Alagoas, o Centro do mundo

Atualmente com uma posição mais ponderada que outrora, Aldo Rebelo passou por Ribeirão Preto para divulgar o site Bonifácio e dissertar sobre o cenário ideológico atual.Atualmente com uma posição mais ponderada que outrora, Aldo Rebelo passou por Ribeirão Preto para divulgar o site Bonifácio e dissertar sobre o cenário ideológico atual.

Entrevista realizada por: Martina Colafemina

Nascido em Viçosa, no interior do Alagoas, José Aldo Rebelo Figueiredo tem uma trajetória de passagem por várias áreas da política, gosto pelo futebol e luta pela democracia. Seus pais, José Figueiredo Lima e Maria Cila Rebelo Figueiredo, moravam na fazenda do ex-senador Teotônio Vilela, em que o pai trabalhava como vaqueiro.  Jornalista, Aldo é autor de livros como “Palmeiras X Corinthians 1945 – O Jogo Vermelho”, publicado em 2009 e “Reforma Tributária – Temas e Dilemas”.  

Iniciou sua militância no movimento estudantil em 1975, ao ingressar no curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas, que deixaria três anos depois sem ter se formado. Transferindo-se para São Paulo, em 1977 foi eleito membro da direção regional e da direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), então na clandestinidade. De volta a Alagoas no ano seguinte, trabalhou como jornalista e participou, como delegado do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, do Congresso Extraordinário pela Liberdade de Imprensa, realizado em São Paulo.

Foi um dos destaques do governo Lula, em que foi, de 2004 a 2005, Ministro-Chefe da Secretaria de Coordenação Política e Relações Institucionais do Brasil. Durante o governo de Dilma Rousseff foi Ministro dos Esportes, Ministro da Defesa e Ministro da
Ciência, Tecnologia e Inovação. Atualmente é membro do partido Solidariedade e não ocupa nenhum cargo político.

Era uma visita para os conhecidos do Sindicato dos Servidores de Ribeirão Preto. Qualquer repórter imaginaria que lidaria com outros repórteres se revezando entre perguntas, mas foi uma exclusiva. De chapéu panamá e terno, pega o fotógrafo pelo braço e vai explicando, entre outras coisas, quão fantástico e afrodisíaco é o sururu, espécie de caranguejo que vive em águas salobras, segundo ele.

Todos encaminhados para a sala em que seria feita a entrevista, ele ainda tem tempo para enaltecer, com orgulho, seu estado de origem, o Alagoas. “Você é daqui mesmo?”, pergunta ao fotógrafo. “Eu sou do mundo”, ele responde. “Então a partir de hoje você é alagoano!”, brinca Aldo. Ao fim da entrevista, pega a repórter pelo braço enquanto anda, talvez um costume, e pergunta: “Você é jornalista?”, “Sou sim! Estou quase me formando! Eu estudo na Unaerp”. “Ah, conheço! Já estive lá”, ele complementa, enquanto escolhe descer pela escada.

O que o senhor pretende divulgar através desse site?

O site é o bonifacio.net.br. É uma iniciativa de um grupo de intelectuais e jornalistas para informar e opinar sobre assuntos de relevância e interesse nacional. Não necessariamente só assuntos de interesse nacional, internacional também, mas que tenha relevância para o Brasil. Como por exemplo a Amazônia, o discurso do presidente na ONU, as tentativas de interferência na Amazônia por parte dos países europeus, nós discutimos isso. E esse grupo produz, semanalmente, opiniões, análises, há várias seções sobre a memória do Brasil, a história do Brasil, personagens, resenhas de livros de interesse nacional. A preocupação do portal é superar o ambiente de divisão que o país vive, de confronto. Não é de conflito porque às vezes o conflito é normal, é natural, retorno de ideias. Mas o confronto sobre o que é secundário, não é sobre o que é principal. Nós procuramos apontar o que é o principal, o que é o relevante, o que une o país. Unir o país não é também não ter posição. Unir o país é você ter opiniões em torno de temas que são importantes e que possam reunir forças políticas, intelectuais, sociais, econômicas, de toda natureza para alcançar esse objetivo. O grande problema do Brasil, hoje, é que o país parou de crescer há muito tempo. Se o país não voltar a crescer não vai ter solução para nada. Tem uma crise fiscal que atinge os Estados e os municípios. Pode vender a mobília do Palácio da Alvorada ou da Prefeitura de Ribeirão Preto! Se o país não voltar a crescer você daqui a pouco vai vender o prédio, depois não tem mais o que vender e acabou! O país só resolve a crise fiscal se voltar a crescer, se gerar tributos, impostos, arrecadação, receita. Eu fui ministro de quatro pastas diferentes. Em todas elas eu fiquei correndo atrás de orçamento, de dinheiro para fazer as coisas. Na Ciência e Tecnologia, na Defesa, no Esporte, em todo canto você precisa de recurso. Os governadores pedem, os prefeitos pedem. O que eu aprendi é o seguinte: quando o país cresce você tem dinheiro, quando não cresce você não tem. Acabou! Não tem discussão sobre isso. Se o país cresce, você tem dinheiro e tem um debate sobre como distribuir, como partilhar esse dinheiro. Vai para qual ministério? Vai para qual programa? Vai para qual Estado? Quando o país não cresce, isso não existe. Quando fizeram aquela medida provisória dos gastos, aquela medida provisória é inócua! Porque não tem o que gastar, então esse debate não vai existir. O Brasil está com um déficit, no último ano do governo da Dilma foram 80 bilhões, no primeiro ano do Temer já aumentou. Então, o país tem que voltar a crescer para resolver o problema da crise fiscal. Desemprego? Tem emprego se o país não voltar a crescer? Vai gerar emprego aonde? Nem nas prefeituras! Não tem empresário que vá empregar se ele não olhar para frente e não disser que vai empregar porque vai viver mais. Não tem também emprego se não tiver a volta do crescimento.

E a que o senhor atribui esse crescimento?

A atividade econômica é resultado de dois investimentos: o público e o privado. E geralmente é o investimento público que sinaliza para o investimento privado também acontecer. Ou seja, o setor privado fica aguardando o sinal do setor público. Mesmo que ele não seja o principal investidor, ele sinaliza. Nós não temos hoje investimento nem público nem privado, pelo contrário, nós temos recursos que estão saindo do país para se proteger junto ao tesouro americano, comprando títulos fora do país. A segunda questão: o país voltou a ter um fenômeno que não conhecia há algum tempo, que é o aumento da desigualdade. O país tem feito um esforço para reduzir a desigualdade, tomou algumas medidas e a desigualdade voltou a crescer no Brasil, gerada pelo desemprego, pela redução da renda dos mais pobres – você tem uma parcela da população que hoje não tem mais nem moradia, não tem dinheiro para comprar um botijão de gás, não tem dinheiro para fazer crédito para comprar qualquer coisa. O consumo cai também por causa disso, porque a renda dos mais pobres é a que vai também mais rápido para o consumo, não vai para a poupança. O cara que ganha pouco não vai passear em Paris, não vai comprar apartamento em Miami. Ele vai a um botequim, a uma loja, ao mercadinho e vai botar dinheiro diretamente ali. Vira consumo imediato. Então, essa desigualdade tem aumentado no país de forma absurda. Você vê famílias na rua que perderam tudo. Esse é outro desafio. O terceiro desafio é a questão da democracia. Você não achar que pode impor suas ideias a quem não está de acordo com elas. A única mediação para isso é a eleição. Você tem eleição, você escolhe seus representantes: governadores, presidente, deputados. Não pode haver uma imposição de quem está no governo momentaneamente de suas regras e suas ideias, você não pode querer destruir o movimento sindical. Ninguém é obrigado a gostar de sindicato nem a gostar de trabalhador, nenhum governo é obrigado. Mas ele tem a obrigação de saber que em uma democracia, se não tiver a presença, a voz, o protagonismo do trabalhador, essa democracia não vai merecer o nome de democracia, você vai ter uma democracia onde vai só ter a voz do banqueiro, do industrial… não pode! Você tem que saber o seguinte: se eu gosto mais dos trabalhadores, eu tenho que respeitar o setor financeiro, empresarial e ele tem que ter voz também. Mas aqui no Brasil você tem uma política de destituir os trabalhadores de qualquer participação nas decisões que interessam a ele. Destruição, sindicato é para desaparecer. Isso é uma medida, um movimento que atenta contra a democracia no seu sentido mais geral, não é só a democracia de escolher os representantes, é a democracia de como as forças na sociedade se relacionam. Você não pode dar o poder absoluto a uma delas, a voz a só uma delas. A voz somente ao capital, deixar o trabalho sem nenhum tipo de protagonismo. O Brasil precisa desse equilíbrio, um equilíbrio também no campo das ideias. A conclusão, no Brasil, em alguns setores, é de que o grande inimigo do país é o Estado. O Estado precisa ser destruído. Primeiro demonizado e depois destruído, o que é um pensamento tolo. Os países que deram certo no mundo se apoiam em duas grandes estruturas: uma grande estrutura do mercado, do setor privado, e uma grande estrutura do Estado. O país que é símbolo dessa economia de mercado, que são os Estados Unidos, tem um estado muito forte, um Estado que financia pesadamente a Ciência, a Tecnologia, a pesquisa. Há um livro clássico de uma pesquisadora norte-americana que se chama “O Estado empreendedor”, que é exatamente para retratar o esforço do Estado norte-americano para promover a Ciência e a pesquisa, para financiar todos esses aplicativos que fazem sucesso, essas tecnologias da informação, tudo isso que está nos celulares foi o Estado americano que financiou a pesquisa. A genialidade foi comercializar, porque a pesquisa foi feita pelo Estado, pelo governo. A China é ao mesmo tempo o país que mais aumentou a renda dos mais pobres, que mais tirou gente da pobreza e da desigualdade e que mais criou bilionários no mundo. É uma sociedade onde tem um setor privado fortíssimo, dinâmico, gigante, os quatro maiores bancos do mundo são chineses, gigantes nessa área de telecomunicações, e ao mesmo tempo um Estado muito forte, com grandes universidades, com grandes centros de pesquisa. No Brasil nós não procuramos esse equilíbrio. Nós precisamos de mais mercado e de mais Estado, onde cada um pode construir a sua missão.

Na prática, o que o senhor consideraria como efetivo nessa união entre Estado e privado? O que poderia ser feito que não está sendo feito, o que poderia ser melhorado?

O Estado apoiar o mercado naquilo que ele pode e deve, por exemplo, dentro de instituições de fomento como o BNDES e Banco do Brasil, mas o que eles falam? Eles falam em acabar com o Banco do Brasil, até em privatizar, e acabar com o BNDES como instrumento de financiamento do setor privado. Pegue o caso aí da Embraer. Andaram falando mal do governador de São Paulo e do Luciano Huck, porque ele tem aviões financiados pelo BNDES. A bem da justiça se diga que todos os aviões fabricados pela Embraer são financiados pelo BNDES. Quando você faz uma encomenda de avião da Embraer, ninguém paga adiantado. Então a Embraer tem que comprar equipamentos, tem que pagar salário, tem que fazer o avião até entregar. Esse dinheiro é adiantado pelo BNDES para todos os aviões. O BNDES financiou a modernização de maior parte do Parque Industrial brasileiro. O Banco do Brasil também.

Que papel os sindicatos podem cumprir nisso?

Eu sempre vejo o sindicato com uma dupla missão. A missão finalística de representar a sua categoria de trabalhadores, mas uma outra missão do sindicato é representar aquele trabalhador enquanto cidadão. Porque o servidor da prefeitura é também um cidadão com aspirações e com preocupações que ultrapassam a sua atividade profissional. Ele tem filho que precisa ser educado, que amanhã pode escolher uma profissão, pode ser um técnico, um militar, um técnico agrícola, um engenheiro, ele está preocupado com o país também! O sindicato tem essa dupla missão, a representação stricto sensu do trabalhador na sua categoria e a representação do cidadão que está preocupado com o seu país, com o destino dele, porque o destino do país também afeta o destino do município para o qual ele trabalha. Então, quando você tem um país mergulhado em um impasse, em uma certa desorientação, você precisa de instituições que ajudem o país a se reorientar. Com quais instituições? Você pode contar com instituições importantes que possam ter noção da responsabilidade do interesse público, e entre essas instituições está o sindicato. Ele tem condições de cumprir esse papel, de interagir com outras corporações, de interagir com outros setores da sociedade, de fazer uma ponte para o diálogo em torno desses objetivos comuns. No âmbito do município, do estado, e no âmbito nacional. Principalmente em um momento como esse em que o país está desorientado, se dividindo pelas coisas secundárias. Então, o sindicato pode ser um fator de moderação desse confronto do radicalismo e dizer que tem alguma coisa em comum que pode ser feita, que pode unir amplamente forças sociais. Eu acho que o sindicato tem esse papel.

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