De onde vêm as ideias?

Bruna Cagnin

Dizem as más línguas, que em um certo dia – entre 287 A.C. e 2012 A.C. – o matemático Arquimedes saiu correndo pelas ruas gritando Eureka! Tudo teria acontecido porque o rei Hierão, desconfiado da pureza do ouro com que sua coroa havia sido confeccionada, pediu a Arquimedes que encontrasse uma forma de verificar a possível fraude, porém, ele não poderia derreter a coroa para medir sua densidade. 

A resposta veio em uma ideia enquanto Arquimedes tomava banho. Ele notou que a quantidade de água que transbordava quando ele entrava na banheira tinha o mesmo volume de seu corpo, portanto, se a coroa fosse pura, deveria deslocar o mesmo volume que o seu peso equivalente em ouro. Arquimedes ficou tão empolgado com a sua ideia, que teria saído correndo e gritando, sem sequer se lembrar de colocar a roupa, pelas ruas. Apesar da parte da nudez não estar registrada em suas obras, essa “lenda” é atribuída à criação do Princípio de Arquimedes, fórmula que o matemático desenvolveu para medir a densidade.

Eureka! O que podemos tirar desta história, é que uma boa sacada pode mudar o curso da humanidade. Mas como podemos estimular a criatividade para ter uma nova ideia?

A criatividade é um fenômeno de várias facetas. A psicóloga Bruna Vannucci, 29, diz que é preciso considerar aspectos culturais, intelectuais, psicológicos e ambientais.  “É um desafio encontrar uma definição precisa, contudo, é possível considerar a criatividade a partir de uma sequência de processos psicológicos, que formam o chamado ‘processo criativo’, aquele em que o indivíduo desenvolve novas formas de resolver problemas e encarar situações, produzindo algo que é ao mesmo tempo original, inovador e valorizado”.

Uma boa ideia surge em um processo criativo, então, a partir do momento em que esse processo é estimulado através dos meios que o desenvolvem – cognitivos, afetivos e socioculturais – as ideias podem começar a fervilhar. Vannucci coloca o ambiente como um dos fatores de estímulo. “Um indivíduo precisa de um ambiente que encoraje e reconheça as suas ideias criativas, se este indivíduo tiver todas as condições internas necessárias ao desenvolvimento do pensamento criativo, mas não o estímulo ambiental, a sua criatividade nunca se manifestará. Por outro lado, o inverso também pode acontecer, então, se o ambiente contribuir para o desenvolvimento do processo criativo, e o indivíduo não for dotado de condições internas psíquicas para desenvolvê-lo, a criatividade pode ser prejudicada”.

Mas, depois de ter a ideia, é preciso também colocá-la em prática, e aí cada indivíduo “organiza” a sua criatividade de uma forma. Stephane Lopes, 22, é autora dos livros de fantasia Monstros Divinos – que já teve o segundo volume anunciado para o próximo ano – e Caçadores de Humanos, e conta que sempre se sentiu inspirada pelos filmes hollywoodianos. “Desde sempre estava escrevendo roteiros e fazendo filmes de mentirinha, dirigindo minhas bonecas e ursinhos de pelúcia como se eles fossem atores em um filme. Tanto que até hoje meus livros têm grande influência dessa ideia ‘hollywood’”. 

Sobre seu processo criativo, a escritora conta sobre as suas inspirações e incentivos. “Normalmente eu começo com uma pergunta base, ‘isso vai ser um filme ou uma série?’. É bobo e não funciona para todo mundo, mas como sempre fiz as coisas neste tema, me ajuda a organizar bastante minhas ideias. E então música! Sempre acabo criando uma playlist para o projeto antes de sequer começar a escrevê-lo. Eu respiro música, para mim essa é uma parte bem importante da criação de qualquer projeto meu. Além disso, a maioria das minhas ideias começa com cenas chave e uma motivação para o enredo estar acontecendo, ambos que geralmente chegam ao mundo enquanto estou ouvindo música. As cenas chaves são basicamente um diálogo principal ou um tipo de visualização, como se estivesse vendo uma paleta de cores que me inspira a criar a estética do projeto, encontro a voz do livro”.

Lopes diz que seu processo é um tanto caótico, mas é isso que a faz se sentir realizada enquanto cria. “Não sou muito boa em organizar cada detalhe, vou criando as cenas e depois as organizo na ordem que faz mais sentido, por isso geralmente o meu processo criativo leva mais tempo do que a escrita de fato”.

Para a escritora, a chave para contar uma história é a identificação que o leitor cria com os personagens, mesmo quando esses sejam seres fantásticos, como fadas ou dragões. “Geralmente faço isso com analogias de moralidade da sociedade humana, política, preconceito em um tipo de conto de fadas obscuro”. Este fascínio pela fantasia é um ponto em comum com Thais Cima, 26, que também teve um lançamento recente na literatura. 

Cima é uma das escritoras participantes da antologia Um reino à beira da irrealidade, lançado na bienal de 2019, no qual participa como autora e ilustradora. Seu conto, O Último fauno guardião, foi selecionado pela editora para integrar a coletânea entre diversos outros através de um edital.

 “Eu me inspiro muito em elementos de fantasia e misticismo, tanto para ilustrar quanto para escrever. Hoje em dia me inspiro no trabalho de outros ilustradores, principalmente no Instagram. Na escrita, me espelho muito em escritoras de fantasia com toque mais dark, como a Holly Black na trilogia Tithe, Valiant e Ironside”.

Cima conta que, apesar de encontrar inspiração em outras artes, cada trabalho seu tem seu processo criativo diferente. “O processo de escrita é bem mais demorado, o enredo eu vou montando conforme a história vai fluindo. Na ilustração eu pego referências diversas e monto um conceito para desenhar”. Assim como Stephane, Thais sentiu desde a infância necessidade de criar. “Não sei ao certo quando comecei a gostar, acho que nasci gostando! ”.

Bruna Vannucci reconhece que na infância, há mais facilidade para lidar com os estímulos criativos. No entanto, isso não significa que a vida adulta não está aberta à criatividade, pois um processo criativo pode se iniciar em qualquer fase da vida. “É uma habilidade natural das crianças irem até a lua sem nem fazer esforço para sair do chão. Quando a fase adulta chega, esse poder de imaginação fica cada vez mais fraco e isso acontece devido a aspectos biológicos”. A psicóloga explica que o cérebro é como um músculo, que precisa de exercício para se desenvolver. Se ele não receber os estímulos criativos, eles “atrofiam” essa habilidade. “Como crianças exercitam mais essa capacidade, consequentemente há mais facilidade do processo de criação na infância”.

É normal na vida adulta, encontrar certas barreiras para a criatividade. E, assim como o estímulo, diversos fatores também podem contribuir para essa inibição de ideias, como a apatia, o medo de arriscar ou de falhar, o cansaço e, até mesmo, a necessidade de se encaixar. Por exemplo, se o ambiente em que estamos inseridos incentiva um certo comportamento padrão, a rotina acaba por inibir nossos processos criativos, já que não teremos estímulos para pensar em novas soluções. “É preciso admitir a importância da criatividade no dia-a-dia do ser humano, e estimulá-la no contexto educacional, pois promove o bem-estar emocional e fornece auxílio na formação profissional, uma vez que a criatividade se apresenta como uma ferramenta fundamental que ajuda o indivíduo a lidar com as adversidades e desafios impostos pelo meio”, diz Vannucci. 

Bloqueios criativos, no entanto, não são invencíveis. Stephane Lopes e Thais Cima os enfrentam com certa frequência, e cada uma encontra uma forma de voltar a estimular o seu processo criativo.

“Essa é a coisa mais comum para quem cria qualquer tipo de arte”, diz Lopes, que coloca também a arte como motor para voltar a criar, seja ouvindo música, assistindo a séries e filmes ou lendo outros livros. (tinha duas abre-aspas aqui) “Às vezes tenho ideias insanas enquanto estou assistindo um comercial de margarina, então, a inspiração pode acabar aparecendo quando você menos espera (…). Mas se posso dar um conselho geral, é fazer algo que você gosta. Relaxe. Quando você fica ansioso demais para quebrar o bloqueio criativo, você acaba não conseguindo fazer nada”.

Relaxar e confiar nas suas ideias também é importante para Cima, “Todas as vezes em que eu tentava concluir uma obra maior, acabava parando pela metade. Tem muita ansiedade e insegurança aí também, acredito que essas duas coisas é que me bloqueiam”. Já trabalhando em seu próximo lançamento, Thais acredita que dar um passo de cada vez também é importante para sua produção. “Os contos foram a forma de me fazer ver que sou capaz de terminar uma história, por mais curta que seja, e isso realmente me deu ânimo para começar um projeto maior. Então, é uma boa começar com coisas menores”.

Nem mesmo Aristóteles conseguia ter a sua “Eureka” todos os dias, a criatividade, ao contrário do que alguns acreditam, não é um superpoder, mas um exercício diário. Apesar de não existir uma fórmula concreta para ser uma pessoa criativa, o primeiro passo é colocar as suas ideias em prática.

Você pode conhecer mais do trabalho das autoras Stephane Lopes e Thais Cima através de suas redes sociais, @stephanelopess e @thmend.

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