Abandono de idosos: verdade ou mito?

Kimberly Souza

Engana-se quem pensa que a etapa mais frágil da vida é a infância. Embora ela seja a fase em que exige-se maior atenção por parte dos adultos, é na velhice que os indivíduos são mais vulneráveis e o motivo é, justamente, a ausência de atenção.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Social escancaram a situação: entre 2012 e 2017, aumentou em 33%, o número de idosos acolhidos por instituições de longa permanência – comumente chamadas de asilos – tanto públicas quanto filantrópicas.

Os familiares que optam por esta alternativa alegam diversos motivos. Dentre eles, a falta de tempo, a falta de recursos financeiros e a dificuldade em compreender as consequências que a idade acarreta. O abandono, por fim, acaba significando uma decadência na vida do idoso, o que prejudica sua saúde física e emocional.

A estudante de Psicologia Michelly Vanzella acrescenta: “Infelizmente, é mais “fácil” terceirizar o cuidado do que ajustar a agenda pra dar o mínimo de carinho, atenção, afeto. É um assunto delicado, mas muitos não percebem que a ausência ou a diminuição da frequência das visitas, podem caracterizar uma sensação de abandono e vazio no idoso. E há quem realmente não consegue cuidar e mesmo deixando o idoso numa instituição, mantém uma rotina de visitas, e cuidado aos fins de semana”.

E a assistente social Jessica Vianna, completa: “Temos o equívoco de pensar que, se configura como abandono de idosos, o ato de negligenciar cuidados primários e necessários, abandonar ou deixar em uma casa de acolhimento, mas o abandono começa muito antes. Ele começa, muitas vezes, nas ausências dos familiares, no afastamento, na indiferença ou na falta de diálogo”.

A sociedade está preparada para envelhecer?

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Ambas as especialistas afirmam: Não. Para Jessica, a problemática é social e agrava-se por não ter a participação efetiva do governo.

“A sociedade não está preparada para esse momento porque infelizmente poucas são as políticas públicas voltadas ao atendimento dessa população, e quando existem, são pouco efetivas. Consequentemente, isso afeta as instituições que trabalham com o acolhimento dos idosos, fazendo-as muitas vezes, driblar dificuldades básicas para garantir a vida com dignidade para os idosos”.

Já Michelly afirma que a saúde mental, já discriminada em todas as idades, não é vista como uma medida essencial para o envelhecer do indivíduo.

“A saúde mental engloba fatores biopsicossociais, ou seja, aspectos biológicos, psicológicos e sociais. O abandono pode estar atrelado aos três: a falta de cuidado em relação às necessidades físicas, como ministrar um medicamento ou até mesmo dar um banho de maneira adequada; a falta de afeto, carinho, amor, acolhimento, estar presente. A saúde mental do idoso é frágil, e desenvolvimento de sua vida afeta de maneira bem mais direta, apesar de possuírem uma resiliência impressionante, eles sentem muito, e esse sentir acarreta danos não somente em sua saúde física, como mental”.

As instituições estão preparadas?

Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI’s) são, na maioria dos casos, iniciativas do terceiro setor ou equipamentos dos governos em duas esferas. Em ambos os casos, os orçamentos são apertados e suscetíveis a carência de elementos básicos, como medicamentos e estrutura.

Apesar da realidade, para as especialistas, as instituições cumprem o seu papel. Michelly percorreu algumas ILPI’s em seu processo de estágio da faculdade, com o objetivo, junto a outros colegas, de detectar as necessidades e oferecer atividades psicoterapêuticas aos institucionalizados. Ela acredita que a instituição exerce sua função, a de ser um espaço essencial para o desenvolvimento e qualidade de vida do idoso.

“Notamos que havia uma carência relacionada a interação social entre os idosos e decidimos dar início ao um grupo que trabalhasse essa comunicação entre eles, estreitasse os laços, proporcionando o treino de habilidades cognitivas: memória, atenção e concentração”, conta.

Jéssica trabalha no departamento de Assistência Social de uma ILPI e lida, diariamente, com as solicitações de familiares para ingressar o idoso na instituição. Para ela, o grande desafio é a escassez de recursos que o Estado deveria garantir para a organização.

“Acredito que o mais problemático da minha rotina é a incompreensão da comunidade de qual é o verdadeiro trabalho de uma ILPI e nossas dificuldades. Há pessoas que acreditam mesmo que se trata de um depósito, um lugar para desenvolver práticas assistencialistas e paternalistas”, afirma.

O mundo ideal existe?

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O Brasil está envelhecendo. Até 2060, 1 em cada 4 brasileiros será idoso, ou seja, a fatia composta por 9,2% de pessoas com mais de 65 anos passará para mais de 25%, daqui pouco mais de 40 anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em julho de 2018.

Diante do quadro, é necessário o país se adaptar à futura realidade, começando já. Compreensão e empatia por esta fase da vida é o primeiro passo.

“Há famílias que acreditam que os idosos, aos serem institucionalizados, apresentarão melhora quanto ao quadro de saúde, pois, a lógica é pensar o idoso como uma pessoa que volta a ser criança, por demandar cuidados. Dessa forma, se abre possibilidade para pensar que o convívio grupal favorece o desenvolvimento e fortalece a autonomia, e é aqui que se encontra o grande equívoco, já que cada fase da vida é única, e esse convívio pode até favorecer, mas não será suficiente sem a presença familiar. Se a família se predispor a proporcionando afeto, respeito e escuta ativa não punitiva, muito já se faz pelo idoso”, conceitua a assistente social.

O segundo passo é garantir o acesso aos cuidados básicos e, ainda, melhorar o atendimento das instituições de longa permanência.

“Devemos ter consciência de que o envelhecimento é uma fase que chega na vida de todos. Se as pessoas se conscientizassem disso, o respeito ao idoso seria mais integral. Da parte do Estado falta vontade e interesse mesmo, uma vez que o idoso não é uma força para o trabalho, ele infelizmente perde, diante do Estado, sua relevância humana. Das instituições, acredito que o ideal seria a oferta de um serviço que garantisse segurança e proteção sem abandono familiar ou transferência de responsabilidade”, finaliza Jessica.

Para fazer o download clique aqui: https://bit.ly/2uBSwsR

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