A personificação do sentir

“Estou sempre querendo mais, descobrir mais da vida e o que sou capaz de fazer, e de experimentar sensações novas”.

Já teve a impressão de conversar com uma pessoa que parece ser completamente feita de poesia? Alanna Fernandes é poesia, e também faz, assim como fotografia, produções audiovisuais, música… Uma multiartista mineira, que inspira sentimentos de um universo inteiro. Do primeiro encontro, na cidade de Uberlândia-MG, uma de suas tantas exposições. Da mais recente conversa, vinho, brusquestas, e uma conexão que, assim como é o objetivo constante das entrevistas, foi tudo menos isso! Uma conversa sem rodeios, e quase sem roteiro também. É difícil resumir Alanna num lead. Então, sejamos simples e diretos: leia. Conheça. Sinta.

Quando e onde você nasceu? 

Alanna Fernandes – Nasci em 1994, dia 5 de fevereiro, em Araguari, às 7h10 da manhã, por isso sou aquariana com ascendente em aquário (risos). Morei lá até o 1º ano de faculdade (de Relações Internacionais, na Universidade Federal de Uberlândia). Sempre pegava o primeiro e o último ônibus do dia, mas não aguentei mais e mudei.

Como foi sua vida acadêmica?

Alanna – Um hobby que tinha era ir a palestras. Eu me interesso por absolutamente tudo (risos). Sempre me senti fracassada na escola, porque não conseguia me encaixar naquele método de ensino, e achava que era burra. Na faculdade descobri um universo totalmente possível para mim. Comecei a me interessar por Matemática, Física Quântica, Biologia…Tudo o que tinha de palestras eu ia. E hoje sou a doida do fractal (risos). Não sei fazer as contas, mas sei conversar sobre! (risos). E ganhei altas horas complementares. Precisava de 620h, e fiz mais de 5 mil (risos). Fiz um “Curso de Realidade Brasileira”, um fim de semana por mês, durante 8 meses. Esse curso é realizado no Brasil inteiro, por diferentes entidades, e esse foi aprovado por um dos poucos projetos que se mantiveram sem corte de verbas, porque o tripé da universidade pública é ensino, pesquisa e extensão, e a extensão leva à comunidade o conhecimento que adquirimos. O curso era feito no Sindicato dos Eletricitários. Fizemos encontros sobre Marighella, Angela Davis, Marx, a história da MST. Foi uma oportunidade única, de contato com pessoas que têm conhecimentos teóricos muito aprofundados.

Nunca fui filiada a um partido. Não acredito nessa atual política, de presidencialismo de coalisão. E diante de todo o desenvolvimento histórico que passamos, de ter tido a república enfiada goela abaixo, sem ter noção do que era uma república, uma democracia, estávamos em processo de sair da escravidão, isso tudo influenciou sobre não termos uma tomada de consciência sobre nossos direitos e sobre o que somos, porque viemos de uma miscigenação. A consciência de si para si veio muito tempo depois, e ainda assim não existe. Por isso o modelo que temos ainda não funciona, não temos noção do nosso poder, da nossa capacidade. Ainda não sabemos o que é uma democracia. E vivemos sob a hegemonia do imperialismo estadunidense.

Como foi sua vida em Araguari?

Alanna – Totalmente bosta (risos). Era uma pessoa totalmente influenciada pelo gosto dos outros, que sabia que não se encaixava, mas estava seguindo um fluxo, porque não tinha outra possibilidade. Tudo que eu gostava, é porque todo mundo gostava, e para me sentir minimamente encaixada eu tinha que, por exemplo, usar salto em shows sertanejos. Mas sempre me sentia sozinha, porque não tinha com quem compartilhar meus gostos. Descobri o Tumblr, Paramore, muitas músicas, filmes, comecei a me interessar por leitura e escrita. O primeiro livro que li na vida porque eu quis, foi com 17 anos, Crepúsculo! (risos). A Stephenie Meyer, querendo ou não, tem uma escrita envolvente. É objetiva, clara, e para adolescentes funcionou muito: uma realidade misturada com magia, porque estamos ali no limiar da vida adulta e da infância, então é interessante de pensar. Aí descobri Caio Fernando de Abreu, que foi um ícone importante pra literatura brasileira, só que hoje não me identifico tanto. Mas foi o primeiro livro que ganhei de presente da minha prima. Achava que era bom porque lia frases dele no Tumblr (risos).

Gostava de skate, luta, videogame, bola, correr, suar, e as meninas ficavam passando esmalte com 10 anos de idade, frescurinha com nojo de suor… Eu não conseguia ter amigas porque queria correr e fazer estripulias (risos). Era mais amiga dos meninos, e julgada por isso. Mas todos os meninos me adoravam, sempre fui muito engraçada. Eu não tenho amigos em Araguari. A única é a Babi, que é psicóloga, tem consciência política, é maravilhosa, e somos dos mesmos rolês aqui em Uberlândia. As pessoas lá (em Araguari) são muito preconceituosas, a cidade não vai pra frente.

Por falar nisso, como você se descobriu enquanto artista?

Alanna – Nem sei se me descobri ainda. (risos) Acho que tem muitas coisas aqui dentro para serem descobertas, e não estou nem no início, estou no “zero vírgula”. Eu vivo as mesmas coisas, mas tento enxergar a vida de um jeito diferente. Um hábito meu é andar e olhar para o céu. Estou sempre tropeçando em paralelepípedos, porque não tiro meus olhos do céu. Sou viciada em nuvens, as nuvens, para mim, são mágicas.

Me descobrir enquanto artista foi muito difícil. Escrever, fotografar, fazer audiovisual… Tudo começou meio que do nada. Minha primeira manifestação artística foi a escrita. Um professor uma vez disse “você debate a aula inteira, tem opiniões inteligentes, por que vai mal nas provas?”. E eu disse que ficava desesperada e não conseguia transmitir o que sabia para a escrita. Ele colocou a mão no meu ombro e disse: “olha essa escada, para que ela serve? Como ela poderia ser usada de outra forma?”. A partir disso comecei a misturar essas coisas: como? Por que? Para que serve? O que causa em mim? O que causa no outro? E qual a diferença? E hoje isso é natural, eu olho para as coisas e tudo já está processado na minha cabeça.

Meus primeiros poemas são relacionados à minha vida no movimento estudantil e às matérias da faculdade. Tenho um poema que se chama “Estatística Estatal”. Frito na matemática, no quanto ela é incrível, nos rodeia, mas não sei mexer com números! Escrevi o poema e deu certo, consegui entender a matéria. Também fiz isso com Economia Brasileira e Contemporânea, Macroeconomia… E todo mundo falando “você precisa mostrar isso pro mundo, sua poesia não é chata!”. Porque todo mundo encara a poesia como rebuscada, aquelas coisas de Olavo Bilac, não estou criticando, mas não gosto (risos). A leitura é um prazer, uma forma de sair da sua vida e entrar em outra, ter novas perspectivas. Ler um trem que não faz sentido pra você e não é acessível, não é educação popular. Uma das minhas intenções com a poesia é que ela seja acessível, fácil e agradável de ler. Sigo essa perspectiva do Paulo Freire, de usar palavras que façam parte do cotidiano das pessoas.

Na época me incentivaram a fazer um blog. E tem um cara na UFU, Alê Pueblo, que sempre vendia livros em congressos e palestras. Um dia soube que ele estava desenvolvendo um trabalho de editoração (Editora Pueblo), e perguntei se ele podia lançar meu livro. Eu nem tinha um, era só um juntado de poemas (risos). Ele disse que só trabalhava com livros acadêmicos, mas me passou o contato da editora Subsolo. Robson me pediu manuscritos, eu só juntei os poemas e enviei. Ele gostou, e disse que tinha a possibilidade de enviarmos o projeto para o PMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) para o livro “Incômodo Cotidiano”. Eu topei e ele me ajudou a escrever o projeto. Nesse meio tempo, durante manifestações do Movimento Estudantil, estive na Praça do Papa, em BH. Todo mundo sempre olha pra vista da cidade, e eu virei as costas, vi uma montanha verde imensa, linda, e pensei “eu preciso de uma câmera”.

Depois de BH, fizemos outra viagem técnica, para Ouro Preto. Era Governo Lula e Dilma, ainda tinha investimento na Educação (risos). Fomos para falar da formação econômica do Brasil, escravidão, influências, e foi minha primeira viagem com a câmera, que meu padrasto me deu. Fiz as fotos mais lindas da minha vida! Eu não sabia nada além de apertar o botão, e me envolvi completamente. Estava tão presente de corpo e alma… Parecia que o universo só me dava o presente de presenciar coisas sem o véu da alienação. Quando viajo percebo que as pessoas estão sempre olhando para grandes monumentos e para elas mesmas, o que elas estão fazendo ali, e não param para sentir a cidade, sua história. Eu faço isso, e ainda não superei aquelas fotos, mas vou.

O projeto foi selecionado só com os poemas, e na revisão pensei “vou meter umas fotos aqui, uai” (risos). E tinha tudo a ver! O que me fez me entender enquanto artista foi toda essa base de conhecimento crítico, social, político e econômico que tive nas minhas vivências no Movimento Estudantil, em palestras, na faculdade, e olhando para mim mesma e criticando todo o meu passado como pessoa alienada que perpetuava todas as práticas patriarcais, machistas, homofóbicas e racistas. Meu pai é uma pessoa extremamente preconceituosa, e como cresci com ele, tudo que ele falava, me incomodava, mas eu absorvia e reproduzia.

O artista tem que ter consciência política. É essa a função principal da arte: transformar realidades. Por mais que sua arte não tenha um assunto especificamente político, ela é política, porque está te fazendo sentir, sair do lugar, refletir.

Como foi sua trajetória na escrita?

Alanna – Passei por um relacionamento abusivo, e fiquei por 5 anos sem escrever e fotografar. Dá até sufoco só de lembrar. Eu não podia me expressar, ser eu mesma, eu era o que ela queria que eu fosse. Às vezes saíam coisas no sufoco, mas tive produção quase zero. Lancei meu primeiro livro enquanto estava com ela, mas por ser um processo que já vinha antes, e o segundo livro, “Texturas da Vida”, foi uma reunião de poemas que já existiam na época do “Incômodo Cotidiano”.

Eu achava que sem ela não era ninguém. Até o processo desse livro foi muito delicado. Eu não me entendia enquanto artista, achava que não era ninguém, porque era assim que ela me fazia sentir. Só depois que terminei com ela, tudo deixou de ser escuridão e vazio, e passou a ser preenchido por mim mesma e pelas minhas vivências, minha poesia, meu jeito de me expressar, minhas vontades e pensamentos.

Tive uma tomada de consciência tão forte, como se nesse tempo com ela eu tivesse absorvido tudo, mas não conseguia me expressar, porque não tinha força, ela me privava. Quando terminamos, eu estava prestes a lançar o segundo livro e e não queira, porque vários poemas eram sobre ela, mas entrei num processo de pensar que eu me permiti sentir isso. Os poemas são meus, parte de quem sou e de como sentia. Esse livro é meu e tudo o que fui até então. Estou nua nele, no vídeo (teaser de apresentação da obra) e consegui bater no peito e dizer “sou artista, sou escritora, sou fotógrafa, tenho capacidade, tenho talento, sou competente, consegui tudo sozinha até aqui”. Porque consegui resistir. Tive uma depressão fodida, pensamentos suicidas, crises de ansiedade horrorosas, e sempre tive apoio dos meus amigos, mas nunca acompanhamento profissional. Foi irresponsável, claro, mas consegui sair disso.

Hoje consigo ser eu mesma, estou “fritando” em vários novos projetos, mas viver de edital é muito complexo. Estou num processo de me descobrir, e acho que ser artista é justamente isso, um processo interminável.

E como o audiovisual entrou na sua vida?

Alanna – Quando inscrevi o edital do meu primeiro livro, vi uma possibilidade de ser. Mas antes disso, meu amigo Yuji Kodato, que sou muito fã, foi selecionado pelo PMIC por um projeto que a proposta era fazer documentários jornalísticos com pessoas que nunca tinham dirigido nada antes. Então, era preciso enviar uma pauta, e sendo selecionado, receberia por isso, e teria uma equipe à disposição, e enviei uma proposta. Na época, sempre que passava de carro de Uberlândia para Araguari, via um senhorzinho morando no meio do mato, numa casa feita de paus e lona. Era o seu Manuel, e eu propus falar da desigualdade social e direito à moradia, e essa ideia de urbanização e periferia. Fui selecionada e foi incrível! Conheci pessoas maravilhosas. Foi um desafio, porque primeiro tive que ir até lá ver se a pauta seria possível. Seu Manuel era a pessoa mais doce do mundo. Não sei se foi um problema de saúde mental, mas ele estava muito fora da realidade. Falas desconexas… Ele disse que aceitaria gravar se eu levasse queijo ralado com açúcar cristal, porque gostava.

Ficou muito bom! Eu nunca tinha pensando em fazer algo assim, só vi a oportunidade e pensei “uai credo, vou nesse trem!” (risos). Eu acho que é isso: a gente tem que arriscar mais!Tem que ouvir a intuição e arriscar, porque às vezes somos medrosos e deixamos de fazer as coisas por achar que não vamos dar conta. E todas as minhas produções artísticas, e achei que não fosse dar conta. Mas se quero, vou lá e faço!

Depois dessa produção, teve outro edital. Produzi um audiovisual sobre os palhaços visitadores no Hospital de Câncer de Uberlândia. Aí vi um dos grandes desafios de ser artista: temos que ser elaboradores de projetos; saber de administração, imposto de renda, leis de incentivo. Além disso, ser comprometidos com tempo para criar, e tem que viver a vida com base no ano que vem, porque editais são lançados todos os anos.

Você também faz parte do coletivo Minas Retratam. Como aconteceu?

Alanna – Fiz um curso de fotografia, e conheci Bruna Freitas, do Moviola (coletivo de mulheres de produção audiovisual). Ela disse que o festival Mineiro Beat (edição de 2018) estava abrindo oportunidades para fotografia colaborativa. Eu poderia chamar duas pessoas, e chamei Jisa e Luíza, que via como as mais competentes do curso e mais combinavam comigo. Depois disso sentamos e dissemos “ok, agora somos um grupo e vamos trabalhar cobrindo festivais de cultura, arte e gastronomia”. Pelo contato com o Mineiro Beat, fomos contratadas para filmar e fotografar o Moraes Moreira, que deu tudo errado, mas foi uma experiência grandiosa, porque a partir disso demos o pontapé inicial. O primeiro clipe que produzimos, cobramos R$ 100,00, porque era o primeiro, e hoje, com 1 ano, de clipe, ele tem 7 mil visualizações no YouTube. Para um primeiro trabalho, ficou incrível. Já produzimos três videoclipes, três vídeo-chamadas, meu teaser (do “Texturas da Vida”), fomos selecionadas por dois editais, estamos com uma exposição. Tudo em 1 ano. Estamos gravando mais dois videoclipes agora, e um documentário.

Quais são seus projetos e planos?

Alanna – Estou participando de um projeto de fotografia analógica, que logo terá uma exposição e uma revista lançada. Se chama “Deriva Cartográfica” porque a intenção é fotografar Uberlândia e suas nuances, e fazer cartões postais com essas fotos, para trocar com pessoas de outros países e outras cidades. A ideia é do Yuji e da Mari Cecílio, e eles selecionaram 20 pessoas para cada um fotografar com sua perspectiva.

Também vou lançar um álbum de música. Me cobro porque estou num serviço ruim, e não tenho tempo de produzir. E estou muito ligada com a música agora. É o que tem me ajudado a não pirar. Eu pego o violão e toco. A música flui de uma forma muito natural, mais que a poesia. O jeito que escrevo a poesia é um “boom” e tenho que escrever na hora, senão depois sinto diferente, ou então não sinto com a mesma potência.

Acredito que Uberlândia já me deu tudo o que podia. Acho que preciso viver coisas novas. Quero ir para João Pessoa-PA, fazer mestrado. Não posso deixar de estudar. Tudo que sou e produzo é a partir do conhecimento que adquiri com as vivências da faculdade, não só dentro de sala de aula, mas fora também. Na sala de aula aprendi teoria, fora dela aprendi a ser humana e conheci pessoas incríveis que me mostraram coisas grandiosas sobre o mundo e sua existência.

Ao mesmo tempo, estou criando coisas menos diretamente políticas. Minha produção tem mudado muito. Diante do contexto político que vivenciamos recentemente, o que falta é sentimento, porque o capitalismo funciona de maneira a nos tirar de nós mesmos, não sentimos mais. Vivemos um dia atrás do outro. Acho que a realidade só será transformada se as pessoas tomarem consciência de si do sentimento da empatia para com o outro. Todo mundo elogiou muito meu primeiro livro, que foi importante para o debate, e eu não sabia se as pessoas estariam preparadas para o segundo. Mas percebi que sentir é político, a partir do momento que as pessoas começarem a sentir, vamos caminhar.

Meu trabalho sempre tem pautas políticas, como o lançamento do meu livro também em braile. Por mais que seja sensível, sempre terá uma pauta política. Quem sentir minha arte, vai entender o sentido político.

Quem é a Alanna artista e quem é a Alanna mulher? Elas se fundem?

Alanna – A artista é uma pessoa que sente tudo demais. Às vezes é poético, mas é infernal. Todos os meus sentidos são aguçados. Tenho ouvido musical e sou autodidata porque toco mais de sete instrumentos; aprendi poesia sozinha; aprendi a fotografar com sentimento sozinha. A Alanna artista é autônoma. Precisa de conhecimentos técnicos, mas sabe sentir. Por isso consigo ser artista, consigo traduzir o mundo para além da racionalidade. Acho que na verdade sou uma tradutora (risos). Não sei se sempre foi assim, se eu nasci assim, mas foi um clique.

Ser mulher é muito difícil por todas as questões que sofremos com a sociedade e o patriarcado, nos prendendo nos padrões estéticos e morais. Passei por muitas coisas que só mulheres passam, como abusos sexuais, e ser mulher nessa sociedade é enlouquecedor. Conviver com um abuso não tem explicação, e aguentei tudo sozinha. Eu acho que sou muito forte, poderia ter me matado, mas sou tão apaixonada pela vida, e é aí que a mulher e a artista se fundem, que a artista tira força e a mulher tira a paixão pela vida da artista. A gente se funde aí. E consigo traduzir essas duas coisas para o que produzo.

Somos cobradas por tudo e diminuídas por tudo, principalmente no mundo da arte. A mulher enfrenta uma hierarquia em todos os âmbitos da vida, mas especificamente na arte é assim. Quando falamos de artistas, quem pensamos primeiro? Nos homens que fizeram história. Contamos nos dedos os nomes das mulheres artistas. E, como mulher, tento quebrar esse padrão enquanto artista. Me colocar presente, me inserir, colocar minha presença, minha voz. Tenho alguns poemas sobre feminismo, mas estou buscando não tocar em assuntos literalmente políticos, para fazer as pessoas pensarem melhor. Estou caminhando de uma forma que ainda vou conseguir expor estupro de uma forma que as pessoas entendam, mas que não seja um gatilho para ninguém.

O que é vida?

Alanna – A vida é um paradoxo. A vida é boa e desgraçada ao mesmo tempo, porque é ditada por classes sociais, e isso é uma tristeza, pensar que pessoas incríveis não vão poder experienciar coisas boas por falta de dinheiro. Eu, por exemplo, não pude fazer meu mestrado na Alemanha, que passei, porque não tinha R$ 30 mil congelados na conta (risos). A vida é muito mais que dinheiro, mas muitas coisas são ditadas pelo dinheiro, e são muito grandiosas as pessoas que conseguem viver a vida com pouco dinheiro, porque é um desafio imenso. Passar a vida no sufoco é um inferno. A vida para além do dinheiro é o cheiro, o sorriso, o abraço, a verdade, a presença. A vida é nossa troca conosco mesmo, como ela se forma e passa para o outro. A vida é arte. O sofrimento tem que fazer parte da vida, porque não estamos evoluídos o suficiente para conviver sem dor. Tudo que vivi fez ser quem sou hoje, que demorei tanto tempo para reconhecer e me orgulhar. A vida é sobre experiências, e uma das coisas que me representa mais é a flor da vida, sobre ciclos e intersecções, e faz muito sentido para mim.

O que é o tempo?

Alanna – Ah, o tempo! O tempo é ontem, hoje, amanhã, tudo depende de onde nossa mente está. Porque temos ansiedade quando vivemos no passado, temos ansiedade quando vivemos no futuro, e esquecemos de estar no aqui e agora. O tempo é sobre consciência, e passa muito rápido e devagar ao mesmo tempo. Tenho vários poemas sobre tempo. Tempo é uma pira sem tamanho, porque dita as regras do jogo e da vida. Vivemos com a hora marcada no relógio, isso é exaustivo. O tempo é confuso e difícil de engolir, mas ao mesmo tempo muito prazeroso, porque a música é contada pelo tempo. Tudo tem seu lado bom e ruim. Mas o tempo é incrível! Eu não queria ser o que fui ontem, quero ser o que sou hoje e melhor, e só o tempo pode mudar. Quão rápido você vai? É tudo o tempo que determina. O tempo da vida te coloca em situações sociais diferentes. E não percebemos o tempo passando no corpo, até nos olharmos de forma mais profunda. Nosso corpo pulsa o tempo inteiro, e de repente, no meio tempo, a gente morre. E também acredito em diferentes tempos em outras dimensões. Acredito na teoria da relatividade, do Einstein. Isso é incrível, estou muito ansiosa para novas descobertas sobre tempo (risos).

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