Nainôra Freitas é pura história

Kimberly Souza

A História sempre lhe foi um objetivo muito bem definido, uma forma de
alcançar lugares onde poucos têm acesso e também de se conectar com sua
verdadeira essência e seus interesses, como a religião e a gastronomia.
Ainda envolvida nas reflexões sobre o valor da memória, a terceira edição da ComTempo traz a história Nainôra Freitas, historiadora, pesquisadora e uma apaixonada por tudo o que a desafia.

Desde a infância, passando por momentos trágicos até chegar aos dias de
hoje, ela conta sobre a sua vida entrelaçada à profissão e traz sua perspectiva sobre pautas da atualidade. Não só um banho de conhecimento, a primeira personagem de 2019 nos brinda com muita inspiração.

Conte um pouco sobre sua vida: idade, onde nasceu, onde
vive, sobre sua família e como foi sua infância.

Nainôra: Nasci e cresci na pequena cidade de Patrocínio Paulista, vizinha de Franca mas ao lado de Minas Gerais. Minha família era pequena e sou a mais nova, irmã de gêmeas Maria Célia (já falecida) e Maria Cecilia. Cresci num lar cercado de amor pelos meus pais José e Romilda que foram casados por 32 anos até a morte de minha mãe. Tudo na minha infância remete a brincadeiras de rua, férias na fazenda (maior prazer era andar a cavalo), bem como recordo com carinho dos prazeres da boa mesa (comida caipira). Comecei a ler muito cedo por incentivo de minha mãe Na minha casa tinha jornais e revistas que meus pais assinavam e frequentei assiduamente as bibliotecas das escolas por onde passei. Estudei até o colegial na minha cidade em escola pública.
Durante o ensino fundamental uma de minhas professoras de literatura
incentivou muito a leitura de livros clássicos nacionais e estrangeiros, foi
quando fiquei conhecendo ainda mais sobre autores como Gabriel Garcia
Marques, Jorge Luis Borges e outros.

Como e quando se deparou com a história?

Nainôra: A opção por História foi simples: queria ser professora e de História. Amava compreender sociedades distintas e distantes no tempo e no espaço. Estudei História na Unesp de Franca viajando todos os dias para estudar no período noturno. Quando escolhi História já era apaixonada por museus, por tudo que se refere a memória e identidade. Queria ser professora, era mais do que uma meta, representava um modo de vida. Sonhava em pesquisar, estudar paleografia para ler documentos antigos e acima de tudo ficava fascinada com a história dos países vizinhos dos quais pouco conhecia, mas achava que as pirâmides do México e a cidade de Machu Picchu mais interessante que o Egito.

Qual disciplina mais lhe atraía e qual menos gostava?

Nainôra: História da América e História do Brasil eram disciplinas que
fascinava, outras como Teoria da História despertaram para outros padrões de relações entre teoria e prática. Como fui bolsista de iniciação científica a
pesquisa passou a fazer parte de minha vida acadêmica desde a graduação.
Durante a graduação participei de um projeto com a profa. Haydee Marquaiafave Pugliesi que possibilitou fazer pesquisa nos grandes arquivos
brasileiros como Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro e em arquivos dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso. Foi um
mergulho na pesquisa e uma paixão que segue até os dias atuais, o trabalho
de campo do historiador.

E depois da faculdade, qual caminho seguiu?

Nainôra: Participando desta pesquisa como estudante da graduação conheci uma documentação que mudou a minha vida. No arquivo eclesiástico da Arquidiocese de Mariana pela primeira vez entrei em contato com documentos procedentes das irmandades leigas que funcionavam nas igrejas de Minas Gerais: livros de Compromisso, Livros de Entrada de Irmãos, Livros de Receita e Despesa… Havia irmandades para brancos e negros, para ricos e pobres, irmandades donas de ricas igrejas e outras estabelecidas em altares laterais dentro das igrejas. Esse universo me levou a pesquisar não só Igreja católica, mas religião e a relação com as pessoas e suas crenças. O passo seguinte foi que terminei a graduação em História, colando grau em dezembro de 1985, prestei a prova de mestrado no mês de janeiro 1986 e em fevereiro estava cursando a pós graduação em História e passei oficialmente a pesquisar escravidão africana e irmandades religiosas laicas de Mariana, Minas Gerais.
No meio do mestrado minha mãe faleceu, meu orientador pediu demissão,
pensei em largar tudo e fazer Agronomia. Tenho uma ligação visceral com a
terra. Mas, como tudo tem um propósito na vida, fiquei com a História.

Qual sua relação pessoal e profissional com a religião? Por
que decidiu estuda-la?

Nainôra: Mais de uma após a morte de minha mãe, vim trabalhar em Ribeirão Preto, onde moro até hoje. Passei a lecionar no período noturno no curso de História na Faculdade Barão de Mauá. Ao mesmo tempo, a convite de uma amiga, levei meu currículo para uma escola de Filosofia da Arquidiocese de Ribeirão Preto onde passei a lecionar no curso preparatório para seminaristas pela manhã. Nesta escola soube por um colega de um curso de verão de História da Igreja no Brasil.

Em janeiro de 1989 fiz este curso em São Paulo que possibilitou mergulhar um pouco mais dentro das questões que trabalhava no mestrado. Durante o curso soube que haveria um outro curso maior na cidade do México no ano seguinte e resolvi me inscrever. Meu pai deu todo o apoio possível e em 1990 tirei um afastamento na Barão de Mauá, o outro curso havia fechado e transferido os alunos para outra escola, tranquei o mestrado e passei o segundo semestre morando na cidade do México, junto com pessoas de 13 países, local em que fiz um mergulho profundo nas questões da América Latina e das igrejas católica e protestante, bem como estudando cultos afro-indígena na América latina. Antes de iniciar o curso, passei um mês junto com três outros amigos viajando desde a Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Costa Rica até chegar ao México onde íamos estudar. Foi um caminho sem volta de paixão pelos vizinhos cuja história, cultura, comida, entre outros aspectos são fascinantes.

Leia a entrevista completa na terceira edição da Revista ComTempo.

Deixe uma resposta