Uneafro: Uma Luta contra violências

Gabriela Brack

A rede de articulação e formação volta às páginas da ComTempo, desta vez com a palavra de quem vivencia o projeto.

“O cursinho abriu outra visão de mundo para mim”. Esta é uma das definições de Mayene Scavoni, 17, que faz parte do núcleo ‘Conceição Evaristo’ da Uneafro, em Bebedouro-SP, pelo segundo ano.

A União de Núcleos de Educação Popular para Negr@s e Classe Trabalhadora (Uneafro) é um movimento negro de ação comunitária e educação popular, organizado há 10 anos em todo o Brasil em torno de, atualmente, 32 núcleos de cursinhos pré-vestibulares. Ela chega novamente às páginas da ComTempo, agora com a palavra de alunas que vivenciam o projeto e o que ele representa.

Uma delas acompanha a trajetória da Uneafro em Bebedouro desde o início de sua articulação, em 2018. Mayene conta que foi convidada em sua escola, pela coordenadora e um dos professores da Uneafro, a fazer parte do cursinho ainda no 3º ano do ensino médio, decidindo conciliar os dois estudos.

“Passei a entender e a dar importância para coisas que eu não achava que existiam perto de mim. O curso é muito além do crescimento acadêmico, como as matérias ligadas a ensino médio e aos vestibulares. O núcleo se importa com as causas sociais e com o que os alunos sentem. Em 2018 foi um crescimento em ambas as partes, tanto dos alunos a entrar no ritmo da intenção do curso; e também do curso ao contato com os alunos que eram muito diferentes e com distintos interesses”, conta a estudante.

Com o ensino médio concluído, Mayene percebe mais experiência no núcleo “na melhor forma de compreender os alunos, e a organização está muito mais elaborada, a direção tem muito mais controle sobre os alunos e as nossas necessidades”.

Ainda em processo de escolha sobre o que cursar, o objetivo da estudante é ter bons resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para conquista de vaga em uma universidade pública, ou bolsa integral em uma instituição particular.

Na visão de Mayene, a proposta trazida pela Uneafro é essencial como um todo e enquanto projeto funcionando em Bebedouro. “Ela visa fazer com que as pessoas entendam o que são as minorias, entender nosso lugar de voz, respeitar as pessoas e exigir respeito. Os jovens de Bebedouro precisam entender que certas coisas acontecem, que o racismo, a homofobia, entre várias outras formas de preconceitos estão dentro de toda a estrutura da nossa cultura”.

Quem também conversou com a ComTempo sobre sua vivência na Uneafro é a Ariadine de Lima, 23. Ela soube do cursinho através de sua irmã mais nova, e viu no projeto a oportunidade de realizar seu sonho: cursar a faculdade de Direito. A estudante chegou a fazer dois semestres do curso, numa faculdade particular em Bebedouro, mas por não ter condições e arcar com os custos, precisou trancar.

“A experiência na Uneafro é incrível, os professores são pessoas maravilhosas, e eu estou cada vez mais satisfeita com o curso, a melhor escolha que já fiz. Está me fazendo crescer muito como pessoa”, ressalta Ariadine.

Sobre a proposta da Uneafro como um todo, a estudante afirma: “Acho incrível que existam pessoas dispostas a ajudar o mais desfavorecidos, para que a gente possa ter pelo menos a chance de lutar por aquilo que é nosso por direito”, destacando a importância da presença do núcleo em Bebedouro, “pois muitos precisam desse incentivo para poder lutar pelo seu lugar”.

Quem faz acontecer

Além de toda a organização de Bebedouro, coordenada pela assistente social e professora Jéssica Vianna, muitas outras pessoas mantém a existência do projeto, como é caso da coordenadora dos núcleos e cientista social Fabiola de Carvalho, 38. Ela faz parte do grupo que atua junto ao escritório central da Uneafro Brasil, em São Paulo, mas além da capital, o movimento está presente também no interior e região metropolitana de São Paulo e no Rio de Janeiro.

“Os núcleos da Uneafro têm a proposta de contribuir para que jovens negros, filhos da classe trabalhadora e oriundos de escolas públicas possam se preparar para o Enem e outros vestibulares”, explica Fabiola.

Sobre o funcionamento do movimento, a coordenadora explica que os núcleos geralmente estão em associações de moradores, centros culturais, escolas estaduais que se abrem aos finais de semana, igrejas e ONGs.  “E para além das aulas, os núcleos são espaços de formação e informação”, enfatiza.

Para o processo de construção dos núcleos, são necessárias articulações, e é exatamente nesses processos que Fabiola atua. “Contribuo com o trabalho de articulação entre os núcleos. Esse trabalho pode ser desde uma articulação para abertura de um novo núcleo, até uma mobilização para uma atividade conjunta de todos os núcleos”, explica Fabiola.

Há 3 anos na Uneafro, a cientista social também coordena, com outras colegas, o núcleo “Tia Jura”, em São Bernardo do Campo-SP.

Fabiola já conhecia a Uneafro de lugares que frequentava, por sempre estar em espaços de debate e luta contra racismo, machismo, LGBT+fobia e desigualdades sociais. “Fazer parte da Uneafro é uma maneira de enfrentar todas essas violências, essa é a importância”, destaca a coordenadora.

Diante do cenário político-social brasileiro, fazer parte da Uneafro, para Fabiola, representa uma das formas de enfrentamento ao genocídio. “Estar na base, com ação direta em nossas comunidades”.

Formações e encontros

Levando a formação do projeto Circuladô de Oyá, Fabiola de Carvalho esteve em Bebedouro-SP, no núcleo ‘Conceição Evaristo’ da Uneafro, no início de junho, dando continuidade à proposta que deve passar pelos 32 núcleos do movimento.

“O projeto que visa criar uma rede de fortalecimento da atuação política e social das mulheres estudantes dos cursinhos nas comunidades, relações sociais, além de tornar possível o ingresso no ensino superior”, explica.

Além das formações nos núcleos, alguns encontros estão sendo realizados no meio do caminho, como o “Papo Reto CazPretas”, realizado na segunda quinzena de julho, em São Paulo.

“As pretas unindo forças para transformar o choro em sorrisos, a dor em força, a fraqueza em fé e os sonhos em realidade!”, é a mensagem dada no convite dos encontros.

Para ler a matéria diagramada, clique aqui.

Deixe uma resposta