O divórcio fez com que ela saísse da caixinha

Marcos Pitta

Verônica Machado, jornalista, nascida em Brasília, em 1990, hoje com 29 anos. A história desta profissional começa por um divórcio. Isso mesmo, Machado conta, em entrevista a ComTempo, como foi seu casamento com a profissão e como o divórcio com a mesma foi o pontapé inicial para ela conhecer novos ares e sentir-se, definitivamente, feliz.

A relação com o jornalismo começou desde que ela se entende por gente: “Tenho uma teoria de bar, aquela que não tem fundamento nenhum, que não tem como fugir daquilo que se está programado. Tenho uma teoria determinista, claro que com o livre arbítrio, por exemplo, se eu te disser que vou ser dentista, nada vai me impedir, mas a vida vai se encarregar de me levar para a comunicação novamente”.

“Quando eu tinha uns dois ou três anos, meu pai ganhou uma câmera e ele filmava festas e eventos do bairro e ele me filmava muito, então, tenho essa afinidade com a câmera desde que me entendo por gente. De repente, eu já estava entrevistando todo mundo, filmando todo mundo da rua, a família e tinha muito essa coisa com a comunicação desde cedo”. 

Verônica conta ainda que começou a interessar-se por política na adolescência: “É nesta fase que a gente dá uma revoltada na vida, eu pensava muito em até ser política e hoje não tenho nada a ver com política, eu amava essa coisa do discurso, era isso. E tudo é jornalismo. E então eu pensei, é jornalismo se eu acreditar que jornalismo é entregar a informação mais correta possível a outra possível”.

O primeiro contato que Verônica teve com a profissão foi num estágio na Câmara dos Deputados, como repórter Plenarinho: “É uma experiência que a gente explica política para criança, também fiz estágio na agência de comunicação do Centro Universitário de Brasília e, depois, um dos meus professores era editor do Correio Braziliense e, em uma das aulas, ele pediu para que a gente levasse pauta para o jornal que a gente fazia na faculdade. Levei três. Uma delas, eu iria me propor a ser garçonete por uma semana, para contar como era o outro lado do balcão. Ele gostou muito e pediu para que eu enviasse um currículo e assim foi feito, entrei no Correio como estagiária”, conta empolgada.

Após a conclusão do curso, Verônica conta que teve muita sorte: “No final, não tinha mais como continuar como estagiária, mas neste mesmo período, uma pessoa saiu e eu acabei sendo contratada como repórter do Correio. Lá, fiquei por três anos”. Ela conta que lá foi seu único trabalho como jornalista: “Foi minha melhor experiência, eu entendi, de fato, a relação afetuosa que o jornalista tem com a redação do jornal. É diferente se você só fez assessoria, ou hoje só atuou com internet. A redação de jornal é diferente, foi ali que eu me apaixonei pela profissão e isso é um problema”.

É neste ponto da conversa, que Verônica começa a entrar nos detalhes da história que nos leva ao seu artigo, publicado no início desta edição, sobre seu divórcio com a profissão: “Foi nesta etapa que aquele ‘cafajeste’ me seduziu”. Ela continua explicando que o fator principal que a fez enxergar o relacionamento abusivo com a profissão aconteceu bem depois: “Até então eu amava tudo aquilo, amava o jornalismo. Não reclamava, defendia com unhas e dentes, é tipo irmão que só você pode falar mal, mais ninguém. Quando eu saí do Correio eu ainda amava a profissão”.

Machado conta que quando saiu do emprego, tinha um motivo que era precisar do inglês: “Havia feito francês, mas não adiantava para minha profissão. Aconteceram duas coisas nesta fase, a primeira é que meu coração foi partido por um cabra safado real – risos – e eu estava na fossa completamente e, a outra, é que eu tinha muitas oportunidades de viajar dentro do Correio, mas não ia por conta do inglês. Me senti limitada pela falta dessa habilidade e então pedi demissão, vendi meu carro e fui para o Canadá estudar inglês. Passei seis meses lá. Pouco antes de voltar para o Brasil, minha mãe saiu do emprego e eu não podia trabalhar no Canadá e aí surgiu a dúvida: como sobreviver?”.

Foi com este questionamento que a vida de Verônica começou a ser direcionada para o que está hoje: “Falei para minha mãe de montar o que ela sempre quis e, então, montamos o ‘Delícia Pronta’, ela é chefe de cozinha, cozinhava em casa e a ideia, nada mais era, que uma loja virtual de pratos prontos congelados gourmet. A gente precisava dar um jeito e vender isso pela internet. Era nossa única solução. Quando eu voltei, a solução era fazer o ‘Delícia Pronta’ dar certo. Foi então que comecei a ver sobre negócios, marketing e publicidade. Fiz uma pós-graduação em marketing digital, mas nunca peguei meu diploma, pois ainda não entreguei o meu TCC e, com isso, fiz o ‘Delícia Pronta’ dar certo”, explica. 

Neste momento da sua vida, Verônica olhava para a redação de jornal e não se via mais conectada naquele lugar: “Meu mundo se expandiu demais, minha vida não cabia mais dentro de uma redação, mas eu ainda não havia me aborrecido com a profissão”.

A crise existencial e o contar histórias como gancho motivacional

Após fazer o negócio da mãe dar certo, Verônica percebeu que aquilo era o sonho da mãe e não dela propriamente. Foi nesta parte que surgiu a crise existencial: “Comecei a pensar no porquê eu estava existindo, todos tinham um motivo, algo que gostavam e eu não. Até que um grande amigo falou que eu tinha um dom muito esquisito, que era pegar a história das pessoas muito rápido e isso em qualquer lugar, na parada de ônibus, no banheiro da balada, em todos os lugares. Mas, neste momento, pensei e como fazer disso uma profissão. Criei, então, o ‘Vidas Contadas’, que hoje está no Instagram. 

Vidas Contadas é um projeto de histórias, com vídeos curtos de pessoas comuns: “Eu acredito que qualquer pessoa tem uma grande história para contar. E essas histórias jamais entrariam no jornal, pelo simples fato delas serem pessoas comuns. Certo dia, sentei com meu avô e descobri que ele chegou e Brasília em 1963, fazendo obras. Olhava para minha avó e via que ela era uma atriz de teatro, no sertão do Ceará e ela sabia o texto de cor até hoje. A questão ainda era: como eu vou ganhar dinheiro com isso?”.

Neste ponto, Verônica retorna a falar do bom e velho jornalismo, dizendo que ainda fazia alguns trabalhos extras neste estilo mas, mesmo assim, continuava pensando em como monetizar seu novo projeto: “Foi então que fiz um financiamento coletivo foi um sucesso. Por dois meses eu consegui dinheiro para continuar com o Vidas Contadas. Eu não sabia o que seria da minha vida no terceiro mês, a única coisa que eu tinha em mente era que pessoas haviam me pagado para contar mais oito histórias. Antes de acabar, já haviam outras possibilidades para continuar com o projeto, mas eu ainda precisava de mais para ter dinheiro que realmente me sustentasse. Foi nesse ponto que percebi que estava bem feliz com o ‘Vidas Contadas’.

Para explicar esse momento da sua vida, Verônica faz uma comparação: “Não sei se você já passou por esse momento, mas sabe quando você está muito feliz com alguém e seu amigo não tem ninguém e você se sente constrangido de contar pra ele o quanto você está feliz? Era assim que eu me sentia, muito apaixonada pelo ‘Vidas Contadas’, mas constrangida de falar para os meus amigos jornalistas o quanto eu estava apaixonada, pela primeira vez, genuinamente feliz com a profissão. Foi então que comecei a perceber que eu não conhecia ninguém que estava genuinamente satisfeito com a profissão. Foi aí que percebi que a profissão era ruim, mas eu percebi olhando para o outro e não para mim, pois eu estava me sentindo feliz fazendo jornalismo, mas o meu jornalismo, o ‘Vidas Contadas’. Eu comecei a olhar que todos os meus amigos estavam tendo uma qualidade de vida ruim, foi ai que comecei a perceber essa frustração”.

Fazendo uma metáfora para explicar o caminho percorrido até o divórcio, Verônica conta: “Nesta fase da minha vida eu ainda amava o jornalismo, porque pode-se dizer que ela é um marido abusivo, pois ele bate, bate e bate na gente e nós continuamos amando ele. Até que um dia estava muito feliz com meu projeto e aprendi coisas que meus colegas não haviam aprendido e ai comecei a perceber que se os meus colegas tirassem os projetos deles da gaveta, eles ficaram felizes como eu”. 

O jornalismo 3.0

Foi deste pensamento de todos tirarem seus projetos da gaveta que Verônica criou o blog Jornalismo 3.0, para ensinar jornalistas o que não se aprende na faculdade: “Como empreender, como fazer marketing dentro do jornalismo, como usar as redes sociais. Comecei a falar que existia uma vida fora da profissão. Com o blog, as pessoas pediram mais, comecei a entender que existia uma demanda. Pausei o Vidas Contadas para ajudar colegas jornalistas a sair da caixinha. Fiz um curso que se chama Realize, tem esse nome até hoje, que eu ensino a realizar seu projeto, contando tudo o que eu aprendi. O curso foi crescendo e se desenvolvendo e percebi que cheguei num momento que jornalistas não me consideravam mais jornalista”.

Neste momento, mesmo oferecendo um curso de jornalista para jornalista, Verônica ficou sentindo um peso psicológico: Me perguntei se eu estava ou não fazendo jornalismo, isso prova as raízes e afetos que a profissão coloca dentro da gente. Nessa fase eu não sabia mais se eu era jornalista ou não, uma crise forte. Foi ai que tive que criar meu próprio conceito, de que jornalismo é entregar a informação correta para quem precisa. Isso me acalmou e eu percebi que eu ainda era jornalista. Foi uma briga e é uma briga violenta na minha cabeça até hoje com a profissão, pois percebi que não estou mais dentro de uma caixinha”.

Fora da caixinha

Verônica conta que com essa crise de identidade, ela precisou mudar quando um amigo chegou para ela e disse que ela realmente não era uma jornalista: “Eu surtei e ele me disse que eu era supertalentosa e que uma das minhas competências era ser jornalista. E ai eu entendi que eu sei, por exemplo, fazer um bom arroz, sei dar bons conselhos, sei costurar, sei fazer um site, sei fazer mídias sociais, sei fazer muito mais do que aquela relação profissional. Me descobri como Verônica e muitas funcionalidades, chegando, finalmente, ao texto que escrevi sobre o divórcio”.

“Estava eu comentando com alguns amigos sobre essa questão do jornalismo dentro de mim. Falando com eles, fiz a metáfora do casamento do relacionamento abusivo”, ela para. 

Neste instante, Verônica se lembra de um fato muito importante que, segundo ela, faz toda a diferença: “Quando eu voltei do Canadá, recebi uma proposta de freela muito ruim. Era horrível, escrever muitos cadernos, fazer muitas coisas por um salário horrível. Mas não estou criticando o que eu ia fazer, mas sim a proposta, a proposta era horrível. Foi então que meu namorado, naquela época, viu que eu estava pensando em aceitar porque precisava do dinheiro, porque se eu recusasse, iria fechar as portas. Ele virou para mim, isso lá no começo, e falou que eu era como uma mulher que o marido bate e não tem coragem de denunciar. Isso foi chocante para mim e senti muita coisa na hora e isso me fez refletir. Anos depois, quando já tinha meu grupo de negócios, utilizei essa metáfora e cheguei à conclusão que eu estava neste relacionamento abusivo e soube que eu precisava me desconectar. Me desligar da parte ruim dele”.

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Após essa conclusão clara em sua mente e depois de ter ficado muito tempo sem escrever, Verônica sentou, pegou uma taça de vinho e como uma boa jornalista, escreveu como ela estava se sentindo e daí, surgiu o texto: “Fiquei com medo de publicar, mas depois de uma taça de vinho, eu não queria mais saber de nada. Eu não estou falando mal do Correio, não estou falando que todos os jornalistas se sentem assim, não, falo que isso acontece comigo. Foi com esse texto que meu divórcio saiu. Eu assinei meu divórcio com o jornalismo com este texto. Era a hora de abrir o Tinder das habilidades”. 

A identificação 

Após a publicação do texto, Verônica conta ter se espantado com a identificação das pessoas: “Em questão de minutos tinham 100 curtidas, depois 200 e os comentários não paravam de chegar. Não era isso que eu queria, era algo muito pessoal meu. Depois disso, um site de notícias me ligou e pediu para publicar meu texto. Nesta hora, tive a ideia da dimensão que isso tomou. Eu não fiquei feliz pelo meu texto estar sendo divulgado. Eu fiquei triste aquele dia e não conseguia entender. Levei este caso para a terapia e descobri que eu publiquei esse texto, no inconsciente, esperando alguém me dizer que eu estava errada, só que veio uma enxurrada de gente dizendo que eu estava certa. Outro conflito na mente. E, então, fui percebendo que eu não deveria estar triste ou decepcionada e que isso era o que eu sentia e pronto”.

O sucesso do texto foi tanto que a jornalista já começou a escrever um livro sobre o divórcio com o jornalismo: “Vou contar, com muito mais detalhes, tudo isso que eu contei. Eu vejo muito isso na nossa profissão. Acredito que o vício na profissão não é saudável. Eu enxergo outro tipo de jornalismo, não é porque eu me divorciei que eu mudei de profissão. Eu continuo sendo jornalista, continuo escrevendo meus textos. Eu consegui ser a jornalista, em outro patamar. Consegui enxergar novos jeitos de usar a profissão. Dá para usar o jornalismo com o marketing sim, com tecnologia, com programação, com publicidade, com empreendedorismo. Hoje não funciona mais sozinho”.

“Esse texto diz muito, porque eu tenho certeza que tem muita gente com essa mesma angústia, mas não consegue identificar o quanto esse relacionamento com a profissão é abusivo. Somos obrigados a aceitar, muitas vezes, propostas ridículas, para poder encher a geladeira e isso não pode mais continuar acontecendo. Não existe nada mais generoso do que cobrar pelo seu trabalho, quando você cobra pelo seu trabalho, quando você faz uma venda, é uma das formas mais generosas de você entregar o que tem para as pessoas, porque ao comprar as pessoas têm mais compromisso. É uma coisa que os jornalistas não entendem ainda, mas tenho esperança que essa visão vai mudar”.

“Se eu tiver que escolher entre ser uma jornalista frustrada e miserável e ser a Verônica com grana para fazer as coisas que quero e ajudar cada vez mais as pessoas com meu conhecimento, sinceramente, prefiro ser a Verônica”.

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