os dias, para todos os lugares, para todas as terapias, sem medir esforços, sem dizer que é um sacrifício, só de ficar ali aguardando, já é uma higiene mental e com muito amor e um largo e infinito sorriso no rosto, mantem viva a esperança.

Os olhos brilham e é quase possível ouvir as batidas do coração ao relatar a rotina árdua, mas exercida com afinco e inesgotável disposição, assim é a mãe de Carlos Daniel, a Irislene, que gentilmente nos conta sua história de superação.

Comtempo: Qual o prognóstico do seu filho?

Irislene: O Carlos Daniel teve paralisia cerebral, pois nasceu prematuro de seis meses e meio e ao passar dos meses começamos a notar que ele não se desenvolvia como as outras crianças. A confirmação veio quando ele tinha seis meses por um neurologista, e a partir daí começamos nossa maratona com fisioterapeutas, fonoaudiólogos e a hidroterapia. Por fim, a equoterapia, que iniciou aos três anos de idade, hoje ele está com nove. Por morarmos em Campo Alegre, os tratamentos sempre foram feitos em outras cidades, incluindo a equoterapia, que somente através do projeto do Átila pode dar sequência aqui mesmo, facilitando nossas vidas.

Comtempo: Quais são os benefícios que puderam ser notados?

Irislene: No início, meu filho tinha muito medo de todos os bichos, não apenas de cavalos. Chorava o tempo todo, levou um bom tempo para se adaptar e hoje em dia gosta de todos os animais. A escola foi uma maravilha para ele, e muito se deve ao monitor dele. Foi amor à primeira vista e o desenvolvimento foi o mais promissor possível, os resultados expandiram por todas as áreas, pessoal, social, familiar, uma verdadeira interação dele com o mundo exterior, embora ele sempre tenha sido muito extrovertido e sociável, mas podemos dizer que potencializou sua empatia social. Os movimentos dele melhoraram muito, criou independência para exercer tarefas rotineiras como escovar os dentes, se alimentar, já consegue escrever números e o pai dele sempre o incentiva a se movimentar, tanto que temos em casa uma barra paralela onde ele pode treinar e fortalecer seus passos. Todas as terapias que ele faz ajudam cada vez mais a ter liberdade e autonomia, ele segue uma rotina diária de exercícios que o cansa bastante, mas não desiste e nem se mostra desmotivado, está sempre sorrindo.

Comtempo: Quais as perspectivas reais para o futuro dele?

Irislene: Nenhum médico até hoje disse que meu filho conseguiria sentar sozinho, andar e que ele sempre seria cadeirante, passamos por instituições renomadas que o desligaram dos tratamentos por não acreditarem em sua reabilitação. Mas nunca perdemos o foco e temos mostrado como ele evolui a cada dia, ele não falava, não possuía equilíbrio, só quem o conhece desde bebê sabe o quanto ele progrediu. Hoje ele fica de pé, brinca com as outras crianças, é um ótimo aluno e adora informática, o cognitivo dele é perfeito. Vamos iniciar um novo tratamento em breve e com certeza o futuro nos reserva muitas surpresas boas, ele tem muitos sonhos a realizar, quer fazer faculdade, uma hora quer ser cantor devido a influência paterna e em outra hora quer fazer informática. Nutre como qualquer garoto da sua idade que possui limitações o desejo de andar, ele me pergunta se isto será possível, lhe respondo que todos estão ajudando, o Átila, o papai, a mamãe e mesmo que seja em um andador ele vai conseguir sim, tudo depende do seu esforço.

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