Episódio 1: Folclore Brasileiro, a luta para mantê-lo vivo

 

 Mariana Valverde

Agosto é o mês de se comemorar as histórias que ecoam pelas terras em que habitamos há muito tempo. São lendas surgidas num período em que a Ilha de Vera Cruz era apenas o lar de nossos ancestrais. Tempos em que a floresta era protegida pela Caipora e a Índia Naia comoveu Jací, hoje conhecido como a Lua, sendo transformada em uma vitória régia. É o mês do Folclore, de relembrar e manter viva a essência brasileira.

Para fazer jus a essa preservação da memória e da cultura, a ComTempo inicia série especial de reportagens para contar a história, a resistência e os aspectos pessoais dessa cultura tão antiga e importante na sociedade, através de entrevistados característicos e que entendem do assunto. A proposta, com a série que você vai ler em 6 episódios, é mostrar como o Folclore se constitui nos dias de hoje.

A preservação da memória é o ponto de partida para a ComTempo elaborar essa série de reportagens. Quando se registra um fato, quando se contam histórias, quando se é permitido viajar nas entrelinhas de uma narrativa, há a perpetuação daquilo que ali está sendo contado. É importante acreditar e lutar para que haja essa relação forte e estruturada entre o jornalismo e a sociedade, através dessas contribuições para com a formação cultural da sociedade.

 

A destruição da memória

Em artigo desenvolvido por Jerusa de Oliveira Michel e Margareth de Oliveira Michel, na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, intitulado como: O Jornalismo como memória – um estudo a partir do gênero reportagem ‘A Floresta das Parteiras’, na visão de muitos autores ocorre, neste mundo cada vez mais contemporâneo, o que pode ser chamado de “falta de memória”, fenômeno que aponta para várias perspectivas, como a designação de que nossa sociedade, hoje, é chamada de “sociedade sem memórias”. Essa denominação se dá pelo fato das rápidas mudanças e o avanço das tecnologias contemporâneas, causando uma fluidez que exige movimento constante.

Quando se fala em preservar culturas e memórias, não dá para esquecer de um episódio ocorrido em setembro passado: o Brasil assistiu grande parte de sua história ser tragada pelas chamas que consumiram o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Em entrevista a ComTempo, o historiador José Roberto Almeida relembrou o tipo de colonização realizada aqui pelos europeus: predatória e de exploração.

“Da existência dos índios, pouca coisa sobrou. A memória é sempre importante porque ela vai dizer quem você é, vai dar respostas para questões existenciais, culturais e sociais. Se isso não for preservado, nossa relação com o passado vai se perdendo. Vejo que isso não é uma coisa importante na visão do brasileiro e vejo isso com tristeza, pois um país que não conhece sua história, está fadado a repetir os erros do passado”.

Odila Lange apresenta Sarau Literário (Foto: Rede Social)
Odila Lange apresenta Sarau Literário (Foto: Rede Social)

Quem dribla, todos os dias, as consequências desta desvalorização e trabalha para que o Folclore Brasileiro não seja predado de vez ou tragado pelas chamas do esquecimento é a professora, advogada e folcloróloga Odila Lange, protagonista deste primeiro episódio.

Lange nasceu e cresceu em Vênancio Aires, no interior do Rio Grande do Sul e relata que sua infância no interior gaúcho foi muito pobre: “Em casa não havia televisão ou rádio, e, por isso, a forma da família e amigos passarem o tempo era contando lendas folclóricas”.

Em uma simples fazenda onde vivia, ela ouvia durante a noite, cachorros uivando e latindo, bravos, correndo pela mata, por isso, sua lenda mais marcante é a do Lobisomem: “Na cidade havia um homem que não cortava a barba e cabelo e diziam que ele era o lobisomem. As pessoas comentavam que se um dia fosse mordido, era só ir na casa dele no dia seguinte que teria fiapos da sua roupa nos dentes dele. O que ouvíamos, eram coisas impressionantes”.

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Odila foi certificada como membro vitalício da Academia de Letras do Brasil. (Foto: Rede Social).

A luta para manter o Folclore vivo

Odila detalha ainda que, após concluir suas formações, mudou-se para Dourados, no Mato Grosso do Sul e, de lá, continua fazendo seu trabalho, divulgando e enaltecendo o Folclore para crianças e adultos.

“Um povo que não tem história, não tem passado, não honra o presente e não terá futuro. Cada povo tem que ter sua identidade, sem ela não existe herança cultural”. Para Odila, a preservação do Folclore é essencial para a sociedade: “Não somos capachos de ninguém quando temos uma tradição”, diz a professora.

“O povo que copia tradições de outro país, não tem do que se orgulhar”, comenta a professora. Antigamente, vivia-se mais o Folclore, falava-se mais dessa cultura. A especialista em Folclore conta que na humilde casa de sua infância, havia troca de objetos e comida entre os vizinhos. Para ela, é essa lição que o Folclore deixa pra nós: “de um mundo mais puro e feliz”.

 

Como o Folclore irá sobreviver?

“A forma de fazer o Folclore sobreviver nos dias atuais é exatamente isso que vocês estão fazendo, contando histórias, registrando-as, levando a cultura para onde as pessoas mais estão, ou seja, no universo digital”, diz a professora, em referência a esta série de reportagens realizada pela ComTempo.

Atualmente, Odila dá palestras nas escolas, faz brincadeiras e danças, conta histórias, entrega brinquedos antigos. Além disso, realiza eventualmente um sarau cultural, com dança, música e comida. Ela convida pessoas que recitam ditos populares, poesias e lendas históricas do Folclore Brasileiro.

Eternizado em sua carreira, Odila tem a publicação do livro “Folclore ou folclore?” que segundo a autora, quando ‘Folclore’ está com a inicial maiúscula quer dizer a ciência e ‘folclore’, com letra minúscula, quer dizer o fato. “A ciência estuda o fato”, explica.

O livro é completo e traz brincadeiras, lendas, literatura de cordel e histórias de cada região do país. “É um livro para ser lido dos 18 aos 80 anos”, conta empolgada, enfatizando que não há idade para saber sobre essa cultura, para conhecer esse universo e para repassar esse conhecimento tão rico presente no nosso país.

Mas será que registrar essa cultura e lutar pela preservação da memória é possível no desenfreio constante da tecnologia? Como fazer o cidadão ler mais e interessar-se mais pela cultura da sua história num mundo tão digital e globalizado? Até quando o Folclore Brasileiro estará salvo? Há caminhos para esse registro continuar acontecendo nas plataformas digitais lançadas a cada dia? Até onde essa riqueza de cultura vai resistir ao esquecimento contínuo das pessoas?

No próximo episódio, você vai conhecer a história de Eberton Ferreira, autor de uma série de histórias em quadrinhos inspirada no Folclore. Tá ansioso? Vamos ver até onde essa preservação pode chegar?

É amanhã, não percam.

Pular para o segundo episódio

 

Escrita por: Mariana Valverde
Acompanhamento: José Piutti
Edição de texto: Marcos Pitta
Edição final: Gabriela Brack

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2 comentários sobre “Episódio 1: Folclore Brasileiro, a luta para mantê-lo vivo”

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